Salvador da Bahia é
a cidade mais negra do Brasil, país em que vive a maior comunidade de
afro-descendentes do mundo fora de África. Tradições africanas são conservadas
e recriadas nesta cidade do nordeste do Brasil.
Salvador é a
capital do estado da Bahia no Brasil. Descoberta em 1501 a 1 de novembro, a
cidade recebeu o nome de Bahia de todos os Santos, e nessa altura foi um dos
portos mais movimentados do continente Americano. Em 1549, foi ali fundada a
primeira capital do Brasil, na altura colónia portuguesa.
Também foram os
portugueses que trouxeram a escravatura e os escravos africanos à Bahia. No
nordeste do Brasil eles foram forçados a trabalhar nas plantações de açúcar.
Ainda hoje, o Brasil tem a maior população negra fora de África.
Segundo indicadores
do censo de 2010 do mapa da população negra e parda no Brasil, Salvador da
Bahia tinha 743 mil habitantes negros. São Paulo e o Rio de Janeiro, seguiam a
capital baiana como segunda e terceira cidades mais negras do país, com 736 mil
e 727 mil habitantes afro-descendentes.
A cultura baiana,
em Salvador, reflete estes números de tal forma que a cidade é também chamada
de "Roma Negra" ou "Meca da Negritude".
Herança à vista
Andando pelas ruas
dos bairros históricos de Salvador da Bahia, em quase todos os cantos se sente
a presença de África. Não há dia em que não se ouça o som do berimbau e do
tambor na rua, a acompanhar homens e mulheres, jovens e menos jovens a jogar
capoeira nas ruas.
Mas jogar capoeira
não é simplesmente dançar ou praticar uma arte marcial para os turistas verem.
Jogar capoeira na Bahia é, para os seus praticantes, preservar a herança dos
antepassados africanos que viram nessa forma de expressão uma estratégia para
comunicarem entre si e se protegerem física e espiritualmente.
Baiana do Acarajé
Outra das formas de
preservar a herança africana é a gastronomia. As baianas do acarajé, com os
seus trajes brancos e sorriso aberto conquistam a simpatia dos passantes que
também não resistem às iguarias que elas vendem nos seus tabuleiros, como são
chamadas as suas bancas. O abará e o acarajé são as principais especialidades
vendidas pelas baianas. Na língua africana ioruba, falada por povos da África
Ocidental, "akará", quer dizer "bola de fogo" e
"jé", significa comer. "Acarajé" significa, portanto, comer
uma bola de fogo.
O ofício da baiana
é tão marcante na cultura da Bahia que foi declarado, em 2004, Património
Histórico Nacional e desde 26 de Outubro de 2012 Património Cultural Imaterial
da Bahia.
Candomblé - herança religiosa africana
Mas o acarajé da
baiana é também considerado um alimento sagrado. É uma oferenda que se faz aos
orixás, as divindades do Candomblé. O Candomblé é uma religião de raízes
africanas que não se encontra em África na mesma forma que no Brasil. Os
historiadores dizem que o especial do candomblé é que reúne divindades, ou
orixás, de diversas regiões africanas num único culto.
Por isso, o
Candomblé no Brasil tem divindades de vários cultos: principalmente dos povos
da etnia ioruba, que se encontram no Benin, Togo, Camarões, e Nigéria, e dos
povos da etnia bantu, da região de Angola e Congo. As diferentes regiões e os
rituais das cerimónias no candomblé originaram também subdivisões dentro do
Candomblé. Estas divisões se chamam "nações", como Ketu/Ioruba,
Bantu/Angola e Jeje/Fon.
Candomblé e
resistência cultural
Há 19 anos que o
músico brasileiro Mateus Aleluia vive em Angola. Explica que para o
afro-descendente no Brasil, o candomblé "é uma forma de a gente ter a
África da forma como ela era há 500 anos atrás."
Mateus é um dos
músicos que na década de 1970 insistiu em dar protagonismo aos ritmos africanos
na sua música. O seu grupo Tincoãs ficou conhecido por isso. Mas foi em Angola
nos anos 80, quando foi a Luanda para fazer alguns espetáculos que veio a
conhecer uma África mais contemporânea.
