segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Portugal: NÃO SENHOR, NÃO ESTÁ MANDATADO




Ana Sá Lopes – Jornal i, opinião

Os portugueses votaram num homem que dizia coisas radicalmente diferentes

Passos Coelho afirmou ontem estar mandatado para pôr em prática as recomendações do famoso relatório do FMI – que como ficou implícito defende e apoia entusiasticamente. “Então se o governo não tem mandato para reformar as políticas públicas, tem mandato para quê?”, perguntou ontem o primeiro-ministro, enfaticamente, a partir dos Açores, no seu primeiro discurso depois do lançamento da bomba e recolha de respectivos estilhaços. Infelizmente para Passos Coelho, é falso que o governo “esteja mais do que mandatado”. É verdade que Passos Coelho, muito antes de Teixeira dos Santos chamar o FMI, tentou estar mandatado para isto. Esforçou- -se, trabalhou para isso, fez os possíveis para arranjar um mandato que lhe permitisse no futuro fazer implodir o Estado social. No Verão de 2010, pouco tempo depois de ter vencido as eleições internas no PSD, Passos Coelho encarregou uma comissão de fazer uma proposta de revisão constitucional para conduzir o país a um Estado mínimo. A proposta foi feita. Existiu um papel, que foi desancado dentro e fora do PSD.

O que fez o primeiro- -ministro depois de ter o papel na mão – e de ter percebido a sua impopularidade? Escondeu-o. Aquele que era o seu verdadeiro programa eleitoral desapareceu na iminência das eleições. O discurso foi matizado, suavizado e perfumado. Na campanha eleitoral, Passos Coelho travestiu-se num defensor do Estado social e abjurou toda a doutrina expressa no projecto de revisão constitucional e na sua pequenina bíblia produzida antes de se ter tornado presidente do PSD: o livrinho “Mudar”.

Mas depois tudo mudou. Tanto no programa eleitoral como em toda a campanha, Passos Coelho retirou da discussão pública tudo o que pudesse fazer o cidadão sonhar que o futuro primeiro-ministro iria colocar em risco o Estado social. Além de ter prometido não aumentar os impostos, atacou várias vezes a política de austeridade e os “ataques aos alicerces básicos do Estado social” promovidos pelo governo socialista; reclamou que “Portugal não precisa de mais austeridade”; anunciou que não contassem com ele “para mais ataques à classe média” e jurou que não olharia para alguém com rendimento pouco acima dos 1000 euros como se fosse rica. E quanto à ideia, propagada pelo PS, de que o PSD queria liberalizar os despedimentos, Passos desmentiu com vigor. Não, o PSD não está mandatado para nada. Os portugueses votaram num homem que dizia coisas radicalmente diferentes.

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