Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
Quando o outro PSD
- agora arranjou-se uma forma de desresponsabilizar os partidos, fazendo-os
ganhar todas as legislaturas uma nova vida - estava no poder, foi aprovada
uma lei para a limitação de mandatos dos presidentes de Câmara. Como três
mandatos (12 anos) é coisa pouca, logo surgiu uma nova interpretação da lei: se
não dá para concorrer a um município, vai-se a outro. Assim faz o
polícia-guionista Moita Flores, que se transfere de Santarém para Oeiras,
o animador de congressos Fernando Costa, que viaja das Caldas da Rainha
para Loures, o comentador desportivo Fernando Seara, que vai de Sintra
para Lisboa, e o aparelho de Passos Coelho, Luís Filipe Menezes, que
atravessa o Douro de Gaia para o Porto.
Estas
transferências começam por evidenciar a irrelevância que os partidos dão à
ligação dos autarcas às populações. O que interessa é o que a concelhia
partidária quer e o que se vê na televisão, não o que os munícipes sabem do
trabalho autárquico daquela pessoa. E a verdade é que muitas vezes resulta.
Para quem acredita que os círculos uninominais garantiriam uma maior
aproximação dos deputados aos eleitores aqui está a resposta.
Deu-se ao Tribunal
Constitucional a função de interpretar a lei. Isto quando os candidatos já
estão no terreno e se sabe que, desta forma, a pressão política sobre os juízes
será enorme. Uma tarefa ainda mais espinhosa, já que nem os autores se entendem
sobre o sentido da lei que fizeram. O então primeiro-ministro e atual difamado
profissional, Pedro Santana Lopes, garante que a lei tinha como único
objetivo impedir as recandidaturas à mesma câmara. O autor da lei, Paulo
Rangel, garante que essa intenção era impedir a recandidatura a qualquer
câmara. Estreia-se assim, na sempre original produção legislativa portuguesa, o
preâmbulo a posteriori. Ficando apenas a dúvida: se era para ser de uma
forma ou de outra, porque não o escreveram com todas as letras? Os ingénuos
pensarão que será incompetência. A mim parece-me que a ideia era mesmo esta: usar
a lei como melhor conviesse na altura.
Uma decisão do Supremo
Tribunal Administrativo (STA) criou um problema à interpretação que o PPC
(Partido de Passos Coelho) quer dar à lei do PFL (Partido de Ferreira Leite): determinou
que Macário Correia perdesse o mandato em Faro por ilegalidades cometidas na
Câmara Municipal de Tavira. Ou seja, determinou que o mandato é de Presidente
"de" Câmara e não de Presidente "da" Câmara (na
lei e na sua regulamentação aparecem as duas expressões que querem, na
realidade, dizer coisas diferentes). Apesar da jurisprudência não ter, em
Portugal, a relavância que tem nos países anglo-saxónicos, o STA, ao criar
uma relação entre os dois mandatos, autorizou a interpretação que Paulo Rangel
defende.
A limitação de mandatos
dos autarcas é uma arma fundamental de combate ao caciquismo e ao clientelismo.
Não são exatamente a mesma coisa. Na interpretação minimalista da lei, o
combate ao caciquismo está assegurado. As populações não são as
mesmas e por isso um presidente da Câmara não pode usar o cargo e meios
públicos para vencer eleições indefinidamente. Pelo contrário, só a interpretação
maximalista da lei permite combater o clientelismo. Porque um autarca
que passa de Sintra para Lisboa ou de Gaia para o Porto não deixa de ter a
mesma clientela para servir. Os mesmos boys, os mesmos empreiteiros, os mesmos
financiadores de campanhas.
A rotatividade em
cargos executivos é uma regra fundamental da democracia. Não porque haja
qualquer certeza de que quem sucede a um governante seja mais sério do que o
anterior. Mas porque só a transitoriedade do poder pode garantir o mínimo
de transparência e de separação entre os cargos e as pessoas que os ocupam. A
leitura maximalista da lei é, por isso, a mais democrática e saudável. Mesmo
que não venha a ser essa a interpretação do Tribunal Constitucional, espero que
seja a dos eleitores. Concluindo o óbvio: quem, depois de 12, 16 ou 20
anos de vida autárquica teima em concorrer a outra autarquia, já não quer
servir as populações, quer servir-se delas.
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