segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Portugal: POLÍCIAS OU PISTOLEIROS?




António Marinho Pinto – Jornal de Notícias, opinião

Sou dos que acreditaram que a criação de sindicatos nas polícias, mormente nas forças de segurança, iria contribuir para a sua democratização, para a sua modernização, enfim, para a criação de uma cultura de respeito pela dignidade da pessoa humana e dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Sempre acreditei que as liberdades cívicas só existem verdadeiramente nas sociedades onde esteja garantida a segurança de pessoas e bens - a segurança de todos os cidadãos, independentemente do sexo, da raça, do credo político, ideológico ou religioso, da condição social, cultural ou económica, da língua, da nacionalidade e da orientação sexual. Como jornalista e como cidadão, acompanhei e apoiei, desde o seu início, o processo de criação dos sindicatos na PSP, no Corpo da Guarda Prisional e na Polícia Judiciária. Lembro-me bem dos primeiros passos desses processos dados no início dos anos oitenta pelos pioneiros do sindicalismo nas polícias: o comissário Santinhos, da PSP (e as sessões quase clandestinas em alguns restaurantes de Coimbra), o inspetor Roseiro Vicente, da Polícia Judiciária e Bento Vieira, da Guarda Prisional.

Desde muito novo tive a esperança de que a constituição de sindicatos nas forças de segurança iria abri-las à sociedade e à cidadania e, simultaneamente, abrir a própria sociedade às forças de segurança, fazendo com que estas e cada um dos seus membros passassem a ser olhados com respeito e com confiança pelos cidadãos em geral, e não com medo e desconfiança. Lembro-me muito bem de como na minha aldeia, nos finais dos anos cinquenta, todos, adultos e crianças, fugíamos quando alguém anunciava a vinda da Guarda, uma patrulha de dois soldados da GNR (um de cada lado da estrada) que fazia dezenas de quilómetros a pé apenas para se mostrarem e incutirem medo às pessoas.

Hoje, tudo está mudado e, em muitos casos, para pior. E, infelizmente, as forças de segurança não conquistaram o respeito e a confiança dos cidadãos. Durante o dia, os nossos polícias amontoam-se nas esquadras ou então andam nas ruas a exibir-se com arrogância, armados até aos dentes, mais parecendo personagens de filmes de ficção do que agentes de segurança de uma sociedade democrática.

Porém, à noite fogem quase todos, para suas casas, deixando as ruas das nossas vilas e cidades abandonadas aos criminosos. E, pior do que tudo isso, em muitas situações de contacto com suspeitos de crimes as polícias atiram logo a matar com uma leviandade chocante para qualquer consciência minimamente humanista. Em cerca de dez anos, as duas principais forças de segurança - PSP e GNR - já mataram quase quatro dezenas de pessoas, a esmagadora maioria das quais em circunstâncias em que não se justificava o uso de armas de fogo, enquanto em outras ficaram muitas dúvidas sobre essa necessidade. A maioria das mortes ocorreu em situações em que não estava em causa a segurança dos polícias, mas sim quando os suspeitos eram perseguidos. Um miúdo de 14 anos foi morto durante uma perseguição policial, em condições que, segundo testemunhas, mais se aparentam com uma execução a sangue-frio do que com um ato de legítima defesa. Pessoas que não pararam em operações stop foram simplesmente abatidas pela Polícia.

As forças de segurança matam pessoas e imediatamente a seguir aparecem na comunicação social os sindicalistas respetivos a distorcer a verdade dos factos, nomeadamente, eliminando os aspetos incriminadores e realçando ou mesmo inventando circunstâncias atenuantes. Os sindicatos têm servido, sobretudo, para promover a impunidade de quem deveria ser sancionado, para misturar os bons com os maus numa argamassa corporativa que acentua o desprestígio e o sentimento de desproteção da comunidade, bem como para insultar publicamente quem denuncia essas degenerescências.

É preciso que os polícias se convençam de que ninguém se pode sentir verdadeiramente seguro numa sociedade onde as forças de segurança matam com tanta facilidade e com tanta impunidade. É urgente que todos, incluindo os polícias dignos desse nome, se mobilizem para combater a cultura de pistoleiro que tem vindo a disseminar-se no interior das forças de segurança em Portugal.

Sem comentários:

Mais lidas da semana