Brasilino Godinho – Quinta Lusitana
Da edição do semanário SOL, de 10 do corrente mês de Agosto, transcrevo o seguinte trecho de primeira página:
Zita, “A ex-militante comunista adiantou a hipótese de o PCP ter usado uma empresa de aparelhos de ar condicionado para instalar microfones em gabinetes de Estado”.
Vejamos a coisa como se fora uma peça de teatro.
O cenário: SIC, jornal da noite.
Personagens individuais: Mário Crespo, Zita Seabra, Alexandre Alves (“Barão Vermelho”).
Personagens colectivos: PCP e jornalistas.
Tema da composição teatral em causa (um meio-termo entre o drama e a comédia): Espionagem comunista nos tempos da FNAC (a empresa mencionada).
A acção inicia-se com a presença de Zita Seabra, frente a Mário Crespo, sob as miras das câmaras, no estúdio da SIC; o qual, solícito, de imediato, a interroga sobre o tema trazido à colação. Ela, sempre exibindo um sorriso forçado, embora tratando um assunto que dir-se-ia sério, vai desenvolvendo o tema num plano de indefinição e de imprecisão, cingido ao mero campo hipotético. Crespo, sorridente, patético, tristemente(…) embevecido, vai ouvindo suave, docemente e com inexcedível brandura lança algumas dicas adjuvantes. Por fim, remata, em êxtase, o encontro como habitualmente faz: com aprazimento um tanto postiço, dizendo-se muito honrado* com a vinda da ilustre personagem por generosa(?) anuência ao seu “convite” (certamente - admito - que não envolvendo gratuitidade na prestação televisiva…).
Alves, ouvido posteriormente na SIC, nega a hipótese de espionagem colocada pela personagem Zita e fá-lo também com um sorriso.
Logo a seguir o PCP, como que assobiando para o lado, emite um comunicado em que desvaloriza a pessoa Zita Seabra e as declarações por ela prestadas à SIC.
Os jornalistas e alguns órgãos de comunicação social embandeiram em arco e vão-se contemplando euforicamente na diversão que ora surge. Perante esta peça de teatro rasca, apresentada ao respeitável público com o manifesto propósito de o desconsiderar - porquanto, julgando-o estúpido, amorfo e destituído de senso e de espírito crítico - importa realçar que ninguém, na hora, fez as duas elementares perguntas:
- O que levou Crespo a “convidar” Zita para se pronunciar sobre aquele específico tema da hipotética espionagem? E vir ele, agora, fora do seu tempo próprio, à baila?
- Se a Zita foi expulsa do PCP há vinte e quatro anos (1988, como consta na imprensa) e, quase de imediato, se incorporou na família do PSD; se tem desenvolvido uma intensa campanha contra o seu antigo clã doutrinário (PCP); qual a razão de só agora, intempestivamente, Zita Seabra sair a terreiro empenhada em admitir que o PCP fizera espionagem na época de existência da FNAC?
Se dirá, com propriedade, que - não se vislumbrando espionagem, neste caso representado pela própria iniciativa e pela intervenção de Zita, na SIC - haverá nesta história tão mal contada um mistério que reveste algum interesse desvendar…
Não se terem expressado as elementares interrogações sobre o tempo, a oportunidade e a motivação das declarações de Zita Seabra, releva a ligeireza com que estes assuntos são tratados no plano mediático e a impressionante falta de objectividade bem patente nalguns meios jornalísticos. Sublinho, dando ao facto a devida ênfase…
* Nota de curiosidade - Com tantas e persistentes honras diárias que Mário Crespo induz com estes seus singulares “convites” e que, de forma tão evidente, o deixam babado, ele deve ser o homem mais “honrado” que existe em Portugal… Não será altura de o propor para ingresso no Guinness Book?...
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