O tratamento
repressivo aplicado a Bradley Manning (foto), soldado que divulgou documentos
secretos do governo dos Estados Unidos e que está preso em condições desumanas,
é uma das desgraças do primeiro mandato de Obama e demostra muitas das
dinâmicas que estão moldando sua presidência. O artigo é do advogado
norte-americano Glenn Greenwald, articulista do jornal britânico The Guardian
Glenn Greenwald –
The Guardian – Carta Maior
Os Estados Unidos
não fazem nada para castigar os culpados dos crimes de guerra e fraude do Wall
Street, no entanto se dedicam a demonizar quem os denuncia.
Durante o último ano e meio, todo o tempo em que Bradley Manning passou em uma
prisão militar, muitas coisas foram ditas sobre ele, mas não o ouvimos dizer
nada. Isso mudou apenas no final de dezembro, quando o soldado do exército
estadunidense de 23 anos de idade, acusado de vazar documentos secretos ao
Wikileaks, testemunhou sobre as condições de sua prisão na corte marcial, que
abriu um processo contra ele.
Há algum tempo, podemos saber das medidas opressivas, que beiram à tortura,
inclusive o prolongado confinamento na solitária e a nudez forçosa. Uma
investigação formal, as Nações Unidas denunciaram essas condições ao
considerá-las "cruéis e desumanas". O porta-voz do Departamento de
Estado do presidente Obama, o coronel aposentado da força aérea PJ Crowley,
admitiu, depois de condenar publicamente o mau-trato usado com Manning. Um
psicólogo que trabalha nas prisões testemunhou esta semana que as condições em
que mantiveram Manning eram piores do que as de quem se encontrava no corredor
da morte ou em Guantánamo.
Ao escutar a descrição de todos esses abusos, através das próprias palavras do
acusado de vazar informações, sentíamos também como nos demostrava
visceralmente seu horror. Ao informar sobre a investigação, Ed Pilkington, do
The Guardian, citava Manning: "Quando necessitava de papel higiênico,
tinha que ser duro e gritar: "O preso Manning solicita papel
higiênico!". E: "Me autorizavam 20 minutos de sol, acorrentado, a
cada 24 horas". No início da sua prisão, recordava Manning: "Me dei
totalmente por vencido. Pensei que ia morrer nesta jaula para animais de dois
metros e meio por dois metros e meio.
O tratamento repressivo aplicado a Bradley Manning é uma das desgraças do
primeiro mandato de Obama e demostra muitas das dinâmicas que estão moldando
sua presidência. O presidente não só defendeu o tratamento aplicado a Manning,
mas também decretou indevidamente a culpa de Manning, quando em uma entrevista
afirmou "que ele havia desrespeitado a lei".
E o que é pior, Manning não é acusado apenas por revelar informação
confidencial, mas também por ofensa capital de "ajudar o inimigo",
pelo qual poderá ser aplicada a pena de morte (os fiscais militares estão
solicitando "apenas" prisão perpétua). A radical teoria do governo é
que, mesmo que Manning não tivesse esse propósito, a informação pode ter
ajudado a Al Qaeda, uma teoria que rotula basicamente qualquer divulgação de
informação confidencial – por um denunciante ou por um jornal – com traição.
Seja o que for que se pense dos supostos atos de Manning, parece ser o clássico
denunciante. Podia haver vendido a informação a algum governo estrangeiro ou
grupo terrorista. Pelo contrário, arriscou aparentemente sua liberdade para
mostrar essa informação ao mundo porque, segundo alegou quando pensava que ninguém
o escutava, queria desencadear "discussões, debates e reformas no âmbito
mundial".
Comparem este agressivo processo com Manning com os vigorosos esforços da
administração de Obama para proteger os crimes de guerra da era Bush e a fraude
de Wall Street de qualquer forma de responsabilidade jurídica. Nenhum dos
autores desses verdadeiros crimes enfrentou no tribunal alguma ordem de Obama,
uma comparação que reflete as prioridades e valores da Justiça nos Estados
Unidos.
Depois temos o comportamento dos partidários de Obama. Desde que informei pela
primeira vez sobre as condições da prisão de Manning, em dezembro de 2010,
muitos deles não só se animaram com o abuso, como também ridicularizaram
grotescamente as preocupações com o fato. Joy-Ann Reid, uma antiga assessora de
imprensa de Obama e agora colaboradora na rede progressista MSNBC, respondia de
forma sádica ao relatório: "Bradley Manning não tem travesseiro?"
Dessa forma, reproduzia em uma das páginas de internet mais extremistas da
direita, RedState, que da mesma maneira gozava do relatório: "Devolvam o
travesseiro e o cobertor a Bradley Manning".
Como sempre, os jornalistas do establishment “facilitam” para o governo em cada
passo desse caminho. Apesar da pretensão de aparecer como vigilantes, nada mais
provoca o ânimo de alguém que desafia realmente as ações do governo.
Como exemplo dessa mentalidade, temos uma recente entrevista da CNN com o
fundador do Wikileaks, Julian Assange, dirigida por Erin Burnett. Abordaram os
documentos recentemente publicados, que revelam os esforços secretos de
funcionários estadunidenses, pressionando instituições financeiras para
bloquear o financiamento do Wikileaks, uma vez que o grupo publicou os
documentos confidenciais, supostamente filtrados por Manning – uma forma de
castigo extralegal, que deveria preocupar a todo o mundo, especialmente os
jornalistas.
Mas a anfitriã CNN não tinha nenhum interesse nos perigosos atos do seu próprio
governo. Ao contrário, tratou rapidamente de mostrar que Assange condenara as políticas
de imprensa do Equador, um país pequeno que, diferente dos Estados Unidos, não
exerce influência além das suas fronteiras. Para os especialistas da imprensa
vigilante estadunidense, Assange e Manning sãos inimigos a ser desprezados,
porque fizeram o trabalho que a imprensa corporativa estadunidense se nega a
fazer: levar transparência aos atos infames do governo dos Estados Unidos e dos
seus aliados por todo o planeta.
Bradley Manning proporcionou ao mundo vários benefícios vitais. Mas enquanto seu
conselho de guerra chega finalmente à conclusão, que provavelmente será a
imposição de uma longa sentença de prisão, parece que seu maior presente é esta
janela aberta na alma política dos Estados Unidos.
*Glenn Greenwald é um ex-advogado constitucionalista estadunidense, colunista,
blogueiro e escritor. Trabalhou como advogado especializado em direitos civis e
constitucionais antes de se tornar um colaborador do Salon.com, onde se
especializou em análise de temas políticos e jurídicos. Colaborou também com
outros jornais e revistas de informação política como o The New York Times, Los
Angeles Times, The Guardian, The American Conservative, The Nacional Interest e
In These Times. Em agosto de 2012, deixou Salon para colaborar com o The
Guardian.
Tradução para o português: Telesur
Sem comentários:
Enviar um comentário