terça-feira, 19 de março de 2013

A DESTRUIÇÃO DA SÍRIA




Rui Peralta, Luanda

I - O projecto imperialista de destruição da Síria causou até á data, mais de 60 mil mortos, um número incalculável de feridos (ferimentos físicos e emocionais) e mais de três milhões de refugiados. Para trás ficaram as estimativas do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, que em Março de 2012 declarava que apenas 95 mil refugiados na Jordânia, Líbano, Turquia e Iraque, iriam necessitar de apoio humanitário, tal como os donativos de mil e quinhentos milhões de USD são curtos e o Programa Mundial Alimentar já admite a sua incapacidade de alimentar os necessitados no interior da Síria.

Os níveis de destruição provocadas pela agressão á Síria são extremamente elevados e difíceis de serem calculados, pois as estimativas ficam obsoletas mal se recompilam, devido á turbulenta espiral de violência desmedida que grassa no território sírio. Para lá da emergência humanitária imediata, os alarmes disparam noutro sentido: os danos causados pela guerra de agressão e os seus impactos a médio e longo-prazo. Os refugiados, sem dúvida, temem pelas suas vidas, mas a razão principal da sua fuga massiva é a perca dos seus meios de subsistência, devido á destruição de localidades e cidades e á devastação das infraestruturas e das terras.

A Síria irá pagar estes custos de devastação muito depois das armas, um dia se calarem.

II - A agressão provocou fortes quedas na produção, no investimento e no comércio. A produção de trigo, cevada, frutas e legumes, que antes da agressão estava afectada pela seca desde 2003, está mergulhada numa crise sem precedentes na história económica do sector agrícola sírio (os efeitos da seca prolongada originaram algum mal-estar entre os produtores e o governo sírio e teve consequências nas manifestações e protestos que antecederam a agressão).

O trigo, que sempre foi uma importante fonte de segurança alimentar, viu a sua produção cair em 50% e em 2012 as estimativas apontavam para uma quebra de 40% em relação a 2011. A pecuária e a criação de aves sofreram perdas enormes o que provocou um aumento de 300% nos preços da carne, leite e derivados, frango e ovos. A população rural é submetida a ataques por parte dos bandos armados, o que levou grande parte desta população (que constitui uma elevada percentagem dos refugiados e desalojados) a abandonar os campos e a refugiar-se nas cidades e arredores.

III - A resposta do governo sírio, quando estalaram os protestos foi o aumento dos salários da função pública, uma medida muito pouco sensata e irreflectida. As medidas de liberalização económica impostas desde 2000 incrementaram a pobreza, a desigualdade e a marginalização. Nas zonas rurais, onde o governo gozava de um forte apoio, o processo de liberalização económica revelou-se catastrófico, levando á erosão desta importante base social de apoio.

A corrupção, consequência da aliança entre a burguesia nacional e a elite administrativa, levou á formação de uma oligarquia empresarial, formada pela burguesia nacional e pelos seus sócios das forças armadas, forças de segurança e aparelho burocrático administrativo (não é um fenómeno especifico sírio, bem pelo contrário. Esta situação é visível em grande parte do Médio-Oriente, Ásia Central, África – em Angola existe um processo similar, embora assente não numa burguesia nacional – que apenas existiu durante o processo colonial – mas nas camadas mais “audazes” da média burguesia e dos comerciantes de raiz baconga. A nova burguesia nacional angolana cresceu depois do processo de liberalização económica).

Em vez de levar a cabo projectos de grande escala, que beneficiassem largas camadas da população, o Estado sírio limitou-se aos interesses desta oligarquia. Para manter algumas das suas bases sociais de apoio, o regime elegeu os funcionários públicos e os trabalhadores das empresas estatais como beneficiários principais do novo processo. Perdulária e sofrendo do deslumbramento próprio dos novos-ricos, a elite politica síria cavou um fosso que a separou das aspirações populares. Estavam criados os ingredientes necessários ao processo de agressão, inserido na geopolítica do capitalismo mundial e na sua necessidade de alterar os mapas da globalização.

As perdas económicas em 2012 ascendem a cerca de cinquenta mil milhões de USD, metade das quais devidas às descidas do PIB e a outra metade às diminuições no capital social e aos gastos militares. Os sectores públicos da educação e da saúde foram votados ao abandono, substituídos pela “iniciativa privada”. Num ápice os direitos que consagravam a educação e a saúde como bens universais e gratuitos foram banidos na prática e considerados meras formalidades, em vias de extinção. O mesmo aconteceu com o sector da habitação, entregue á rapinagem da especulação imobiliária. Os deslumbramentos pagam-se caros.

