Ana Sá Lopes –
Jornal i, opinião
Os portugueses
votaram num homem que dizia coisas radicalmente diferentes
Passos Coelho
afirmou ontem estar mandatado para pôr em prática as recomendações do famoso
relatório do FMI – que como ficou implícito defende e apoia entusiasticamente. “Então se o governo não tem mandato para reformar as políticas públicas, tem mandato
para quê?”, perguntou ontem o primeiro-ministro, enfaticamente, a partir dos
Açores, no seu primeiro discurso depois do lançamento da bomba e recolha de
respectivos estilhaços. Infelizmente para Passos Coelho, é falso que o governo
“esteja mais do que mandatado”. É verdade que Passos Coelho, muito antes de
Teixeira dos Santos chamar o FMI, tentou estar mandatado para isto. Esforçou-
-se, trabalhou para isso, fez os possíveis para arranjar um mandato que lhe
permitisse no futuro fazer implodir o Estado social. No Verão de 2010, pouco
tempo depois de ter vencido as eleições internas no PSD, Passos Coelho
encarregou uma comissão de fazer uma proposta de revisão constitucional para
conduzir o país a um Estado mínimo. A proposta foi feita. Existiu um papel, que
foi desancado dentro e fora do PSD.
O que fez o
primeiro- -ministro depois de ter o papel na mão – e de ter percebido a sua
impopularidade? Escondeu-o. Aquele que era o seu verdadeiro programa eleitoral
desapareceu na iminência das eleições. O discurso foi matizado, suavizado e
perfumado. Na campanha eleitoral, Passos Coelho travestiu-se num defensor do
Estado social e abjurou toda a doutrina expressa no projecto de revisão
constitucional e na sua pequenina bíblia produzida antes de se ter tornado presidente
do PSD: o livrinho “Mudar”.
Mas depois tudo
mudou. Tanto no programa eleitoral como em toda a campanha, Passos Coelho
retirou da discussão pública tudo o que pudesse fazer o cidadão sonhar que o
futuro primeiro-ministro iria colocar em risco o Estado social. Além de ter
prometido não aumentar os impostos, atacou várias vezes a política de
austeridade e os “ataques aos alicerces básicos do Estado social” promovidos
pelo governo socialista; reclamou que “Portugal não precisa de mais
austeridade”; anunciou que não contassem com ele “para mais ataques à classe
média” e jurou que não olharia para alguém com rendimento pouco acima dos 1000
euros como se fosse rica. E quanto à ideia, propagada pelo PS, de que o PSD
queria liberalizar os despedimentos, Passos desmentiu com vigor. Não, o PSD não
está mandatado para nada. Os portugueses votaram num homem que dizia coisas
radicalmente diferentes.
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