quarta-feira, 20 de março de 2013

A CRISE, A DEMOCRACIA E OS PARTIDOS




Mário Soares – Diário de Notícias, opinião

É certo que este mês de março vai ser muito difícil para os portugueses, com algumas exceções conhecidas. Direi mesmo terrível. Aqueles que ainda não emigraram - e os que não se suicidaram, o que começa a suceder com frequência - estão, na sua esmagadora maioria, desesperados, contra o atual Governo e proclamam-no todos os dias, por todo o lado e de todas as formas. A razão é simples: resulta do empobrecimento geral, do aumento do flagelo do desemprego e do desespero que cresce e começa a ser perigoso. Com o desemprego, o roubo das pensões, que inesperada e ilegalmente lhes destruíram a esperança no presente e no futuro próximo.

A verdade é que o Governo nunca lhes explicou nada e nunca se interessou pelos portugueses, mesmo aqueles que lhes deram o voto, seguramente por engano. É a consciência que têm hoje os cidadãos deste país - e por isso gritam todos os dias - vaiando os ministros que aparecem na rua, raramente, diga-se, mesmo com os capangas que os protegem e empurram e batem nos portugueses, com crescente força.

Aos olhos de todos, o Governo só tem cometido erros sobre erros, desde que está no poder, sem explicar a ninguém a sua versão ou visão do que faz e para que o faz, criando uma situação cada vez mais trágica.

Para o Governo - repito -, o povo não existe nem lhe interessa. Nunca, como se diz em linguagem popular, passou cartão ao povo. E, ao mesmo tempo, está a destruir a classe média e a desagradar, cada vez mais, aos abastados que, embora indiretamente, também sentem que Portugal está sem rei nem roque, e mesmo as grandes empresas também sofrem, como é evidente. E não é pouco.

Tudo resulta da maldita austeridade que está a destruir, por toda a parte, os países que a sofrem. Portugal está a ser liquidado, como se sabe, o Governo não é patriota, e só obedece e paga à troika e aos mercados usurários que a comandam. A Europa, de resto, pela força das coisas, começa a mudar lentamente de política. É inevitável.

Vítor Gaspar, na passada sexta-feira, reconheceu, na Assembleia da República, que se enganou em todas as previsões que fez, e não foram poucas. Sempre o disse, mas é bom que o ministro o tenha reconhecido agora. Contudo, insistiu que no mês em curso vai prosseguir - com cada vez maiores dificuldades para os portugueses - com a austeridade, que nos arrasou e está a destruir Portugal. Depois admira-se que os portugueses, em grande maioria, gritem que o Governo acabou e deve demitir-se quanto antes, a bem ou a mal. São os portugueses e Portugal que estão em jogo, com a exceção daqueles que só pensam em servir a troika e os mercados usurários, e ganhar algum pelo meio...

Não são apenas as finanças e a economia que estão em péssimas condições, mas também a política, a ética e o Estado social, sem esquecer o ambiente, de que já ninguém fala. Para quê?

Este Governo, que não tem vergonha - senão já tinha percebido que devia ir-se embora -, além de estar a alimentar a troika e a destruir a economia e as finanças, está também a pôr, conscientemente, em causa a nossa jovem democracia e a moral dos portugueses, herdadas do 25 de Abril. Porque quando o povo não conta nem tem voz, a democracia entra, obviamente, em colapso. A começar pelos partidos políticos e pelo Estado social, que tanto trabalho nos custou a criar, pelos sindicatos e o ambiente, não esquecendo o nosso mar, de que tanto se fala, mas nada de concreto se faz. E o tempo urge. Muitos estrangeiros olham para nossa situação com cobiça.

Sem partidos não há democracia. É verdade. Ora os partidos da oposição não são ouvidos e o que é mais grave, o próprio CDS-PP está, como não podia deixar de ser, em quebra, segundo a última sondagem da Universidade Católica.

O Partido Comunista vai apresentar na Assembleia da República um pedido de demissão do Governo. É oportuno. Eu, socialista, se fosse deputado, não hesitaria em votar a favor. Porque, como é da regra, na política partidária, ou se está de um lado ou do outro. Estar a meio caminho, só serve para os partidos se enfraquecerem.

De resto, não é por acaso que os partidos estão em quebra. Todos. Grande parte da opinião pública faz críticas aos partidos, sem exceção. É, no plano democrático, grave. Uma grande parte do PSD (talvez a maioria) está contra o Governo. O CDS procura estar e não estar, o que é uma posição que não augura nada de bom. O PS está agora claramente contra o Governo, mas não pediu ainda a sua demissão, o que torna, a meu ver, o vasto eleitorado do PS desconfiado. O PCP e o Bloco de Esquerda têm proclamado a demissão do Governo, o que agrada sobremaneira aos portugueses desesperados, sejam ou não ideologicamente de direita ou de esquerda, apesar de os portugueses em geral não gostarem dos partidos radicais. Mas ainda gostam menos do Governo, como é óbvio, e querem que ele saia urgentemente do poder.

Aliás, os partidos políticos têm que se reformular e atualizar, porque o mundo está a mudar, e de que maneira. Radicalmente. É uma situação que obriga todos os partidos, de direita ou de esquerda, a reformularem-se, porque as sociedades estão a mudar e os partidos - todos - têm de compreender que o mundo não aguenta o capitalismo selvagem e a globalização sem ética. Os partidos têm que se adaptar ao novo mundo que está a chegar e à própria Europa, nova, que vem aí, necessariamente.

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