UM AMBIENTE
FAVORÁVEL AO SEU DESENCADEAR
Martinho Júnior,
Luanda
1 – A evolução da
situação em África não é um capítulo aparte do quadro de grandes batalhas que
se travam no mundo desde a implosão da União Soviética e do colapso do
socialismo real, batalhas que reflectem as disputas entre a hegemonia e os
estados emergentes que assumem a perspectiva de multi-polarização, particularmente
desde o início do século XXI.
Quer a hegemonia,
quer os emergentes contam com uma difusa nebulosa de alianças entre os estados
mais fracos, mas indubitavelmente que as disputas evoluem a várias mãos num
complexo xadrez geo estratégico.
As riquezas da
Terra, algumas delas tornadas rarefeitas ou cada vez mais escassas, são um dos “atractivos”
que dão consistência sobretudo às políticas de capitalismo neo liberal e à
panóplia de ingerências, manipulações e intervenções, intensificada pela “concorrência”…
África integra o
tabuleiro geo estratégico cujas jogadas mais fortes, pelo menos sob o ponto de
vista de conflitos entre serviços de inteligência e militares, ocorrem no
continente Euro-asiático, com tónica principal, de há dois anos a esta parte, na
Síria, após o “ensaio” que constituiu o assalto à Líbia e a neutralização do
regime de Kadafi.
Apesar da sua
situação ser análoga à da América Latina, África está contudo muito mais
vulnerável às contingências geo estratégicas globais, em resultado do estado
crónico de subdesenvolvimento a que historicamente tem sido votada.
2 – O “ensaio” da
Líbia possibilitou à hegemonia, entre várias outras oportunidades, testar “reciclagens”
de grupos radicais islâmicos conotados com a Al Qaeda, enquanto fortalecia os
laços com as monarquias arábicas detentoras do grosso da produção do petróleo e
do gás baratos, bem como de colossais reservas de petro dólares.
A “reciclagem” na
Líbia do Grupo Combatente Islâmico da Líbia (“Libyan Islamic Fighting Group”),
deu oportunidade à “reciclagem” na Síria dos extremistas takfiri, da frente
Jabhat Al-Nusra e do Exército Sírio Livre, impulsionados por aliados como a
Arábia Saudita, o Qatar e os Emiratos Árabes Unidos entre outros.
Tudo terá corrido
relativamente de acordo com os “padrões ocidentais” até ao assassinato do
Embaixador norte-americano na Líbia, Christopher Stevens, a 11 de Setembro de
2012.
Um caso “mal
parado” de encaminhamento de armas líbias provenientes do despojo do regime de
Kadafi, terá estado na origem do assassinato: as armas terão ido parar às mãos
de grupos de “inimigos úteis”, ao invés de ir parar às mãos de “amigos úteis”,
algo que na Líbia terá também acontecido em relação a agrupamentos como o Al
Qaeda do Magreb Islâmico (AQMI), o Ansar Dine e o Mujao (que operam pelo menos
no Mali) que tiraram partido da “Irmandade Muçulmana” e ainda do Grupo
Combatente Islâmico da Líbia……
Esse acontecimento
indicia ter começado a causar problemas aos parâmetros da aliança instável
entre os “ocidentais” e as monarquias arábicas, aliança que é tutelada pela
hegemonia, que estará a resultar num relativo “desencanto” entre os interesses
das monarquias arábicas e países como a França, até por que já não é Nicolas
Sarkozy que está no poder!...
3 – A deriva da
situação em África (no Norte de África, Sahel e África do Oeste), em função do
desmantelar do regime de Kadafi na Líbia, proporcionou o potenciamento militar
de grupos de “inimigos úteis”, que muito embora sejam “sem fronteiras”,
transportaram principalmente para o Mali a sua expressão radical armada.
Em redundância do
grupo tuaregue MNLA (Movimento Nacional de Libertação da Azawad), surgiram em
solo maliano grupos como o Ansar Dine (Defensores do Islão), o AQMI e o MUJAO (Movimento
para a unicidade e a jihad na África do Oeste).
