quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

SERÁ QUE A EUROPA PRECISA DA GRÃ-BRETANHA?




Ian Buruma – Público, opinião

Muitas pessoas no Reino Unido acreditam que o seu país consegue viver muito bem fora da União Europeia. Os membros do Partido da Independência do Reino Unido acham, inclusive, que a Grã-Bretanha ficará bem melhor, bem como um número considerável de conservadores "eurocépticos". Eles sonham com uma Grã-Bretanha tipo Singapura do Oeste, um núcleo de actividade comercial governado a partir da cidade de Londres.
 
É por isso que o primeiro-ministro, David Cameron, se sentiu obrigado a oferecer ao povo britânico um referendo sobre uma pergunta simples: dentro ou fora da UE? Pessoalmente, Cameron não quer que a Grã-Bretanha saia da UE, mas ele sabe que alguma forma de consentimento democrático é necessária para os futuros Governos britânicos resolverem a questão.

O ano do prometido referendo, 2017, está confortavelmente longe. Muitas coisas podem mudar durante esse período. Se a zona euro progredir, aquilo que os países que estão fora da zona euro fazem pode já não ter muita importância. Além disso, outros europeus podem acabar por concordar com Cameron, em que a união política cada vez mais estreita na Europa não é desejável – isto no caso de terem escolha, o que não é de forma alguma garantido.

Enquanto isso, há uma outra questão a ter em consideração: quantos europeus querem que a Grã-Bretanha permaneça na UE? A resposta depende, em parte, da nacionalidade. Os países mais pequenos do Norte, como a Holanda, querem por tradição que a Inglaterra faça parte da UE. Sem a Grã-Bretanha, eles serão comandados pela França e mais ainda pela Alemanha. E, não obstante, à medida que as memórias da Segunda Guerra Mundial se desvanecem, cada vez mais pessoas na Holanda e na Escandinávia se sentem satisfeitas por estarem sob a alçada poderosa da Alemanha.

Mas a própria Alemanha prefere, provavelmente, manter o seu parceiro britânico, em vez de enfrentar sozinha os países mediterrânicos. A cultura ainda é importante. E os alemães têm muito em comum com os britânicos – mais do que têm com os gregos, ou até mesmo com os italianos.

A França é uma questão diferente. De acordo com uma sondagem recente, 54% dos franceses preferem que a Grã-Bretanha saia da UE. Isto, também, pode ter algo a ver com a cultura. A Grã-Bretanha nunca foi muito popular em França. O Presidente Charles de Gaulle bloqueou duas vezes a entrada britânica na Comunidade Económica Europeia. À semelhança de muitos líderes franceses, de Gaulle desconfiava profundamente dos "anglo-saxónicos". A França, com a sua visão grandiosa, foi o guardião natural dos valores europeus, que, segundo ela, coincidiam com os valores franceses.

Em 1930, Winston Churchill disse do seu país: "Estamos com a Europa, mas não pertencemos à Europa". É um sentimento partilhado ainda por muitos, na Grã-Bretanha. Charles de Gaulle concordou. Tal como ele disse, com alguma ironia, a Grã-Bretanha perderia a sua identidade, como membro de uma União Europeia, e isso seria uma grande pena.

Mas a cultura e a nacionalidade, ou até mesmo o chauvinismo gaulista, não conseguem explicar tudo. Há uma dimensão política importante nos sentimentos pró ou antibritânicos na Europa. Os franceses que disseram que queriam que a Inglaterra saísse da UE eram, em grande parte, da esquerda, enquanto muitos dos que apoiaram o parecer contrário eram mais da direita. O porquê não está inteiramente claro, embora seja provavelmente porque a direita inclui os neoliberais, que partilham a atitude britânica para os negócios e para o comércio livre.

À semelhança dos esquerdistas de todo o lado, a esquerda francesa favorece um grande grau de controlo estatal da economia, juntamente com os tecnocratas, em vez de soluções liberais para os problemas sociais e económicos. Este tipo de pensamento tem desempenhado um papel vital no desenvolvimento das instituições europeias.

Jean Monnet, um dos padrinhos da unificação europeia, personifica esta tendência – um burocrata de nascença que desconfiava dos políticos. A política democrática é confusa e semeia a discórdia; está repleta de transigências. Monnet odiava tudo isso. Ele estava obcecado pelo ideal da união. E ele queria que as coisas fossem feitas descomprometidas da vontade política e da negociação.

Monnet e outros tecnocratas europeus não se opuseram exactamente à democracia, mas, no seu zelo para unificarem diversos Estados-nação, pareciam muitas vezes ignorá-la. Os eurocratas sabiam o que era melhor para os cidadãos europeus e sabiam o que tinha de ser feito. Demasiados debates públicos, ou a interferência de cidadãos e dos seus representantes políticos, iriam apenas atrasar as coisas. Daí a típica linguagem da UE acerca dos "comboios imparáveis" e das "decisões irreversíveis": os cidadãos não devem questionar a sabedoria dos grandes planeadores.

Esta ênfase no planeamento foi uma das razões pelas quais o "projecto europeu" sempre agradou à esquerda – e não apenas em França. A crença tecnocrática nos modelos ideais é inerentemente utópica. Os da esquerda também partilhavam uma profunda aversão ao nacionalismo, nascido de duas desastrosas guerras europeias.

Os britânicos, cujo nacionalismo de Churchill os ajudou a prevalecerem contra os ataques de Hitler, nunca partilharam esta aversão. E o seu profundo orgulho na tradição democrática liberal da Grã-Bretanha fez com que suspeitassem da intromissão dos burocratas de Bruxelas. Parte disto é, sem dúvida, consequência do chauvinismo e até mesmo da xenofobia. Como é que é possível partilhar a autoridade política com estrangeiros?

Mas seria errado rejeitar simplesmente as dúvidas dos britânicos sobre a condução Europeia para uma maior união. Não se trata apenas de uma reacção nacionalista. Actualmente, muitos europeus estão ressentidos com os poderes em expansão da burocracia da UE. A resistência britânica aos grandes planos europeus é a pedra no sapato democrática numa iniciativa que podia ser autoritária, apesar de ter as melhores intenções, e devia servir como um correctivo necessário ao utopismo dos tecnocratas.

Aqueles que são a favor da unificação europeia deviam levar muito a sério as críticas às suas falhas políticas. Fazê-lo é a única hipótese de garantir que uma Europa unida, independentemente da forma que tomar, será democrática, bem como economicamente benéfica. É por isso que a Europa precisa da Grã-Bretanha: não como um centro offshore de serviços bancários e de comércio, mas como um parceiro difícil, interrogador e teimosamente democrático.

Tradução: Deolinda Esteves/Project Syndicate

*Professor de Democracia, Direitos Humanos e Jornalismo no Bard College

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