domingo, 9 de setembro de 2012

… HÁ COISAS QUE NÃO TÊM MAIS COMO ANDAR OCULTAS!... – II

 

Martinho Júnior, Luanda
 
A população jovem de Angola é dominante e isso é um sinal pleno de vitalidade; torna-se pois importante conhecer o passado, em especial o passado recente: seria inadmissível que novas gerações que foram poupadas à guerra, experimentem por via do fascínio emocional primeiro, depois por via dum aumento incontrolado de tensões e conflitos, os desafios e riscos que seus progenitores directa ou indirectamente experimentaram, para que Angola e a África Austral estivessem a beneficiar da oportunidade duma liberdade de consciência apesar de tudo nunca antes experimentada no continente-berço da humanidade!
 
Os jovens necessitam hoje de conhecer as lições que advêm do passado de forma a melhor optarem em relação a si próprios e ao futuro.
 
Estou a ler um livro dum homem, Helmoed-Romer Heitman, que serviu o regime do “apartheid” e publicou “War in Angola – the final south african phase”.
 
Ele descreve em profusão de detalhes, as acções e os episódios de há precisamente 25 anos, quando as South Africa Defence Forces decidiam em solo de Angola e vou evocar aqui um excerto por mim traduzido que me é elucidativo, ainda a “Operation Modular” estava no seu início em Setembro de 1987 (Página 67):
 
… “Os Grupos de Combate permaneceram em posições a partir das quais poderiam reagir a qualquer movimento das FAPLA.
 
O Bravo opunha-se ao ponto de travessia da 21ª Brigada e os Grupos de Combate Alfa e Charlie estavam colocados contra a 47ª Brigada, uns quinze quilómetros a sul da confluência Lomba-Cunzumbia.
 
A 47ª Brigada sofreu as atenções da South Africa Air Force durante o dia 20.
 
Um golpe dos Camberra foi cancelado por que o teto estava baixo, mas três outros ataques foram executados.
 
Quatro Buccaneers atacaram com dez bombas pré-fragmentadas de 250 kg cada pelas 08h54, quatro Mirage com oito bombas pré-fragmentadas cada pelas 13H00 e outra vez quatro Buccaneers com 10 bombas pré-fragmentadas cada pelas 17h50.
 
Algumas bombas lançadas nesses ataques foram armadas com fusíveis de retardamento e as suas inesperadas detonações ocorreriam nos próximos dias, causando severo prejuízo à moral da 47ª Brigada.
 
Menos bem sucedidas foram as saídas operacionais dos RPV (Veículos de Controlo Remoto, hoje em dia conhecidos por drones) do 10º Esquadrão, a 20 e 21 de Setembro.
 
O primeiro foi lançado pelas 10H30 de 20 de Setembro a fim de obter alvos para a artilharia nas áreas das 16ª e 21ª Brigadas, mas foi forçado a voltar por causa das más condições de tempo sobre os objectivos.
 
A segunda saída começou às 12H30 do dia seguinte, com o RPV a tentar sobrevoar as quatro Brigadas das FAPLA.
 
Sobrevoou com sucesso sobre as 16ª e 21ª, mas foi abatido por um míssil SA-8, o sétimo míssil anti-aéreo disparado contra ele pelas 14H34, quando sobrevoava a 47ª Brigada.
 
Esse foi um desagradável acontecimento para o 10º Esquadrão, que esperava que os seus Gharra fossem um alvo demasiado pequeno para os mísseis anti-aéreos.
 
Como crédito a favor, as FAPLA usaram uma quantidade grande de muito mais caros mísseis anti-aéreos para atirar abaixo um drone no valor de um milhão de rands, que expôs os lugares de lançamento do inimigo aos olhos dos sul africanos.
 
Theo Wilken viu os SA-8 serem lançados e marcou os lugares das rampas, que foram atingidas com tiros de G-5.
 
Um veículo lançador foi atingido, com a explosão de vários mísseis ao redor.
 
Outro impacto atingiu as posições de lançamento causando uma segunda potente explosão.
 
Tropas da UNITA deram a conhecer mais tarde que encontraram a fuselagem do RPV, sem sinal do piloto.
 
Eles estavam muito preocupados com isso e o Coronel Oelschig não resistiu e pediu-lhes para continuarem a procurá-lo, pois isso era muito importante politicamente, uma vez que o piloto era um muito pequeno japonês.
 
O Grupo de Combate Bravo e a 21ª Brigada passaram todo o dia 21 de Setembro a bombardear com artilharia e morteiros o Lomba.
 
Os oficiais de observação deleitaram-se, usando os seus veículos individuais, a corrigir os tiros dos G-5 sobre a área da 21ª Brigada, com algumas correcções a serem feitas a apenas 25 metros dos impactos”…
 
Sublinhei de propósito o texto que para aqui interessa, para se perceber como os oficiais do regime do “apartheid” sul africanos menosprezavam os angolanos e seus aliados internacionalistas, mesmo os angolanos que serviam em e como apêndices de suas forças:
 
- Em relação às FAPLA, gastaram para abater um “drone” muitos mísseis, de valor muito superior e ainda por cima ficaram com as posições de lançamento expostas à sua observação e fogo de artilharia e morteiro…
 
- Em relação às FALA, pediam para continuar a procurar o “piloto japonês” do “drone” abatido, uma vez que esse era um assunto politicamente muito sensível…
 
Há 25 anos eram assim vistos em pleno combate pelos oficiais do regime do “apartheid” os angolanos e por isso é bom que a juventude de todos os povos da África Austral possam conhecer esse episódio descrito à sua maneira por Helmoed-Romer Heitman, a fim de melhor perceber o que estava em causa para além da guerra em si e o que está em causa hoje.
 
