António Marinho
Pinto – Jornal de Notícias, opinião
Sou dos que
acreditaram que a criação de sindicatos nas polícias, mormente nas forças de
segurança, iria contribuir para a sua democratização, para a sua modernização,
enfim, para a criação de uma cultura de respeito pela dignidade da pessoa
humana e dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Sempre acreditei
que as liberdades cívicas só existem verdadeiramente nas sociedades onde esteja
garantida a segurança de pessoas e bens - a segurança de todos os cidadãos,
independentemente do sexo, da raça, do credo político, ideológico ou religioso,
da condição social, cultural ou económica, da língua, da nacionalidade e da
orientação sexual. Como jornalista e como cidadão, acompanhei e apoiei, desde o
seu início, o processo de criação dos sindicatos na PSP, no Corpo da Guarda
Prisional e na Polícia Judiciária. Lembro-me bem dos primeiros passos desses
processos dados no início dos anos oitenta pelos pioneiros do sindicalismo nas
polícias: o comissário Santinhos, da PSP (e as sessões quase clandestinas em alguns
restaurantes de Coimbra), o inspetor Roseiro Vicente, da Polícia Judiciária e
Bento Vieira, da Guarda Prisional.
Desde muito novo
tive a esperança de que a constituição de sindicatos nas forças de segurança
iria abri-las à sociedade e à cidadania e, simultaneamente, abrir a própria
sociedade às forças de segurança, fazendo com que estas e cada um dos seus
membros passassem a ser olhados com respeito e com confiança pelos cidadãos em
geral, e não com medo e desconfiança. Lembro-me muito bem de como na minha
aldeia, nos finais dos anos cinquenta, todos, adultos e crianças, fugíamos
quando alguém anunciava a vinda da Guarda, uma patrulha de dois soldados da GNR
(um de cada lado da estrada) que fazia dezenas de quilómetros a pé apenas para
se mostrarem e incutirem medo às pessoas.
Hoje, tudo está
mudado e, em muitos casos, para pior. E, infelizmente, as forças de segurança
não conquistaram o respeito e a confiança dos cidadãos. Durante o dia, os
nossos polícias amontoam-se nas esquadras ou então andam nas ruas a exibir-se
com arrogância, armados até aos dentes, mais parecendo personagens de filmes de
ficção do que agentes de segurança de uma sociedade democrática.
Porém, à noite
fogem quase todos, para suas casas, deixando as ruas das nossas vilas e cidades
abandonadas aos criminosos. E, pior do que tudo isso, em muitas situações de
contacto com suspeitos de crimes as polícias atiram logo a matar com uma
leviandade chocante para qualquer consciência minimamente humanista. Em cerca
de dez anos, as duas principais forças de segurança - PSP e GNR - já mataram
quase quatro dezenas de pessoas, a esmagadora maioria das quais em
circunstâncias em que não se justificava o uso de armas de fogo, enquanto em
outras ficaram muitas dúvidas sobre essa necessidade. A maioria das mortes
ocorreu em situações em que não estava em causa a segurança dos polícias, mas
sim quando os suspeitos eram perseguidos. Um miúdo de 14 anos foi morto durante
uma perseguição policial, em condições que, segundo testemunhas, mais se
aparentam com uma execução a sangue-frio do que com um ato de legítima defesa. Pessoas que não pararam em operações stop foram simplesmente abatidas pela
Polícia.
As forças de
segurança matam pessoas e imediatamente a seguir aparecem na comunicação social
os sindicalistas respetivos a distorcer a verdade dos factos, nomeadamente,
eliminando os aspetos incriminadores e realçando ou mesmo inventando
circunstâncias atenuantes. Os sindicatos têm servido, sobretudo, para promover
a impunidade de quem deveria ser sancionado, para misturar os bons com os maus
numa argamassa corporativa que acentua o desprestígio e o sentimento de
desproteção da comunidade, bem como para insultar publicamente quem denuncia
essas degenerescências.
É preciso que os
polícias se convençam de que ninguém se pode sentir verdadeiramente seguro numa
sociedade onde as forças de segurança matam com tanta facilidade e com tanta
impunidade. É urgente que todos, incluindo os polícias dignos desse nome, se
mobilizem para combater a cultura de pistoleiro que tem vindo a disseminar-se
no interior das forças de segurança em Portugal.
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