IV - Não tardaram a surgir os apelos a sanções económicas. USA, União Europeia e Liga Árabe constituíram a Santíssima Trindade, elegendo a Turquia como polícia de intervenção e os estados do golfe como agências financiadoras. Quando as sanções foram aplicadas exacerbou-se a crise económica síria e aumentaram os danos causados ao tecido social. A elite síria ao espezinhar, com as medidas de ajustamento estrutural, a soberania popular, comprometia a soberania nacional.

As sanções económicas antecederam, em muito, a agressão. Foram iniciadas antes da vaga de protestos populares sírios. Os USA mantêm três tipos de sanções contra a Síria. O Syria Accountability Act de 2003 proíbe as exportações para a Síria de produtos que contenham mais de 10% de componentes fabricados nos USA. Em 2006 os bancos norte-americanos e respectivas sucursais de terem negócios com o Banco Comercial da Síria, que foi colocado na lista de instituições financeiras implicadas em lavagem de dinheiro, disposição aplicada em função do Patriotic Act. Através de uma série de ordens executivas que atravessam as administrações Bush e Obama, foi formado o terceiro tipo de sanções que impede todo o acordo comercial com as companhias sírias e com o Estado Sírio.

O grande golpe á economia síria foram, no entanto, as sanções da U.E. Bruxelas impôs 17 séries de “medidas restrictivas” contra cidadãos sírios, instituições governamentais e companhias privadas sírias, incluindo a suspensão da participação do governo sírio nas iniciativas de cooperação regional EUROMED e dos serviços do Banco Europeu de Investimentos. As medidas mais onerosas – pelo volume de ingressos perdidos – foram as proibições às importações de petróleo, crude e derivados, assim como a suspensão dos investimentos europeus no sector petrolífero sírio e no sector energético. Outro impacto das sanções foi a aceleração do esgotamento das reservas de divisas na Síria. O governo recorreu a estas reservas quando ficou desprovido dos ingressos provenientes do sector petrolífero.

As sanções representam 28% (cerca de 7 mil milhões de USD) das perdas do PIB em 2011 e 2012. Tiveram o pior impacto nas camadas sociais mais desfavorecidas, vítimas do aumento dos preços dos produtos básicos. Durante 2012 desenvolveu-se uma economia de guerra, baseada no contrabando, cujas redes são provenientes das forças armadas sírias e das forças de segurança (policia e serviços de contrainteligência).

V - Diferentemente do Iraque, as sanções não contam com o mandato das Nações Unidas. A Síria mantem fortes relações económicas com outros países, principalmente Rússia e China. A política de autossuficiência alimentar implementada pelos governos de Hafez-al-Assad, pai de Bashar e as fortes redes comerciais criadas em torno desta estratégia, permitiram, até agora, a qua a Síria possa ter escapado a uma situação ainda mais trágica, criada pelas sanções.

As sanções são ferramentas políticas destinadas ao bloqueio e derrube do adversário. As suas justificações, uma vez colocadas em marcha, podem ser facilmente modificadas. É assim qua a CIA vem divulgando mais uma mistificação: a Síria tem o quarto maior armazém do mundo em armas químicas. Obama, a marioneta escura do capital e Director-geral do imperialismo, em Agosto de 2012 advertiu o governo sírio para não usar o arsenal químico. Foi o início de uma nova novela sobre Damasco. O argumento já é velho e conhecido (foi usado no Iraque, no Afeganistão e até na Líbia) mas a qualidade dos guiões não é o forte do imperialismo.

A capacidade de resistência da economia síria consiste na sua diversidade. Apoia-se na indústria, na agricultura, no comércio e serviços, incluindo o turismo, apesar da difícil e trágica situação causada pela diminuição dos recursos petrolíferos e respectivos ingressos e do esgotamento das reservas de divisas. É de assinalar que os danos são muito desiguais. Algumas cidades, como Tartus, foram apenas afectadas, enquanto outras estão completamente destruídas. As grandes empresas industriais, as centrais eléctricas e os portos principais permanecem, até ao presente, pouco afectados.

VI - Mas é ao nível da base que a esperança persiste. Existe uma ampla variedade de redes locais e regionais que assumiram a tarefa da organização económica e politica. São experimentos de democracia directa, articulados em conselhos de coordenação local, um fenómeno transversal a toda a amplitude cultural e nacional Síria. Comissões de moradores, organizações sindicais, comissões de trabalhadores, organizações curdas, sistemas autónomos de apoio social, sistemas alternativos de saúde (como os montados pelos médicos e enfermeiros de diversas cidades sírias que organizaram hospitais de campanha, nas condições mais extremas), enfim toda uma iniciativa popular que transporta em si não apenas a sobrevivência no presente, mas a (re)construção de uma nova Síria, objectivo futuro.

Basta calar as armas e parar a agressão.

Fontes
Middle East Research and Information Project (MERIP) http://www.merip.org
International Crisis Group; http://www.crisisgroup.org
Syrian Center for Political Research - SCPR; http://www.scpr.org
Reuters, 15/08/2012, Syrian crisis.

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