Verdade (mz)
Eleutério e Rosa
acreditavam que, depois da formação, a sua vida como médicos seria melhor.
Debalde. Nos distritos encontraram mais problemas. Distantes de familiares e
amigos, tentam levar a vida para a frente, mas não é fácil. É duro ser médico
num lugar inóspito.
Quando a fé no
sector da saúde esmorece, como manter a dedicação aos pacientes? “Um médico num
distrito do interior de Cabo Delgado, sem corrente eléctrica e habitação
condigna, sente-se perdido no meio do mato”. Quem se expressa desta maneira é
um jovem médico que sempre viveu no centro da cidade de Maputo e, no final do
curso, teve de se mudar de armas e bagagens para um lugar inóspito.
Eleutério, nome
fictício, recebeu com ânimo a missão de ir para o distrito. Até porque, diz, um
médico não pode escolher o conforto da cidade para cumprir o seu trabalho. Só
que, afirma, isso não significa viver em condições degradantes. “Eu abdiquei da
minha família. Fiz um filho e tive de o deixar em Maputo para ir curar pessoas
no interior do país. Esse esforço tem, no mínimo, de ser respeitado e
valorizado. Aqui acontece o contrário”, explica.
Questionado sobre o
facto de os médicos serem dos funcionários públicos que melhor auferem,
Eleutério responde com uma rajada de questões: “Que dignidade tem um médico que
vive numa cabana? Quem é, na tua óptica, mais importante para o país: o médico
ou o juiz? Quem salva mais vidas?”
“Não tens de
responder”, diz ao mesmo tempo que avança com a resposta: “é o médico, mas é
quem ganha menos e trabalha mais horas. Isso não se justifica e penso que as
pessoas têm de ser remuneradas em função da importância e pertinência do
trabalho que fazem. Aqui acontece completamente o contrário”.
No distrito onde
Eleutério trabalhou, para além do tratamento de doentes, tinha de cuidar de
questões do partido. “Em período de eleições os médicos têm de fazer campanha.
Não nos perguntam se temos escolhas partidárias. O Estado parte da assumpção de
que somos todos da Frelimo. Isso é uma das coisas que, no nosso entender, tem
de mudar”.
Vida em família
A relação amorosa
de Eleutério foi interrompida pela medicina. A distância entre Maputo e Cabo
Delgado foi demasiado penalizante para o amor que mantinha com a mãe do filho.
“O desfecho era previsível pelo facto de sermos jovens. O que dói, no meio da
nossa separação, é o filho. O único elo de ligação que sobrou”.
– Quer
responsabilizar o Estado pela separação? “Não”. Depois de uma pausa continuou:
“a ideia é mostrar do que um jovem tem de abdicar para ser médico. A minha
juventude foi passada a ler livros para me formar. Não é, como se diz, um
sacrifício do Estado, mas dos meus pais. Se o país procura formar médicos é
porque precisa deles e não é justo que lhes trate como lixo”.
O salário é baixo
Efectivamente, um
médico aufere 15 mil meticais de salário base. O Estado acrescenta ao salário
uma espécie de bónus técnico que equivale a 75 porcento desse valor. Ou seja,
mais 11250 meticais. “Também há os 10 porcento de risco”, acrescenta.
“Se o médico
estiver no distrito pode auferir até 35 porcento do salário. Mas isso depende
do local onde se encontra. Há níveis. Eu, por exemplo, estou num distrito do
tipo 1 e ganho esse bónus”.
Rosa
Diferente de
Eleutério, é a vida de Rosa (nome fictício). Não é fácil uma jovem sair de uma
capital provincial para embrenhar por um distrito adentro.
Rosa sente mais dor
do período da formação, o qual classifica de escravatura. “Repare”, diz, “que
até os presos não são obrigados a trabalhar, mas os que são formados numa
instituição pública são submetidos a um regime de quase escravidão”.
“Depois de 7 anos a
estudar quase o dia inteiro, agora trabalhamos quase de graça”, diz.
Sem possibilidade
de contar com o apoio dos pais, a jovem médica não teve outra alternativa e
tentou pedir uma transferência para um lugar com melhores condições. Esperou
meses e meses até que se acostumou ao local. Rosa também reclama do salário e
da carga horária. Diz, sem pejo, que as condições de habitação são degradantes
e concorda com as reivindicações. Aliás, ela está na linha da frente no
distrito onde trabalha.
Instada à
pronunciar-se sobre a pressão, a jovem é clara: “quem venceu a falta de tudo
não se há-de vergar por causa de um administrador e um director do SISE. Ser
médica em Moçambique é muito mais duro do que ser pressionada”.
Como vive e trabalha
No distrito onde
reside e trabalha não há grandes coisas. “É preciso ir á capital provincial
para fazer o rancho mensal. Até para levantar dinheiro tem de ser lá”, lamenta.
No que diz respeito ao trabalho, a médica fez saber que de noite, quando
necessário, trabalha com iluminação improvisada.
“Às vezes é
complicado trabalhar no meio do nada. A população vive em função dos lugares
onde encontra água, sobretudo nos períodos de estiagem. É preciso ir ao
encontro dos doentes. Por outro lado, temos o problema do pessoal da Direcção
Provincial da Saúde que, muitas vezes, quer que os médicos declarem que
determinados lugares foram atingidos pela cólera. Isso dá muito dinheiro por
via de esquemas que ainda não consegui perceber. ”
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