E através do
contacto pessoal com África, Mateus Aleluia fez uma análise mais profunda das
estratégias que o africano na diáspora utiliza para se preservar culturalmente.
"Para vocês que são africanos não há necessidade disso porque vocês
caminharam com África. Nós fomos afastados. Se a gente caminhar, temos que
caminhar com a África que os nossos antepassados deixaram porque se não nós
deixamos de ser África."
Segundo o músico, o
candomblé conservou no Brasil uma série de tradições africanas da culinária à
língua: "Foi o candomblé que manteve toda uma linguagem misturada da
África de vários pontos. Foi candomblé que manteve toda uma ervanária vinda de
África. Então, mesmo o afro-descendente que do ponto ritualismo não é do
candomblé, é candomblé do ponto cultural", declara o músico.
Casas africanas na Bahia
Assim como existem
três nações no Candomblé, a Bahia também tem três casas africanas - a Casa de
Angola, a da Nigéria e a do Benin. As casas são centros culturais independentes
da religião do candomblé, mas oferecem informações sobre esses países, através
de exposições permanentes, bibliotecas, palestras ou visitas guiadas, que tanto
enriquecem os conhecimentos dos seus praticantes como da população em geral.
Casa do Benin
A primeira casa
africana, fundada no centro histórico de Salvador, o Pelourinho, foi a casa do
Benin. Localizada ao lado de uma igreja azul, construída por escravos – a
Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, um ícone da africanidade baiana.
O projeto da Casa
do Benin: foi iniciado pelo etnólogo e fotógrafo francês Pierre Verger nos anos
80. "A grande maioria dos baianos, não entende à primeira vista porque a
casa do Benin. Para ser sincero, a maioria dos baianos não sabem nem o que é o
Benin", conta Daniel Melo, o turismólogo que guia as visitas na Casa do
Benin. "Alguns chegam aqui perguntam quem é o Benin, achando que é uma
pessoa. E ai depois que eles têm contacto com a casa é que entendem a relação
histórica que há entre o Benin e a cidade de Salvador."
Segundo Daniel
Melo, a importância do Benin na formação da cultura de Salvador da Bahia até
supera a influência de Portugal: "Seja na cor seja no vocabulário nos
trejeitos, na religião ou na alimentação."
Casa de Angola
A criação da Casa
de Angola causou menos estranheza à população baiana, talvez pela língua
portuguesa que Angola e o Brasil têm em comum. Mas há mais semelhanças, como
lembra Camilo Afonso, o primeiro adido cultural adjunto angolano da
instituição, criada em 2008: "Os instrumentos musicais, como o berimbau, e
a dikanza, que é o reco-reco. Aqui a capoeira, é capoeira de Angola. Eles aqui
recriaram-na mas no cancioneiro deles você encontra Angola, a palavra ginga e
por aí fora."
Os pratos típicos
de Salvador como a moqueca, um caldo de peixe, e o caruru, ligam os dois países
pelo estomago e pela semelhança do vocabulário, diz Camilo Afonso: "Você
vai encontrar aqui moqueca de peixe e caruru, que para nós lá em Angola, é
calulu. Aqui é um caruru feito duma outra forma. Mas no fundo também existe em
Angola ou na África Central."
Casa da Nigéria
Muajeed Oybamiji
Oyewo, diretor da Casa da Nigéria, conta o que alguns visitantes procuram
aprender porque se ensina ioruba na Casa da Nigéria: "A língua da liturgia
do candomblé é o ioruba. Então eles estão sempre ansiosos por aprender. Sempre
que se deparam com uma palavra que não entendem, eles vêm aqui para procurar o significado."
A Bahia de Todos os
Santos deve as suas sonoridades, cores e sabores às culturas africanas. África
chegou ao Brasil no século XVI pela escravatura, mas ficou e criou uma nova
africanidade no nordeste do Brasil.
Autora: Carla
Fernandes Edição: Johannes Beck
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