Rui Peralta, Luanda
I - Nos actuais
cenários da guerra de classes assiste-se a uma alteração qualitativa na linha
da frente. As únicas forças extraparlamentares exercitam confrontos que
desembocarão numa guerra aberta entre o Capital e grandes movimentos
social-políticos. Por um lado as novas formas que o capitalismo pós-industrial
globalizado assume, no plano económico, dispensa grandes massas de
assalariados, desde os sectores administrativos aos produtivos.
Ao desemprego de
longa duração (a mão-de-obra é cada vez mais dispensada no crescimento
económico, devido á introdução de uma ultra rentável nova tecnologia de elevada
produtividade, nos mais diversos sectores das actividades económicas),
característico dos últimos vinte anos, seguir-se-á uma vida de desemprego, onde
gerações sucessivas de famílias inteiras nunca irão passar pela experiencia de
um emprego, ou ter uma ideia do que é ter uma carreira, uma vida profissional,
etc. A esta diminuição substancial da mão-de-obra necessária para os novos
processos produtivos pós-industriais, deverão ser acrescentados factores
consequentes da nova fase de acumulação, como a proletarização dos técnicos
superiores (iniciada pelo assalariamento em massa das profissões liberais, como
os advogados e os arquitectos, por exemplo e neste momento já cadenciada nas
estruturas universitárias, que são gradualmente transformadas em linhas de
montagem, produzindo quadros superiores em grande escala – a face real da
democratização do ensino - e centros de formação), as chamadas novas
profissões, o aumento exponencial do trabalho precário e as percas de direitos
humanos básicos, garantidos no anterior contracto social, como a saúde, a
educação e a habitação.
Desta situação näo
será de prever outro cenário que não seja a oligarquização das estruturas
políticas da sociedade (um fenómeno idêntico ao fascismo no século passado) em
que a democracia continuará a ser o regime dominante (porque é o único onde o
rejuvenescimento das elites pode ser garantido) mas isenta da participação
popular (atente-se na cada vez maior naturalidade com que as elites politicas
referem-se aos fenómenos de abstenção e exclusão de voto).
II - O produto
final do somatório destes factores (associados a outras infinitas variáveis)
impõe a necessidade estratégica de unificar o movimento popular num só braço
extraparlamentar, criando um movimento socialista e alternativo articulado em
torno de um programa transformador, que näo se corporiza nos sindicatos
clássicos e nos actuais modelos de centrais sindicais. É um novo sujeito
histórico que está em estruturação e a generalizar-se, já lá vão três décadas.
Esta dinâmica reunificadora (que vai voltar a reunir o que nunca deveria ter
sido separado) não é mais do que um componente embrionário do novo sujeito
social, um sujeito social-politico, portador de uma nova cultura politica.
A negação da
divisão sindicatos / partidos questiona a identidade sindical, dominante desde
o século XIX, que limita-se aos cenários reivindicativos que não ameacem o
Capital e que considera um facto incontornável a sua complementaridade e
subordinação aos partidos políticos. A realidade descarta a possibilidade
estratégica de acumulação por parte de um pequeno grupo político que durante
décadas amplia a sua base social e aumenta a sua representação parlamentar, até
chegar um momento (o amanhã que canta e que nunca passou de um canto de
desencanto) em que possa disputar o poder ao capital.
Os partidos
socialistas, social-democratas, comunistas ou outros de intenção transformadora
reformista ou revolucionária, instrumentalizam os sindicatos e movimentos
sociais, função que desempenham de forma instrumentalizada pelo Capital. Para
serem aceites pela estrutura política da economia capitalista, aceitam as
regras do jogo e passam a fazer parte da superestrutura alienante, base do
domínio social e cultural da burguesia.
III - Isto não
significa a negação dos partidos e dos sindicatos, mas sim negar a santíssima
trindade sindicato / partido / parlamento herdada do século XIX e que foi
globalmente implementada no século passado. É importante uma reflexão sobre
estes organismos, as suas limitações e o papel negativo da sua inter-relação,
tal como é importante ser consciente do vasto campo de acção dos inúmeros
movimentos que globalmente batalham por melhorar o presente e construir o
futuro.
O desenvolvimento
de uma força capaz de desafiar o Capital implica unir os diversos movimentos e
coordenar as suas acções. Este novo sujeito social-politico mundial, exige a
soberania das suas decisões, tomadas livremente e de forma directa, num
procedimento democrático horizontal. Os integrantes deste novo sujeito tomam
consciência da sua forma colectiva de definir objectivos, tácticas e
estratégias e de resolver colectivamente, sem perderem a sua individualidade,
os passos a dar. Este é um processo que recusa o sistema das ordens e verdades
absolutas dos chefes políticos (aqui não há Grandes e Queridos Lideres, Grande
e Amados Timoneiros, nem Papá dos Povos) ou a delegação das decisões em dirigentes
esclarecidos.
IV - Antes de
terminar gostaria apenas de fazer uma ligeira abordagem a dois movimentos de
especial importância: os Occupy nos USA e os Refuseniks em Israel.
Apesar de todas as
diferenças existentes entre os dois países, aos mais variados níveis, o factor
guerra é um ponto comum. Tanto os norte-americanos, como os israelitas, têm uma
prática quotidiana de vivência com a guerra. As incursões imperialistas
norte-americanas habituaram os seus cidadãos a viver com essa constante e em
Israel, a colonização sionista e a apetência bélica da elite sionista, colocam
os cidadãos israelitas num estado permanente de guerra (seja contra o terrorismo,
ou contra os vizinhos árabes).
Nos USA assume
particular importância a vertente profundamente anticapitalista do movimento
Occupy. A principal reivindicação deste movimento não é apenas a guerra
(também, mas não somente) mas questões relacionadas com a distribuição da
riqueza e da produção social da mesma, para alem de direitos que
tradicionalmente estão afastados da cultura social norte-americana, como o
direito da habitação, o direito á saúde e á educação publicas, universal e
gratuita (este é um conceito quase alienígena na sociedade norte-americana).
Saliento ainda o universo etário deste movimento, que é transversal a diversos
grupos etários, abrangendo desde as reivindicações da juventude á qualidade de
vida exigida pela terceira idade, com a participação de numerosos reformados e
pensionistas idosos. Outra característica é o facto de englobar no seu seio as
reivindicações estudantis, dos desempregados e dos trabalhadores, num programa
comum.
Em Israel o
movimento Refuseniks, apresenta características comuns ao Occupy, em termos da
grande transversalidade etária e no que respeita ao seu programa reivindicativo
(habitação, saúde, educação, redistribuição da riqueza e propriedade social da
produção), embora aqui o peso das posições anticolonialistas e de solidariedade
para com os palestinianos (este relacionamento ainda não é suficientemente
coordenado) e para com os berberes do Negueve (aqui já a coordenação é
conseguida e funciona em pleno) sejam uma componente importante deste
movimento. Outra característica comum é o factor paz, a objeção de consciência
e a recusa de participar na guerra (contra os palestinianos, por parte dos
Refuseniks e contra as guerras de ocupação em curso no Afeganistão e Iraque, ou
contra as novas estratégias de guerra secreta, por parte do Occupy), para alem
das questões relacionadas com o aborto, igualdade de géneros e liberdade sexual.
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