Com a mesma arrogância e menosprezo pelos africanos, a aristocracia financeira mundial semeia divisão, tensões, conflitos, guerras, promove ingerências de todas as maneiras e feitios em assuntos internos dos estados procurando alterar as correlações de forças de acordo com suas conveniências, manipulam os processos sociais tirando partido da ausência duma esquerda assumida, no caso angolano herdeira do movimento de libertação, estabelecem as regras imperativas do comércio internacional, instrumentalizam as Instituições de crédito, Desde o Banco Mundial e o FMI aos grandes Bancos indexados por exemplo ao Bilderberg…
 
Há 25 anos a África do Sul estreava o uso de “drones” nas frentes de combate beneficiando dos apoios tecnológicos secretos só possíveis entre as potências ocidentais que compõem NATO e ANZUS e Israel, naquela altura para efeito apenas de reconhecimento; fazia uso ainda dos canhões G-5 e G-6 de longo alcance que nenhum outro Exército possuía, estreava mísseis anti-tanque de grande capacidade contra os blindados médios e pesados de origem soviética, destruiu a ponte sobre o rio Cuito com uma “smart bomb” e febrilmente estava a construir 6 bombas nucleares…
 
Onde Obama aprendeu no uso de “drones”?
 
Foi a partir desse húmus, a partir dos aliados que eram de facto as SADF!
 
Enfrentando esse tipo de gente e de equipamento militar, os combatentes africanos e seus aliados internacionalistas que lutaram contra o colonialismo e o “apartheid”, por colapso do socialismo real, implosão da URSS e alterações impostas ao movimento de libertação, acabaram por abrir caminho às democracias representativas que vigoram nos países SADC, as democracias que “estamos com elas”, haverá algo mais conveniente?!
 
É justa essa pergunta, repito: haverá algo mais conveniente?...
 
… Estão a ser as potências instigadoras dessas democracias, com os Estados Unidos à cabeça, que estão a usar os “drones”, agora plataformas multi funções, capazes até de bombardear alvos a muitos milhares de quilómetros de suas bases!
 
Desde os “drones” testados nos “campos experimentais” de Mavinga e Cuito Cuanavale que a evolução desses veículos não parou, uma evolução principalmente levada a cabo pela poderosas indústria de armamentos dos Estados Unidos, da União Europeia e de Israel.
 
Se a absorção dessa tecnologia é evidente, não é também cada vez mais evidente a absorção da própria ideologia do “apartheid” pelos interesses que incorporam a “hegemonia”?
 
Não estarão todos os povos que compõem os estados “Não Alinhados” a ser alguns dos principais alvos dos “drones” e do fascismo aplicado à escala global?!
 
Não estarão os próprios povos da Europa a, por via da crise do Euro, a sofrer do mesmo em relação à questão crucial do carácter de quem exerce o poder?!
 
A carga fascista, agora à escala global, é por demais evidente e o uso dos “drones” faz parte desse exercício-herança de “apartheid”!
 
Alguns territórios africanos têm assistido ao carrossel de “drones” norte americano, como o caso mais evidente da Somália e os Estados Unidos, com suas imensas vantagens tecnológicas, utilizam-nos onde quer que seja, sem alguma vez haver a hipótese de serem detectados ao nível dos poderes locais africanos!
 
Para mal dos pecados dos africanos e para cúmulo trágico e irónico da história, é um Prémio Nobel da Paz com sangue africano, o autor moral do que nosso companheiro Rui Peralta rotulou com toda a propriedade de “Império dos drones”!
 
Gravura: Um “drone” fabricado pela Denel da África do Sul.
 
O equipamento Seeker I foi utilizado pelas Forças Armadas Sul Africanas de 1983 a 2004 (inclusive depois do desaparecimento do “apartheid”) e neste momento elas estão equipadas com Seeker II, com muito melhores performances que o anterior, atraindo compradores internacionais ao nível dos Emiratos Árabes Unidos (Denel wins Seeker maintenance order at IDEX 2011 – http://www.defpro.com/news/details/22341/).
 
A Denel está a preparar o Seeker 400, que sucederá ao Seeker II, com ainda melhores aptidões de reconhecimento e combate (Denel unveils armed Seeker, Impi missile – http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?p=73173569).
 
Consultas obrigatórias:
- Os drones no campo de matança – Pepe Escobar – http://democraciapolitica.blogspot.pt/2012/06/os-drones-nos-campos-de-matanca.html
- O império dos drones – I – Rui Peralta – http://tudoparaminhacuba.wordpress.com/2012/06/18/o-imperio-dos-drones-1/
- O império dos drones – II – Rui Peralta –
- O império dos drones – III – Rui Peralta – http://paginaglobal.blogspot.pt/2012/07/o-imperio-dos-drones-3.html
 
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