terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O SOCIAL E O POLÍTICO (3)




Rui Peralta, Luanda

I - Nos actuais cenários da guerra de classes assiste-se a uma alteração qualitativa na linha da frente. As únicas forças extraparlamentares exercitam confrontos que desembocarão numa guerra aberta entre o Capital e grandes movimentos social-políticos. Por um lado as novas formas que o capitalismo pós-industrial globalizado assume, no plano económico, dispensa grandes massas de assalariados, desde os sectores administrativos aos produtivos.

Ao desemprego de longa duração (a mão-de-obra é cada vez mais dispensada no crescimento económico, devido á introdução de uma ultra rentável nova tecnologia de elevada produtividade, nos mais diversos sectores das actividades económicas), característico dos últimos vinte anos, seguir-se-á uma vida de desemprego, onde gerações sucessivas de famílias inteiras nunca irão passar pela experiencia de um emprego, ou ter uma ideia do que é ter uma carreira, uma vida profissional, etc. A esta diminuição substancial da mão-de-obra necessária para os novos processos produtivos pós-industriais, deverão ser acrescentados factores consequentes da nova fase de acumulação, como a proletarização dos técnicos superiores (iniciada pelo assalariamento em massa das profissões liberais, como os advogados e os arquitectos, por exemplo e neste momento já cadenciada nas estruturas universitárias, que são gradualmente transformadas em linhas de montagem, produzindo quadros superiores em grande escala – a face real da democratização do ensino - e centros de formação), as chamadas novas profissões, o aumento exponencial do trabalho precário e as percas de direitos humanos básicos, garantidos no anterior contracto social, como a saúde, a educação e a habitação.

Desta situação näo será de prever outro cenário que não seja a oligarquização das estruturas políticas da sociedade (um fenómeno idêntico ao fascismo no século passado) em que a democracia continuará a ser o regime dominante (porque é o único onde o rejuvenescimento das elites pode ser garantido) mas isenta da participação popular (atente-se na cada vez maior naturalidade com que as elites politicas referem-se aos fenómenos de abstenção e exclusão de voto).

II - O produto final do somatório destes factores (associados a outras infinitas variáveis) impõe a necessidade estratégica de unificar o movimento popular num só braço extraparlamentar, criando um movimento socialista e alternativo articulado em torno de um programa transformador, que näo se corporiza nos sindicatos clássicos e nos actuais modelos de centrais sindicais. É um novo sujeito histórico que está em estruturação e a generalizar-se, já lá vão três décadas. Esta dinâmica reunificadora (que vai voltar a reunir o que nunca deveria ter sido separado) não é mais do que um componente embrionário do novo sujeito social, um sujeito social-politico, portador de uma nova cultura politica.

A negação da divisão sindicatos / partidos questiona a identidade sindical, dominante desde o século XIX, que limita-se aos cenários reivindicativos que não ameacem o Capital e que considera um facto incontornável a sua complementaridade e subordinação aos partidos políticos. A realidade descarta a possibilidade estratégica de acumulação por parte de um pequeno grupo político que durante décadas amplia a sua base social e aumenta a sua representação parlamentar, até chegar um momento (o amanhã que canta e que nunca passou de um canto de desencanto) em que possa disputar o poder ao capital.

Os partidos socialistas, social-democratas, comunistas ou outros de intenção transformadora reformista ou revolucionária, instrumentalizam os sindicatos e movimentos sociais, função que desempenham de forma instrumentalizada pelo Capital. Para serem aceites pela estrutura política da economia capitalista, aceitam as regras do jogo e passam a fazer parte da superestrutura alienante, base do domínio social e cultural da burguesia.

III - Isto não significa a negação dos partidos e dos sindicatos, mas sim negar a santíssima trindade sindicato / partido / parlamento herdada do século XIX e que foi globalmente implementada no século passado. É importante uma reflexão sobre estes organismos, as suas limitações e o papel negativo da sua inter-relação, tal como é importante ser consciente do vasto campo de acção dos inúmeros movimentos que globalmente batalham por melhorar o presente e construir o futuro.

O desenvolvimento de uma força capaz de desafiar o Capital implica unir os diversos movimentos e coordenar as suas acções. Este novo sujeito social-politico mundial, exige a soberania das suas decisões, tomadas livremente e de forma directa, num procedimento democrático horizontal. Os integrantes deste novo sujeito tomam consciência da sua forma colectiva de definir objectivos, tácticas e estratégias e de resolver colectivamente, sem perderem a sua individualidade, os passos a dar. Este é um processo que recusa o sistema das ordens e verdades absolutas dos chefes políticos (aqui não há Grandes e Queridos Lideres, Grande e Amados Timoneiros, nem Papá dos Povos) ou a delegação das decisões em dirigentes esclarecidos.

IV - Antes de terminar gostaria apenas de fazer uma ligeira abordagem a dois movimentos de especial importância: os Occupy nos USA e os Refuseniks em Israel.

Apesar de todas as diferenças existentes entre os dois países, aos mais variados níveis, o factor guerra é um ponto comum. Tanto os norte-americanos, como os israelitas, têm uma prática quotidiana de vivência com a guerra. As incursões imperialistas norte-americanas habituaram os seus cidadãos a viver com essa constante e em Israel, a colonização sionista e a apetência bélica da elite sionista, colocam os cidadãos israelitas num estado permanente de guerra (seja contra o terrorismo, ou contra os vizinhos árabes).

Nos USA assume particular importância a vertente profundamente anticapitalista do movimento Occupy. A principal reivindicação deste movimento não é apenas a guerra (também, mas não somente) mas questões relacionadas com a distribuição da riqueza e da produção social da mesma, para alem de direitos que tradicionalmente estão afastados da cultura social norte-americana, como o direito da habitação, o direito á saúde e á educação publicas, universal e gratuita (este é um conceito quase alienígena na sociedade norte-americana). Saliento ainda o universo etário deste movimento, que é transversal a diversos grupos etários, abrangendo desde as reivindicações da juventude á qualidade de vida exigida pela terceira idade, com a participação de numerosos reformados e pensionistas idosos. Outra característica é o facto de englobar no seu seio as reivindicações estudantis, dos desempregados e dos trabalhadores, num programa comum.

Em Israel o movimento Refuseniks, apresenta características comuns ao Occupy, em termos da grande transversalidade etária e no que respeita ao seu programa reivindicativo (habitação, saúde, educação, redistribuição da riqueza e propriedade social da produção), embora aqui o peso das posições anticolonialistas e de solidariedade para com os palestinianos (este relacionamento ainda não é suficientemente coordenado) e para com os berberes do Negueve (aqui já a coordenação é conseguida e funciona em pleno) sejam uma componente importante deste movimento. Outra característica comum é o factor paz, a objeção de consciência e a recusa de participar na guerra (contra os palestinianos, por parte dos Refuseniks e contra as guerras de ocupação em curso no Afeganistão e Iraque, ou contra as novas estratégias de guerra secreta, por parte do Occupy), para alem das questões relacionadas com o aborto, igualdade de géneros e liberdade sexual.

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