terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Portugal: DINOSAUROS QUE SÃO LAPAS




Daniel Oliveira – Expresso, opinião

Quando o outro PSD - agora arranjou-se uma forma de desresponsabilizar os partidos, fazendo-os ganhar todas as legislaturas uma nova vida - estava no poder, foi aprovada uma lei para a limitação de mandatos dos presidentes de Câmara. Como três mandatos (12 anos) é coisa pouca, logo surgiu uma nova interpretação da lei: se não dá para concorrer a um município, vai-se a outro. Assim faz o polícia-guionista Moita Flores, que se transfere de Santarém para Oeiras, o animador de congressos Fernando Costa, que viaja das Caldas da Rainha para Loures, o comentador desportivo Fernando Seara, que vai de Sintra para Lisboa, e o aparelho de Passos Coelho, Luís Filipe Menezes, que atravessa o Douro de Gaia para o Porto.

Estas transferências começam por evidenciar a irrelevância que os partidos dão à ligação dos autarcas às populações. O que interessa é o que a concelhia partidária quer e o que se vê na televisão, não o que os munícipes sabem do trabalho autárquico daquela pessoa. E a verdade é que muitas vezes resulta. Para quem acredita que os círculos uninominais garantiriam uma maior aproximação dos deputados aos eleitores aqui está a resposta.

Deu-se ao Tribunal Constitucional a função de interpretar a lei. Isto quando os candidatos já estão no terreno e se sabe que, desta forma, a pressão política sobre os juízes será enorme. Uma tarefa ainda mais espinhosa, já que nem os autores se entendem sobre o sentido da lei que fizeram. O então primeiro-ministro e atual difamado profissional, Pedro Santana Lopes, garante que a lei tinha como único objetivo impedir as recandidaturas à mesma câmara. O autor da lei, Paulo Rangel, garante que essa intenção era impedir a recandidatura a qualquer câmara. Estreia-se assim, na sempre original produção legislativa portuguesa, o preâmbulo a posteriori. Ficando apenas a dúvida: se era para ser de uma forma ou de outra, porque não o escreveram com todas as letras? Os ingénuos pensarão que será incompetência. A mim parece-me que a ideia era mesmo esta: usar a lei como melhor conviesse na altura.

Uma decisão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) criou um problema à interpretação que o PPC (Partido de Passos Coelho) quer dar à lei do PFL (Partido de Ferreira Leite): determinou que Macário Correia perdesse o mandato em Faro por ilegalidades cometidas na Câmara Municipal de Tavira. Ou seja, determinou que o mandato é de Presidente "de" Câmara e não de Presidente "da" Câmara (na lei e na sua regulamentação aparecem as duas expressões que querem, na realidade, dizer coisas diferentes). Apesar da jurisprudência não ter, em Portugal, a relavância que tem nos países anglo-saxónicos, o STA, ao criar uma relação entre os dois mandatos, autorizou a interpretação que Paulo Rangel defende.

A limitação de mandatos dos autarcas é uma arma fundamental de combate ao caciquismo e ao clientelismo. Não são exatamente a mesma coisa. Na interpretação minimalista da lei, o combate ao caciquismo está assegurado. As populações não são as mesmas e por isso um presidente da Câmara não pode usar o cargo e meios públicos para vencer eleições indefinidamente. Pelo contrário, só a interpretação maximalista da lei permite combater o clientelismo. Porque um autarca que passa de Sintra para Lisboa ou de Gaia para o Porto não deixa de ter a mesma clientela para servir. Os mesmos boys, os mesmos empreiteiros, os mesmos financiadores de campanhas.

A rotatividade em cargos executivos é uma regra fundamental da democracia. Não porque haja qualquer certeza de que quem sucede a um governante seja mais sério do que o anterior. Mas porque só a transitoriedade do poder pode garantir o mínimo de transparência e de separação entre os cargos e as pessoas que os ocupam. A leitura maximalista da lei é, por isso, a mais democrática e saudável. Mesmo que não venha a ser essa a interpretação do Tribunal Constitucional, espero que seja a dos eleitores. Concluindo o óbvio: quem, depois de 12, 16 ou 20 anos de vida autárquica teima em concorrer a outra autarquia, já não quer servir as populações, quer servir-se delas.

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