Esses grupos
tomaram ao longo de 2012 o território norte do Mali, o Azawad, tirando proveito
da situação de vulnerabilidade e instabilidade sócio-política no Mali que teve
expressão maior num golpe de estado e no abandono do norte por parte das Forças
Armadas do Mali.
O AQMI havia
manifestado a sua presença desde pelo menos 2007, com acções disseminadas por
todo o Sahel: Mauritânia, Mali, Argélia, Níger e Tunísia e um dos seus alvos
dilectos foram os interesses franceses.
Para o AQMI foi a
oportunidade de atrair a atenção dos grupos radicais islâmicos, a fim de melhor
conjugar esforços e realizar acções.
4 – O facto de
François Hollande, mais aberta ou mais discretamente apoiado pelos Estados
Unidos, pela Grã Bretanha, por outros aliados Europeus e parceiros africanos,
se decidir à Operação Serval é um dos reflexos do “desencanto” entre “ocidentais”
dum lado e do outro as monarquias arábicas e os regimes que resultaram da “Primavera
Árabe” no Norte de África.
Foi mesmo assim
preciso a prova do assassinato do Embaixador norte-americano, Christopher
Stevens, na Líbia, para a França decidir-se ao desencadear da Operação Serval,
apesar dos dados acumulados pelos seus serviços de inteligência!
A Rússia e a China,
membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU aperceberam-se disso e,
dando prioridade à resolução do conflito na Síria onde os seus interesses geo
estratégicos são mais evidentes, não vetaram a iniciativa francesa (tal como
não haviam vetado a intervenção sobre a Líbia), pelo que a Rússia não colocou
até obstáculos ao emprego de transportes como os Antonov AN-124 da Volga-Dnepr
Airlines e da 224ª Brigada Volante, a fim de contribuir para a deslocação de
tropas, equipamentos e demais logística francesa rapidamente para Bamako.
Os Antonov AN-124
serviram agora para o transporte de helicópteros de ataque Cougar…
Já em 1994 no
quadro da Operação Turquoise (Ruanda-RDC), os russos tinham agido de forma
análoga em relação à solicitação de apoio aéreo com grandes unidades de
transporte de longo curso que a França não possui.
5 – A conjuntura e
o ambiente geo político para a decisão da França no sentido de desencadear a
Operação Serval, ficou confirmado a partir do 11 de Setembro de 2012…
Sob o resguardo dos
Estados Unidos da América, que a partir dessa mesma data passaram a ter outro
cuidado nos relacionamentos com os “inimigos úteis” com ligações a interesses
da Arábia Saudita e do Qatar (é preciso lembrar que os Estados Unidos têm como
precedente, por exemplo, o caso do Paquistão), a França teve a sua “luz verde”
e sem obstáculos, com o aplauso dos seus “parceiros” africanos, sobretudo os do
espaço CEDEAO, onde a “FrançAfrique” possui agentes ao mais elevado nível, como
o “histórico” Presidente burkinabe Blaise Campaoré…
São precisamente
esses agentes que a França do governo de François Hollande levam em conta, à
maneira neo colonial do “pré carré” e com isso, arrastaram as frágeis “democracias
representativas” africanas que evitam os riscos “no terreno” de ver seus
territórios abrangidos pelas acções dos grupos radicais islâmicos que se vão
expandindo por toda a África.
Avaliando isso,
quer o MNLA, quer o Ansar Dine recorreram a Blaise Campaoré para a tentativa
prévia de negociações com a França, antes do 11 de Setembro de 2012 e do
desencadear da Operação Serval… escusado será dizer que essa iniciativa estava
votada a um completo fracasso, mas haverão muros entre uns e outros, ou não
haverá a “inteligência” que resolve “behind the scenes”?!
Alguns dos
dirigentes principais do MNLA e dirigentes do Ansar Dine fixaram-se mesmo em
Ouagadougou, a capital burkinabe…
Mapa: Evolução da
Operação Serval a 5 de Fevereiro de 2013, três semanas após o “desembarque”
Francês, de acordo com Wikipedia – http://fr.wikipedia.org/wiki/Op%C3%A9ration_Serval
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