Filipe Duarte Santos
– Público, opinião
Como explicar a
inacção resultante das negociações das Nações Unidas sobre o clima e em
particular os magros resultados da COP 18 em Doha?
Há todos os anos um
ritual curioso, patético e aparentemente absurdo. Algures numa grande cidade
realiza-se a Conferência das Partes (COP) da Convenção Quadro das Nações Unidas
para as Alterações Climáticas, criada na Cimeira da Terra, realizada no Rio em
1992.
As últimas cidades
beneficiadas pela invasão de uma multidão de delegados nacionais, políticos,
jornalistas, membros de ONG e cientistas foram Copenhaga, Cancun, Durban e, este
ano, Doha, no Qatar, país que tem o recorde das emissões de gases com efeito de
estufa per capita (55 toneladas de CO2 equivalente por ano e por pessoa em
2005).
A COP 15 de
Copenhaga gerou uma grande expectativa e esperança, mas os resultados finais foram
esqueléticos. Desde então o clima nas COP mudou muito, mas o ritual continua
num mundo em acelerada transformação social, financeira e económica.
Mas há outra
transformação no sistema terrestre e em particular num dos seus subsistemas, o
sistema climático, que está também a acelerar. As duas transformações, uma nos
sistemas humanos, outra nos sistemas naturais, estão perigosamente ligadas por
relações de causa e efeito em ambos os sentidos.
Entretanto os
cientistas vão procurando fazer o seu trabalho de análise do sistema climático,
do clima futuro e dos impactos das alterações climáticas antropogénicas nos
vários sectores socioeconómicos e sistemas biofísicos. Recentemente, em
Novembro, foram publicados dois artigos e um relatório que penso serem importantes
para compreender melhor a nossa situação actual e futura.
Comecemos por
aquele que diz respeito ao oceano e às regiões costeiras, onde vive cerca de 40
% da população mundial a menos de 100km do mar, ou seja, cerca de 2900 milhões
de pessoas. O nível médio do mar subiu mais de 20 cm desde os tempos
pré-industriais até 2009. Qual a razão desta subida? A mais importante
actualmente é a dilatação térmica da camada superficial dos oceanos que estão a
aquecer devido ao aumento da temperatura média global da atmosfera. A segunda
razão é o degelo dos glaciares das montanhas e a terceira, a mais preocupante e
mais difícil de estudar, é a fusão dos campos de gelo na Gronelândia e na
Antárctica.
"O nível médio
do mar continuará a subir aceleradamente se não conseguirmos reduzir as
emissões de gases com efeito de estufa."
Esta terceira
componente foi analisada, utilizando novas tecnologias de observação, por 47
cientistas de 26 centros de investigação e publicada na Science em 30 de
Novembro. A conclusão principal é que o degelo das calotes polares entre 1992 e
2011 contribuiu 11,1 mm para a elevação do nível médio do mar, o que
corresponde a cerca de 1/5 da subida total. Actualmente derretem em média num
ano 344 mil milhões de toneladas de gelo, 76% na Gronelândia. O ritmo de fusão
dos campos de gelo polares está a acelerar, sendo actualmente três vezes
superior ao da década de 1990. Isto significa que é cada vez mais provável
termos um aumento do nível médio do mar no fim do século próximo de um metro.
Mas o problema não
fica por 2100! O nível médio do mar continuará a subir aceleradamente se não
conseguirmos reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. Todos estes
avisos são especialmente importantes para Portugal, onde o risco de erosão,
perda de terreno e inundação se irá agravar com a subida acelerada do nível médio
do mar.
O segundo artigo
analisa os efeitos fisiológicos da seca em 226 espécies de árvores em 81 locais
através do globo com diferentes tipos de floresta, envolveu 25 centros de
investigação, e foi publicado na Nature em 21 de Novembro. As árvores de todo o
mundo transportam diariamente milhares de milhões de litros de água do solo
para a atmosfera por meio de um sistema vascular muito complexo e sensível às
condições climáticas. O artigo conclui que a maioria das espécies de árvores
observadas está com o seu sistema hidráulico perto do limite de segurança, o
que as torna muito vulneráveis às situações de seca.
Este resultado é
importante por ser muito provável que a temperatura e as secas aumentem à
escala global com as alterações climáticas. Para as árvores e para o sistema
terrestre as consequências de secas mais prolongadas e temperaturas mais altas
são potencialmente dramáticas. As florestas tenderiam a passar de sumidouros
para emissores de CO2 e as perdas de biodiversidade seriam muito elevadas. Também
neste caso estamos perante um sério aviso para Portugal, dada a vulnerabilidade
das nossas florestas às secas, às temperaturas mais elevadas e aos fogos.
"O
conhecimento existe, os decisores políticos e o público em geral estão melhor
informados e avisados. Como explicar então a inacção?"
O terceiro estudo é
um relatório do Banco Mundial intitulado “Turn down the heat. Why a 4ºC warmer
world must be avoided”, publicado também em Novembro. Com o
actual ritmo de emissões para a atmosfera vamos ultrapassar 2ºC de aumento da
temperatura média global, e chegar próximo dos 4ºC. O relatório faz uma análise
detalhada das consequências desse aumento em vários sectores socioeconómicos e
conclui que os impactos seriam muito gravosos, especialmente para os países
menos desenvolvidos.
O conhecimento
existe, os decisores políticos e o público em geral estão melhor informados e
avisados. Como explicar então a inacção resultante das negociações das Nações
Unidas sobre o clima e em particular os magros resultados da COP 18 em Doha?
Os delegados e os
membros de Governo que participam nas reuniões não desempenham prioritariamente
o papel de evitar uma interferência antropogénica perigosa sobre o sistema
climático, nem de defender as gerações futuras, aquelas que irão sofrer mais as
consequências desastrosas daquela interferência. Defendem em primeiro lugar os
interesses nacionais dos países que representam e que obedecem a preocupações e
agendas de curto prazo, agravadas pela actual crise financeira e económica de
origem ocidental, mas que tende a globalizar-se.
Será necessário
primeiro reconhecer que pertencemos a uma sociedade global sujeita a riscos
globais, na qual a solidariedade activa entre todos deve ser prioritária.
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