Respekt,
Praga – Presseurop – imagem Kopelnitsky
Quer seja através
do orçamento, da política ou da solidariedade financeira, a ideia de uma maior
integração da UE está na moda. Mas qual seria a forma definitiva desta União
mais federal? Ninguém sabe ao certo e é este o problema.
No passado mês de
janeiro, no Fórum Económico de Davos, Angela Merkel ousou falar timidamente do
federalismo. Nessa altura o seu discurso não suscitou grandes reações. Seis
meses depois, são muitas as propostas relativas a uma União Europeia Federal.
José Manuel Durão Barroso, o presidente da Comissão Europeia, assim como alguns
ministros europeus dos Negócios Estrangeiros passaram desde então a apelar a
uma federação de Estados-nações.
Se a lista dos
“federalistas” aumenta (uma evolução saudada pelo Respekt), não significa que
todos concordam sobre o que é uma federação. Um facto alarmante, o que
sobressai dos debates atuais sobre o futuro da Europa é que muitos responsáveis
políticos ignoram por completo o significado dos conceitos institucionais. Por
consequência, existe hoje um verdadeiro caos verbal.
Surgem
constantemente novos conceitos, cujo sentido só aparece mais tarde: união
bancária, união de transferência, união política, união orçamental, etc. Uns
falam de centralismo reforçado, outros de integração, alguns de uniformização
das regras, enquanto outros alertam para os perigos de um super-Estado. No
entanto, teríamos dificuldades em encontrar num dicionário essas palavras e
expressões, para as quais só começamos agora a procurar uma definição.
No Canadá, nos
Estados Unidos e na Alemanha, as pessoas sabem perfeitamente o que é uma
federação e o federalismo, porque vivem numa federação. Daí poder parecer muito
paradoxal o facto de os alemães não conseguirem imaginar completamente um nível
[federal] europeu e não aderirem à ideia de serem uma federação numa federação
(o princípio das matrioscas).
É característico
dos franceses não poderem, salvo raras exceções, de forma alguma considerar o
federalismo, que associam ao centralismo. E por fim, para os britânicos, o
federalismo é o símbolo de uma descentralização assimétrica (existe um
parlamento na Escócia e no País de Gales, mas nenhum na Inglaterra).
O que seria
impensável nos Estados Unidos
O orçamento comum
da União Europeia representa apenas um por cento do PIB europeu. E precisava de
ser reduzido ainda mais (para 0,8%), mas a UE já se comprometeu tanto em
algumas das suas orientações centralizadoras, que tal evolução seria impensável
na Federação bem real que são os Estados Unidos da América. Caso um dia uma
decisão emitida por um órgão central viesse a obrigar os Estados americanos a
aprovar, através de um simples corta e cola, uma constituição financeira e
criação de um comité orçamental (por outras palavras, alterar a sua própria
constituição), a submeter a Washington o seu orçamento para ser aprovado –
antes mesmo de estes o adotarem – e apresentá-lo novamente para ser controlado
(um dos princípios do pacto orçamental europeu), assistiríamos a contestações
violentas e à implosão da federação americana.
Por outro lado, a
criação de uma federação é um longo processo que, segundo os especialistas, só
foi verdadeiramente alcançado nos Estados Unidos a partir dos anos 1930 (do
século passado), quando foi instituído um sistema de garantia federal dos
depósitos bancários. Convém salientar que a zona euro está cada vez mais
próxima de uma garantia comum dos depósitos bancários (um dos elementos que
define uma federação) e faz também grandes progressos noutros dossiês
relacionados com a união bancária. De qualquer forma uma coisa é certa, a zona
euro só poderá resolver a crise com um orçamento e impostos comuns. Seria
prudente da nossa parte, enquanto checos, compreender perfeitamente que isso
significaria para nós ficar fora de uma federação europeia, caso se decida
realmente criá-la.
O que marcou a
história
Os detratores do
federalismo defendem que a própria ideia de federalismo é ingénua, até mesmo
perigosa, pois não existe uma nação política europeia. O americano é antes de
mais americano e somente depois do Minnesota. O alemão é antes de mais alemão e
somente depois é europeu.
Mas podemos, de
forma “artificial”, favorecer ou acelerar a emergência de uma identidade
europeia. Muitas coisas podem ajudar neste sentido: uma eleição do presidente
europeu por sufrágio universal direto, um instituto da cidadania europeia, um
imposto europeu comum mínimo, etc.
É também de realçar
que a nação política americana se constituiu por etapas (embora por outros
motivos e de forma diferente, em comparação ao caminho que a Europa
provavelmente seguirá). O direito de voto foi primeiramente concedido aos
proprietários, seguidos pelos que pagavam um imposto, cem anos mais tarde às
mulheres e por fim, apenas recentemente, aos afro-americanos. Os americanos
iniciaram o processo de construção com um Ministério das Finanças, os europeus
com um Banco Central.
Os críticos
defendem que todos os projetos políticos, os processos de
integração/desintegração devem ser espontâneos e autênticos, nunca elitistas e
artificiais. Mas a maioria das evoluções importantes que marcaram a história da
Humanidade são resultado da ação de uns que souberam guiar outros.
E o que o amanhã
trará à Europa continua a ser incerto. Esta tanto se pode tornar uma federação,
como se pode desmoronar. Aconteça o que acontecer, é necessária pelo menos uma
coisa antes de se poder considerar a criação de uma federação: que as elites
europeias comecem a deliberar sobre a questão do que é ou não uma federação. As
noções fundamentais desta lição poderiam basear-se no facto do federalismo não
ser uma construção puramente decorativa, mas uma realidade sólida que assenta
num conjunto de valores que são nomeadamente a limitação e o controlo do poder,
o equilíbrio das forças, as garantias e a proteção reforçada – assimétrica –
dos mais pequenos e mais fracos.
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