Nuno Ramos de
Almeida* – i online, opinião – foto Manuel Vicente
Em Portugal não se
contesta apenas um programa económico que serve muito poucos, nas ruas é a
própria democracia, como a conhecemos, que está em causa
Não vivemos só uma
grave crise económica, atravessamos uma profunda crise política. A democracia
representativa deixou de funcionar. Há muito que os eleitores perceberam em
Portugal que as eleições deixaram de ser escolhas. Os partidos do arco do governo,
vulgo centrão, representam alternâncias de camisola para garantirem a
continuidade dos negócios de um capitalismo que cresceu à custa do
contribuinte. Os grandes lucros são dos accionistas, os enormes prejuízos são
amavelmente distribuídos pelos cidadãos.
O actual programa
do PSD, CDS e da direcção do PS é o mesmo e chama-se: Memorando da troika.
É simbólico que no
meio da maior crise existente a única proposta do líder do chamado “maior
partido da oposição” seja diminuir o número de deputados. Como se a garantia de
uma economia justa passasse por ter um parlamento só com representantes do PS e
do PSD. Esta iniciativa tem um objectivo claro: calar administrativamente as
vozes que se opõem no parlamento a este caminho de catástrofe.
Vivemos um tempo de
revolta; as manifestações do 15 de Setembro demonstram que as pessoas se
aperceberam de que as políticas do governo, ditadas por Berlim, não passam de
uma forma de suicídio assistido. Qualquer pessoa que não esteja cega pelos
óculos do neoliberalismo sabe que este plano significa o empobrecimento de
muitos e grandes lucros para muito poucos.
A escolha está em
aceitar a miséria para muitas gerações ou recusar este caminho.
A grande dúvida é
se a democracia conseguirá funcionar de modo a expressar este descontentamento
e permitir que a revolta se transforme em alternativa.
Para muitas pessoas
o que está a falhar não são só os governos do bloco central mas a própria
democracia. As acusações aos políticos em geral, os argumentos populistas são a
prova de que muitos não vêem a diferença de responsabilidades. Se percebem que
os governos portugueses foram maus para a população e bons para os amigos, não
conseguem acreditar que PCP e Bloco de Esquerda podem ser o veículo de uma
alternativa política e de poder. E provavelmente têm razão. Este governo deve
ser demitido, o povo tem de ser chamado a decidir o seu futuro, mas PCP e Bloco
de Esquerda são demasiado pequenos para ambicionar ser governo.
É preciso construir
uma alternativa que possa ir a votos para ganhar. Só uma força que junte
independentes contra a troika, comunistas e bloquistas pode triunfar. Há um longo
caminho a percorrer para conseguir este cenário e muito pouco tempo para o
fazer. Se ele não existir, a democracia tal como a conhecemos não vai expressar
o simples facto de a população portuguesa estar contra o Memorando da troika.
O pensador francês
Rancière divide a política em duas categorias: “polícia” quando se limita a
administrar aquilo que existe e “política” quando aqueles que não têm voz tomam
a palavra e empreendem acções num sentido de se conseguir uma maior igualdade.
É preciso pois uma
política que dê voz à maioria dos portugueses e isso exige não só um outro
governo, mas uma democracia muito diferente.
* Editor-executivo
Escreve à
terça-feira
1 comentário:
ATENTEM NOS EXEMPLOS DA VENEZUELA, DA ALBA, DO MERCOSUR E DA UNASUR!!!
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