José Alberto Quaresma – Expresso, opinião, em Blogues
O medo ensopa o país. Dissemina-se de mansinho por todo o lado como a peste. Penetra nas escolas, nas famílias. E nas repartições, esquadras, quartéis, empresas, mercados, câmaras, tribunais. Não há quarentena que o valha.
O medo espalha o medo. Nos infantários, escolas primárias, escolas de 2º e 3º ciclo, escolas secundárias, universidades. O medo manda dezenas de milhar de professores para casa com medo. E os que estão na escola a medo ficam. Foçam em papelada transidos de medo. Na aula frente aos alunos sorriem a medo. Os alunos vêem o baço brilho do medo nos olhos docentes. Os alunos brincam, estudam, distraem-se. Mas pressentem a ameaça. O medo já vive dentro deles.
O medo mandou transformar novas oportunidades em velhíssimas inoportunidades. Mascara com as defuntas novas oportunidades a diminuição de alunos para justificar o despedimento de professores. O medo manda atulhar os alunos em contentores que fazem lembrar as salas de aula do passado recente. O medo manda milhares de alunos para a rua da universidade porque não podem pagar as propinas e passam fome. E têm medo porque lhes estão a saquear o futuro.
O medo de hoje nasceu na rua de S. Caetano à Lapa e no Largo do Caldas de forma legítima directamente vertido das urnas abertas. O medo mentiu sem vergonha para entrar com pompa no Palácio de S. Bento. Subiu decidido à rua Gomes Teixeira. Propagou-se pelo Terreiro do Paço. Chegou ao Palácio Ratton e ao Palácio de Belém.O medo faz medo com o medo que tem do FMI, do Banco Central Europeu, da Comissão Europeia.
E agora o medo tem medo da rua. Encapsula-se com medo a sete chaves em recintos fechados por muros de polícias. No Aquashow, em Quarteira, no fim das férias. Na fortaleza da Gomes Teixeira.
O medo tem medo de ir à RTP explicar-se a medo. Medo dos trabalhadores e da populaça que possa vociferar na Gomes da Costa. O medo chama a parafernália de carros de exteriores, parabólicas, técnicos, para uma transmissão televisiva em directo do seu bunker. O medo por ter medo não tem pudor em esbanjar assim dinheiros públicos.
O medo manda um ministro de Estado, agora silencioso e outrora palavroso e que não admitia mais austeridade, cancelar à última hora a sua presença na homenagem a um antigo presidente do Brasil, apesar de lá ter regressado há pouco de um passeio oficial. E manda o inefável desmemoriado ministro da 5 de Outubro substitui-lo.
E o medo tem medo de apear a segunda figura do governo que comprou um canudo nos salvados da feira da ladra em que uma universidade por onde passou furtivo se transformou.
O medo atingiu quem pode porque amanhã tem medo de não poder. O medo finge não ter medo de espoliar reformados e trabalhadores por conta de outrem para meter no bolso da administração de empresas grandes o dinheiro que será seu e que fará dele tudo o que entender menos criar emprego porque as pessoas com medo fazem dieta espartana e não consomem mais do que aconchegos de estômago.
As pequenas empresas agonizam e fecham as portas. E a calçada frente ao Instituto de Emprego peja-se de gente que a medo vai mendigar ao Estado o subsídio que tarde e a medo chega.
O medo manda para a emigração gente qualificada com medo e necessidade de sobreviver, como outrora mandava muito querido jovem compatriota dar o salto para um qualquer bidonville de Paris a preencher o buraco na barriga ou para fugir dos buracos que as balas, minas e armadilhas em África podiam abrir nos camuflados.
O medo finge não ter medo da raiva em que o medo se pode metamorfosear. Em palavras obscenas de angústia, em bandeiras negras de cólera, em ovos que falham o alvo. Ou, esperemos que nunca, em balas como as que mataram o penúltimo rei ou o quarto presidente da República, o ditador Sidónio.
O medo pode levar a perder o medo. E o medo perdido incendeia cabeças perdidas. E as cabeças perdidas, em solitário ou em bandos radicais, metem mesmo muito medo.
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