Diário de Notícias, editorial
Num passado bem
recente, e bem vivo na memória dos portugueses, havia dois partidos
parlamentares na oposição que disputavam a defesa de uma espoliada classe
média, abandonada à sua triste sorte pela voracidade fiscal dos socialistas. O
PSD gostava que o designassem por "o partido da classe média",
enquanto o CDS não perdia uma oportunidade para reivindicar o estatuto de
"partido dos contribuintes".
Apanhados no
vórtice destruidor da redução da despesa interna-recessão-quebra da
receita-subida da despesa social do Estado, ambos os partidos, agora ao leme da
governação, chegaram à conclusão de que a coisa não ia lá, rapidamente e em
força, através do tão badalado corte das gorduras do Estado. A execução
orçamental em 2012 ainda há de fornecer aos contribuintes novas surpresas até
ao fim do ano e elas representam quase sempre o anúncio de mais apertos.
Chegados ao beco
sem saída de incumprir as metas orçamentais da troika, ou fazer o contrário do
prometido em campanha, PSD e CDS, perante a fúria de boa parte da sua base de
apoio, vêm procurando a via da mitigação das dores. Primeiro, lançam ao ar uma
medida de austeridade, em seguida proclamam o propósito de
"modulá-la" e, ao constatarem que nem assim ela se torna mais
"palatável" para os contribuintes, que já se sentem a asfixiar,
prometem "mitigar" o aperto fiscal adicional, com mais cortes na
despesa pública.
E é neste ponto que
se encontra a população em Portugal, a seis dias de conhecer a proposta
governamental de OE 2013. PSD e CDS, nas suas próprias palavras, passaram de
defensores da classe média a partidos mitigadores das suas crescentes dores.
Peditório em
Espanha
A Cruz Vermelha
espanhola realiza hoje um peditório nacional para a ajuda imediata a mais de
300 mil pessoas em situação de carência, devido à crise económica. É a primeira
vez que a Cruz Vermelha faz um peditório desta natureza no país vizinho, onde
25% estão sem trabalho e cerca de 1,7 milhões de famílias têm no desemprego
todos os seus elementos em idade ativa.
A dimensão
estatística dos números camufla, por vezes, o impacto das situações de pobreza
que a crise está a disseminar nos cidadãos dos países mais afetados, da Grécia
à Espanha e a Portugal. Um impacto que os decisores políticos não deveriam
esquecer em paralelo com o Artigo 23.º da Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Nele se consagra o "direito ao trabalho (...) e à proteção contra
o desemprego" no seu n.º 1, para no n.º 3 se estabelecer o "direito a
uma remuneração equitativa e satisfatória", que permita a todos e a cada
um "uma existência conforme com a dignidade humana".
Estes princípios
simples e diretos, supostos servirem de referência a todas as sociedades
humanas, parecem esquecidos hoje na procura das soluções financeiras para a
crise. São evidentes e necessários os limites à despesa pública e ao peso do
défice numa economia nacional; e há um plano de responsabilidade das sociedades
- e seus dirigentes políticos - perante os comportamentos e as opções que
conduziram à presente crise. Além desta, há um outro nível de responsabilidade,
anterior a todos os outros: as decisões políticas são tomadas para as pessoas.
Quando este princípio não é respeitado - a crise deixa de ser económica e
torna-se geral. O empobrecimento é um dos seus primeiros sinais; outros, mais
graves, podem seguir-se.
Sem comentários:
Enviar um comentário