Fernanda Câncio –
Diário de Notícias, opinião
Não gosto de Miguel
Relvas. Mesmo nada. Não gosto do ministro, não gosto do político, deploro o
discurso, a pose e o historial. Execro o que fez - não tenho dúvida de que fez
- a Maria José Oliveira, a jornalista do Público que ameaçou com
revelação de factos da sua vida privada para tentar evitar que ela o
questionasse sobre declarações suas no Parlamento a propósito da relação com o
ex-espião Jorge Silva Carvalho. Execro o facto de, na oposição, ter afirmado
que a família do anterior primeiro-ministro, os filhos, deveriam ter vergonha
dele - a vergonha, precisamente, de que o próprio demonstrou não ter pinga, ao
manter-se, e ser mantido, em funções quando o próprio presidente da Entidade
Reguladora para a Comunicação Social diz não ter dúvidas sobre o facto de o
ministro ter ameaçado a jornalista. E, por fim, deploro que haja quem o convide
para falar de jornalismo, passado, presente ou futuro, depois de tal se ter
passado: se a pessoa Relvas não percebe que não pode continuar ministro, que ao
menos jornalistas e órgãos de comunicação social evidenciem não lhe reconhecer
dignidade para tutelar o sector.
Compreendo e sinto
a justa fúria que tantos sentem ante um governo que diz governar
"lixando-se para as eleições" quando, para ganhar as últimas,
garantiu que faria tudo ao contrário do que está a fazer. Compreendo quem se
lembra de ver Relvas insurgir-se contra aumentos de impostos e austeridade e
desemprego e jurar que tudo seria diferente com o PSD, para agora sugerir que
quem está mal que emigre. Compreendo quem se indigne por um ministro que fez
uma licenciatura à pala de equivalências estar no mesmo governo que chamou às
Novas Oportunidades "certificação de incompetência". Compreendo quem
recorda Relvas a vituperar os ministros socialistas quando se insurgiam contra
manifestações insultuosas ao ver o PSD clamar por "respeito
democrático" pela "dignidade das funções" se tal se passa com os
seus ministros - exigindo até ao PS que se lhe junte na reprovação
"enfática".
Mas não gosto de
ver pessoas acossadas. Aliás, não gosto sequer de ver pessoas a serem
humilhadas, menos ainda publicamente - por mais que sejam culpadas de humilhar
um país e de desrespeitar a democracia e a Constituição que agora querem como
mártires (!) invocar. Daí que, pese tudo o que penso e sinto, me tenha
desagradado ver Relvas insultado no chamado "clube dos pensadores", ainda
com aquele sorriso apalhaçado com que tentou fazer coro no Grândola com
quem protestava. Não gostei de o ver, em pânico, pelos corredores do ISCTE, sob
os gritos dos estudantes, à procura de abrigo, de uma porta por onde sair de
cena. Por mais que queira isso mesmo, que Relvas saia, que este governo se vá,
não deve ser assim. Não decerto por ele, não decerto por eles: por nós, que não
somos Relvas. Que não temos da democracia o entendimento oportunista e canalha
de quem dela se serve em vez de a servir e honrar.
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