terça-feira, 2 de outubro de 2012

ANGOLA: NO RESCALDO DAS ELEIÇÕES GERAIS DE 2012




MAURÍLIO LUIELELE – MAKA ANGOLA – 28 setembro 2012

Caiu o pano sobre o processo eleitoral. Ainda não foi desta que assistimos a um processo isento e, por isso, mais uma vez, os resultados foram questionados. Nestas eleições a contestação chegou ao Tribunal Constitucional (TC) o que revela a opção irreversível pela democracia, único caminho para a coabitação harmoniosa na diversidade política e sociocultural que caracteriza Angola.

O golpe desferido desta vez contra a democracia foi simples, mas, contundente: por manipulação do Ficheiro Informático Central do Registo Eleitoral (FICRE) milhões de angolanos foram impedidos de votar, o que significa que, por omissão ou dolo, foi violado o direito de sufrágio consagrado pela Constituição da República de Angola (CRA). Parece-me ser esse o fulcro do diferendo que eclodiu destas eleições e é sobre ele que recai a reflexão aqui debitada.

Com efeito, muitos eleitores não puderam votar porque foram remetidos para assembleias longínquas, nalguns casos fora do círculo eleitoral onde se registaram, mesmo tendo feito a actualização do seu recenseamento. Tudo indica que isto resultou de acção premeditada, e parece não haver dúvidas quanto à responsabilidade das entidades encarregues do registo que, ao descumprirem os prazos legais para a divulgação dos cadernos eleitorais, impossibilitaram a sua consulta antecipada pelos eleitores para as devidas reclamações e correcções.

No acórdão do TC no 226/2012 sobressai a estratégia deste em desvalorizar as alegações da UNITA e acatar como verdade absoluta o contraponto da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), escapando, portanto, ao princípio elementar de justiça, assente no equilíbrio. Alegando que “o Recurso de Contencioso Eleitoral é um processo especial e célere para o qual a Lei Orgânica sobre Eleições Gerais (LOEG) estabelece regras gerais especiais em matéria de prova”, o Tribunal recusou-se a conhecer os “elementos de prova” apresentados pela UNITA por terem sido introduzidos depois do requerimento de recurso.

Na sua declaração de voto (vencido) a juíza conselheira Maria da Imaculada Melo sustenta que o TC “acabou por desvalorizar completamente o questionamento que se impunha sobre as questões constitucionais e ligadas aos direitos fundamentais”. Defendendo que “prosseguindo a justiça constitucional um interesse público, o conceito de partes surge para facilitar a construção jurídica”, a juíza Melo considera que “o tribunal deveria aceitar tais provas e analisar [as alegações]”.

O que está em causa, afinal, são os direitos fundamentais, particularmente o direito de eleger, que em democracia, figura como o direito político por excelência e, por isso, como assinala a juíza, “deve contar com a garantia e o controlo da constitucionalidade dos actos que lhe são inerentes por parte do Tribunal Constitucional”. Melo lembra que “os direitos políticos fundamentais só devem ser restringidos se os poderes que os restringem demonstrarem a prevalência do bem ”. Ora, a restrição neste caso, decorre do incumprimento por parte da CNE do prazo para a afixação das cópias dos cadernos de registo eleitoral nas sedes das entidades registadoras, o que nos termos do Art. 46o da Lei sobre o Registo Eleitoral (LRE), deveria ocorrer entre o 15º e 30º dia posteriores ao termo do registo eleitoral. O acordão do TC em nenhum momento assume que a CNE não cumpriu com os prazos legais estabelecidos.

Ao desperdiçar a oportunidade de reflectir sobre a actuação da CNE, o TC preocupou-se mais em protegê-la das alegações de irregularidade do que em salvaguardar a constitucionalidade do processo eleitoral. Assim, perdeu uma oportunidade ímpar de colocar alguns tijolos mais no edifício democrático que queremos construir, enfraquecendo o processo ao invés de consolidá-lo.

As razões para que o TC elegesse este caminho, mais fácil por sinal, conhecemo-las todos: há uma densa colagem das instituições públicas ao partido no poder que mina a sua imparcialidade e fere de morte o princípio da igualdade, tão claramente defendido pela CRA. A prevalecer esta situação, dificilmente teremos eleições verdadeiramente justas e, com isso, será muito difícil fazer vingar em Angola as virtudes do Estado democrático de direito.

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