Fernando Peixeiro, da agência Lusa
Bissau, 09 dez
(Lusa) - A ilha de Orango, na Guiné-Bissau, tem hipopótamos únicos no mundo e
que "salvam" vidas. Por causa deles, a ilha tem uma lancha rápida
para levar doentes e escolas e centros de saúde arranjados e a funcionar.
Os hipopótamos de
Orango vivem em água doce e água salgada. Especialistas dizem que há outros
locais no mundo onde estes animais vivem nos dois habitats mas que é só em
Orango, no arquipélago dos Bijagós, que há hipopótamos exclusivamente de água
salgada.
Os hipopótamos
vivem e circulam por várias ilhas, mas é em Orango que se junta a maior
comunidade, ainda que não se saiba ao certo quantos. Mas sabe-se que Orango tem
um hotel onde os lucros revertem para melhorias na ilha, com o envolvimento e
aplauso da comunidade.
Belmiro Lopes é
guia em Orango e diz que no ano passado contaram-se cerca de 200 hipopótamos.
Os hipopótamos
"todo o dia ficam aqui na água doce e à noite vão para a água salgada
porque aqui na água doce há um bicho que se mete na pele. Na água salgada ficam
lá uma ou duas horas, o bicho morre e eles vão comer, depois voltam para a água
doce", conta à Lusa, a escassos metros de algumas dezenas de hipopótamos,
meio escondidos numa lagoa de água doce.
Pierre Campredon,
conselheiro técnico da União Internacional para a Conservação da Natureza
(IUCN), explica à Lusa que os hipopótamos da Guiné-Bissau (hippopotamus
amphibius, nome científico) não são diferentes em termos de espécie (hipopótamo
comum) mas sim em termos ecológicos. A espécie (comum) está na lista vermelha do
IUCN.
"Não fizemos a
análise do património genético mas pensamos que é uma evolução. Porque os
Bijagós, há milhares de anos, era uma zona de delta de dois rios, o arquipélago
era uma zona de água doce e pouco a pouco foi-se tornando marítima, dando tempo
aos hipopótamos para se adaptarem", explica à Lusa.
Hoje, os
hipopótamos dos Bijagós precisam de água doce para beber, mas muitos deles
vivem permanentemente na água salgada, o que os faz únicos no mundo.
"Há dias
estávamos na ilha de Unhocomozinho e vimos chegar um (vindo do mar). As pessoas
fizeram-no fugir e ele foi visto depois na ilha de Unhocomo", conta Pierre
Campredon.
O especialista
confirma que a maior parte dos hipopótamos dos Bijagós está em Orango,
classificada como Parque Nacional, e diz que já existiram noutras ilhas, como
em Formosa, Caravela ou Bubaque, admitindo que em Orango não cheguem aos 200
referidos por Belmiro Lopes.
Segundo Aissa
Regala, coordenadora do Seguimento das Espécies e dos Habitats, do Instituto da
Biodiversidade e das Áreas Protegidas (IBAP) da Guiné-Bissau, em janeiro será
iniciada em Orango uma nova contagem de hipopótamos. A espécie vive também em
rios e lagoas do continente, lembra, acrescentando que na zona de Cacheu
(norte) vão ser vedados campos de arroz por causa dos animais.
Em Orango a
proteção das bolanhas (campos de arroz) com cercas elétricas para evitar a
intrusão dos hipopótamos foi um sucesso e a produção "quase
duplicou", de acordo com Pierre Campredon.
Se é certo, como
lembra Belmiro Lopes, que o hipopótamo é um "animal emblemático", que
surge nas pinturas e nas danças dos Bijagós, se é certo que no ano passado
quase mil pessoas visitaram a ilha para ver os animais, é certo também que
esses mesmos animais destruíam os campos de arroz, provocando a ira das populações.
Mas agora tudo
mudou. Um empresário italiano construiu na ilha o Orango Parque Hotel, que mais
tarde vendeu ao milionário suíço Luc Hoffmann (principal doador do IUCN e sócio
maioritário da farmacêutica Hoffmann-La Roche), que doou à população a
estrutura, gerida desde 2008 pela Fundação CBD-Habitat (espanhola).
"Temos uma
parteira, temos um bote rápido para levar doentes para Bissau, temos escola,
temos jardim-de-infância. Graças a este bicho, a ilha está a
desenvolver-se", diz Belmiro Lopes apontando os hipopótamos.
Só o hotel dá
emprego a 21 pessoas. E com o dinheiro do hotel fizeram-se também cercas (um
fio elétrico de baixa tensão alimentado por energia solar) para proteger os
campos de arroz.
A ilha de Orango é
a maior do arquipélago dos Bijagós (Classificado pela UNESCO como reserva
ecológica da Biosfera) mas tem apenas 2.500 habitantes, com a responsabilidade
de preservar o Parque.
Tomé Mereck,
coordenador da CBD-Habitat em Bissau, explica que através do hotel se fez a
ligação a todas as tabancas (aldeias) e que os lucros são para benefício de
toda a ilha.
"Todo o
ingresso no hotel vai para o bem-estar da população, para manutenção das
escolas, para as unidades de saúde base, para abrir poços de água, para apoiar
e seguir espécies, para vedação de bolanhas, para pagar a enfermeiros",
diz à Lusa, acrescentando que a CBD-Habitat está também a vedar campos de arroz
no continente.
Por tudo isto, a
relação homem-animal em Orango está pacificada. Na ilha protegem-se os
crocodilos, as gazelas, os macacos, as lontras e as aves. E os hipopótamos,
esses quase sagrados.
Belmiro Lopes
admite-o quando conta a história, para ele real, de um homem que feriu um
hipopótamo na boca e que o filho desse homem, quando nasceu, tinha nos lábios
uma ferida igual à que o pai fizera no hipopótamo.
FP // VM.
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