Paulo Ferreira - Jornal de Notícias,
publicado ontem, em opinião
O presidente da
Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e cardeal patriarca de Lisboa, José
Policarpo, disse em Fátima que as manifestações e o povo a governar a partir da
rua resultam na "corrosão da harmonia democrática" em Portugal.
Ora, ontem voltou a
ser dia de protestos um pouco por todo o país: protestaram os artistas,
protestou a CGTP contra o desemprego, protestaram os farmacêuticos, protestaram
os Indignados. Protestaram todos contra a austeridade, porque não estão
dispostos a comer, uma atrás da outra e todas em doses cavalares, medidas de
austeridade e a simplesmente calar.
É um direito que
assiste a quem trocou o remanso do lar por um dia de protesto. Não é que D.
José Policarpo lhes negue esse direito, mas, do alto da sua autoridade, o
presidente da CEP acha que é tudo uma perda de tempo.
"Até que ponto
construímos saúde democrática com a rua a dizer como se deve governar?",
questiona-se ele. "Não se resolve nada contestando, indo para grandes
manifestações", julga ele. "Uma democracia, que se define
constitucionalmente como democracia representativa, na qual as soluções
alternativas têm um lugar próprio para serem apresentadas, neste momento, está
na rua", sentencia ele.
Dá a impressão que
o presidente da CEP acaba de chegar de Marte, não dá? Se bem entendo, D. José
Policarpo prefere que as soluçõe sejam encontradas pelos eleitos. Eu também.
Sucede que os eleitos para governar enganaram os eleitores. Sucede também que
os mesmos eleitos para governar dão amiúde perturbadores sinais de
desorientação. Seria um problema deles, não se dese o caso de os eleitores,
sobretudo os mais desfavorecidos, sofrerem na pele as consequências da
incompetência.
Se o objetivo da
Igreja é, como reconhece o patriarca, ajudar os mais desfavorecidos, convém
perguntar: quem é que D. José Policarpo acha que sai à rua em protesto? Os mais
favorecidos? Aquelas que sobrevivem com mais facilidade ao rolo compressor das
medidas de austeridade? Ou, ao invés, são os que veem a vida a esboroar-se,
como areia que escapa por entre os dedos, que reclamam contra o que está?
Um cardeal que não
percebe os motivos que trouxeram um milhão de pessoas para a rua no dia 15 de
setembro, numa manifestação de cidadania que derrubou as famosas mudanças na
taxa social única, é "um cardeal que manifestamente perdeu a capacidade de
ler e entender os sinais enviados pelo povo. A Igreja, de resto, padece desse
mal há muito tempo. A clivagem entre o que é e o que a Igreja acha que deveria
ser é uma das explicações para o constante e crescente afastamento dos fiéis.
Certamente sem o desejar, D. José Policarpo acaba de dar uma ajudinha para que
esse fosso se alargue ainda mais.
Acordai, D. José.
Acordai.
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