quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Clima: OS AVISOS E A INAÇÃO

 

Filipe Duarte Santos – Público, opinião
 
Como explicar a inacção resultante das negociações das Nações Unidas sobre o clima e em particular os magros resultados da COP 18 em Doha?
 
Há todos os anos um ritual curioso, patético e aparentemente absurdo. Algures numa grande cidade realiza-se a Conferência das Partes (COP) da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, criada na Cimeira da Terra, realizada no Rio em 1992.
 
As últimas cidades beneficiadas pela invasão de uma multidão de delegados nacionais, políticos, jornalistas, membros de ONG e cientistas foram Copenhaga, Cancun, Durban e, este ano, Doha, no Qatar, país que tem o recorde das emissões de gases com efeito de estufa per capita (55 toneladas de CO2 equivalente por ano e por pessoa em 2005).
 
A COP 15 de Copenhaga gerou uma grande expectativa e esperança, mas os resultados finais foram esqueléticos. Desde então o clima nas COP mudou muito, mas o ritual continua num mundo em acelerada transformação social, financeira e económica.
 
Mas há outra transformação no sistema terrestre e em particular num dos seus subsistemas, o sistema climático, que está também a acelerar. As duas transformações, uma nos sistemas humanos, outra nos sistemas naturais, estão perigosamente ligadas por relações de causa e efeito em ambos os sentidos.
 
Entretanto os cientistas vão procurando fazer o seu trabalho de análise do sistema climático, do clima futuro e dos impactos das alterações climáticas antropogénicas nos vários sectores socioeconómicos e sistemas biofísicos. Recentemente, em Novembro, foram publicados dois artigos e um relatório que penso serem importantes para compreender melhor a nossa situação actual e futura.
 
Comecemos por aquele que diz respeito ao oceano e às regiões costeiras, onde vive cerca de 40 % da população mundial a menos de 100km do mar, ou seja, cerca de 2900 milhões de pessoas. O nível médio do mar subiu mais de 20 cm desde os tempos pré-industriais até 2009. Qual a razão desta subida? A mais importante actualmente é a dilatação térmica da camada superficial dos oceanos que estão a aquecer devido ao aumento da temperatura média global da atmosfera. A segunda razão é o degelo dos glaciares das montanhas e a terceira, a mais preocupante e mais difícil de estudar, é a fusão dos campos de gelo na Gronelândia e na Antárctica.
 
"O nível médio do mar continuará a subir aceleradamente se não conseguirmos reduzir as emissões de gases com efeito de estufa."
 
Esta terceira componente foi analisada, utilizando novas tecnologias de observação, por 47 cientistas de 26 centros de investigação e publicada na Science em 30 de Novembro. A conclusão principal é que o degelo das calotes polares entre 1992 e 2011 contribuiu 11,1 mm para a elevação do nível médio do mar, o que corresponde a cerca de 1/5 da subida total. Actualmente derretem em média num ano 344 mil milhões de toneladas de gelo, 76% na Gronelândia. O ritmo de fusão dos campos de gelo polares está a acelerar, sendo actualmente três vezes superior ao da década de 1990. Isto significa que é cada vez mais provável termos um aumento do nível médio do mar no fim do século próximo de um metro.
 
Mas o problema não fica por 2100! O nível médio do mar continuará a subir aceleradamente se não conseguirmos reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. Todos estes avisos são especialmente importantes para Portugal, onde o risco de erosão, perda de terreno e inundação se irá agravar com a subida acelerada do nível médio do mar.
 
O segundo artigo analisa os efeitos fisiológicos da seca em 226 espécies de árvores em 81 locais através do globo com diferentes tipos de floresta, envolveu 25 centros de investigação, e foi publicado na Nature em 21 de Novembro. As árvores de todo o mundo transportam diariamente milhares de milhões de litros de água do solo para a atmosfera por meio de um sistema vascular muito complexo e sensível às condições climáticas. O artigo conclui que a maioria das espécies de árvores observadas está com o seu sistema hidráulico perto do limite de segurança, o que as torna muito vulneráveis às situações de seca.
 
Este resultado é importante por ser muito provável que a temperatura e as secas aumentem à escala global com as alterações climáticas. Para as árvores e para o sistema terrestre as consequências de secas mais prolongadas e temperaturas mais altas são potencialmente dramáticas. As florestas tenderiam a passar de sumidouros para emissores de CO2 e as perdas de biodiversidade seriam muito elevadas. Também neste caso estamos perante um sério aviso para Portugal, dada a vulnerabilidade das nossas florestas às secas, às temperaturas mais elevadas e aos fogos.
 
"O conhecimento existe, os decisores políticos e o público em geral estão melhor informados e avisados. Como explicar então a inacção?"
 
O terceiro estudo é um relatório do Banco Mundial intitulado “Turn down the heat. Why a 4ºC warmer world must be avoided”, publicado também em Novembro. Com o actual ritmo de emissões para a atmosfera vamos ultrapassar 2ºC de aumento da temperatura média global, e chegar próximo dos 4ºC. O relatório faz uma análise detalhada das consequências desse aumento em vários sectores socioeconómicos e conclui que os impactos seriam muito gravosos, especialmente para os países menos desenvolvidos.
 
O conhecimento existe, os decisores políticos e o público em geral estão melhor informados e avisados. Como explicar então a inacção resultante das negociações das Nações Unidas sobre o clima e em particular os magros resultados da COP 18 em Doha?
 
Os delegados e os membros de Governo que participam nas reuniões não desempenham prioritariamente o papel de evitar uma interferência antropogénica perigosa sobre o sistema climático, nem de defender as gerações futuras, aquelas que irão sofrer mais as consequências desastrosas daquela interferência. Defendem em primeiro lugar os interesses nacionais dos países que representam e que obedecem a preocupações e agendas de curto prazo, agravadas pela actual crise financeira e económica de origem ocidental, mas que tende a globalizar-se.
 
Será necessário primeiro reconhecer que pertencemos a uma sociedade global sujeita a riscos globais, na qual a solidariedade activa entre todos deve ser prioritária.
 

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