quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

OS CURDOS DA SÍRIA




Rui Peralta, Luanda

I - Para os curdos que habitam na Síria, uma comunidade de dois milhões de pessoas (a principal minoria da Síria, representando cerca de 10% da população), a situação actual do país é dramática. A principal organização política curda na Síria, o Partido de Unidade Democrática (PYD), organização do Partido dos Trabalhadores Curdos (PKK) na Síria, domina grande parte das regiões curdas do norte do país e lembra as autoridades sírias de que o principal inimigo dos curdos não é Damasco, mas sim o regime de Ancara, o que provocou uma situação de relativa neutralidade nas relações entre o PYD e o governo sírio.

Devido a um acordo assinado em 1952 entre as autoridades turcas e sírias, não existiam armas pesadas, nem tropas, numa faixa de 25 quilómetros entre a fronteira turca e síria, sendo a responsabilidade dessa área entregue aos turcos. A presença síria nessa zona limitava-se a forças policiais e dos serviços de inteligência e contrainteligência. Toda esta faixa, hoje, encontra-se sob controlo curdo. O governo sírio sabe que os curdos nunca se irão apoiar nos turcos e por outro lado não quer arriscar a abrir mais uma frente, o que aconteceria se atacasse as milícias curdas, pelo que optou por um processo de negociação com as comunidades curdas.

II - Em Efrin e Kobaneh, regiões curdas no norte da Síria, as Unidades de Protecção Popular Curdas, chegaram a confrontar-se com o exército sírio, mas tanto os comandos militares sírios, como o PYD / PKK, chegaram rapidamente a um acordo, que levou á retirada das autoridades sírias, que entregaram dessa forma, a região fronteiriça ao controlo das milícias curdas. Como contrapartida de segurança para o exército sírio, os curdos concordaram na criação de milícias árabes, controladas por Damasco, nas zonas fronteiriças entre as comunidades curdas com a Síria.

Dessa forma a confrontação entre os curdos e o exército sírio ou as milícias árabes que apoiam Damasco, é evitada. Ambos entendem que a abertura de mais uma frente seria insuportável, tanto para os curdos como para o Damasco e que apenas iria beneficiar os turcos e os yaddistas.

Nas zonas libertadas as milícias curdas, as Unidades de protecção Popular, não derrubam ou ocupam os edifícios oficiais sírios. A sua preocupação é eliminar a presença dos grupos yaddistas, financiados pela Turquia, Arábia Saudita e os estados do golfo: Koweit, Qatar e Emirados Árabes Unidos.

III - A região de Tallddes foi a única excepção a esta regra de relativa neutralidade entre os curdos e Damasco. Em Tallddes, as milícias curdas e as milícias árabes do Partido Comunista dos Trabalhadores Sírios (PCT) e da Coordenadora Democrática para a Mudança Síria, atacaram o exército Sírio, numa acção conjunta, obrigando os sírios a abandonar a região. Curdos e árabes ocuparam a refinaria de Gir Ziro, controlada actualmente por comités conjuntos entre árabes e curdos.

As relações com grupos armados da oposição síria foram iniciados pelo PYD em Julho de 2012, coisa que não agradou á Turquia, pois através dos grupos armados o PYD ficou informado de toda a rede logística turca na região e das formas pelo qual esse apoio logístico é dispensado. Os turcos iniciaram, através de grupos armados por si financiados, uma forte ofensiva nas zonas curdas dominadas pelo PYD / PKK, rechaçada pelos curdos e que lhes abriu portas no interior do Conselho Nacional Sírio (CNS), ou pelo menos em alguns sectores do CNS.

Durante o Verão de 2012 efectuaram-se grandes combates entre os curdos e as milícias salafistas e yaddistas sírias, na cidade de Aleppo. Mas esta cidade tem uma particularidade: Enquanto os combates que opunham o PYD / PKK e as milícias árabes oposicionistas a Damasco decorriam, o exército sírio e as milícias pró-governamentais bombardearam os bairros curdos. Para o PYD / PKK a especificidade de Aleppo é o facto da existência de uma aliança entre Damasco e os salafistas, com o objectivo de escorraçarem os curdos da cidade.

IV - As relações entre o PYD / PKK e as organizações oposicionistas sírias são escassas. As relações com o CNS limitam-se a contactos esporádicos, devido ao peso que a Turquia tem nesta organização. É com a oposição de esquerda que existe um maior contacto, principalmente com o já referido PCT.

Para o PYD a luta deve centrar-se em torno da autogestão comunitária dos curdos na Síria. Lutar por garantias constitucionais sobre os direitos sociais, políticos, económicos e culturais e o direito á autodefesa dos curdos, para que os curdos que residem em Damasco tenham os mesmos direitos dos curdos que residem no norte do país.

Existem dois blocos curdos, para além do PYD / PKK: o Conselho Popular do Curdistão Oeste e o Conselho Nacional Curdo da Síria. As três organizações formaram o Comité Supremo dos Curdos na Síria. Este entendimento foi resultado de prolongadas negociações entre as diversas organizações curdas na Síria.

A comunidade curda na Síria é extremamente pobre, factor que é aproveitado pelo Exercito de Libertação da Síria (financiado pela Turquia, OTAN e pelos estados do golfe) para comprar curdos que combatam nas suas fileiras. Estas e outras questões inerentes aos curdos são factores de apreensão para o PYD / PKK, que desenvolveu células em todos os meios curdos, no sentido de estabelecer uma ampla rede de informação, agitação e propaganda dos seus objectivos, em simultâneo com o desenvolvimento de projectos comunitários nas áreas libertadas, no âmbito da saúde, educação e habitação.

V - A permanência de Bashar al Assad no poder é indiferente para os curdos. O PYD / PKK considera que a guerra em curso na Síria é uma guerra entre bandos armados financiados pelo imperialismo, com a participação directa da Turquia e dos estados do golfe, que tentam estabelecer as suas influências no interior da Síria. Por outro lado os burocratas do BAAS sírio, ao não ouvirem e recusarem-se levar em conta as reivindicações populares frustraram as aspirações das populações sírias e cederam á tentação de transformar a sua enorme camada burocrata em burguesia nacional, o que não agradou nem á burguesia síria (que via com bons olhos as medidas de liberalização económica em curso, mas não a concorrência desleal dos burocratas) nem às grandes camadas proletárias sírias, que sentiam cada vez mais na pele o deslumbramento dos burocratas pelo capitalismo.

Ao lutarem pela garantia da sua autonomia e pelo direito a autogerirem as suas comunidades os curdos estabelecem uma linha de combate aos interesses externos do ocidente, da Turquia e dos estados do golfo na Síria e também aos interesses dos seus agentes no interior. Por outro lado as forças mais progressistas da síria, reconhecem que não existe uma solução autêntica para a Síria sem a resolução da questão curda.

A guerra na Síria tem como objectivo destruir o país, mergulhando-o numa espiral de violência. Nem aos curdos, nem às restantes etnias árabes e muito menos aos sectores mais avançados da sociedade síria esta situação é vantajosa. A busca de consensos entre as camadas proletarizadas da sociedade síria é a única forma de impedir a espiral de violência que o imperialismo pretende para a região.

Uma alternativa que está para alem da OTAN, da Turquia e dos estados do golfo e que se encontra a anos-luz de distancia dos burocratas de Bashar e dos interesses da burguesia nacional síria, eis a barricada que barrará a estrada de Damasco aos que pretendem utiliza-la para chegar a Teerão e aos que pretendem impor a continuação do seu domínio, espezinhando e vivendo do trabalho dos que efectivamente dão importância ao simples facto de ter uma bandeira.

Se calhar porque não têm mais nada…

Sem comentários:

Mais lidas da semana