Rui Peralta, Luanda
I - O projecto
imperialista de destruição da Síria causou até á data, mais de 60 mil mortos,
um número incalculável de feridos (ferimentos físicos e emocionais) e mais de
três milhões de refugiados. Para trás ficaram as estimativas do Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, que em Março de 2012
declarava que apenas 95 mil refugiados na Jordânia, Líbano, Turquia e Iraque,
iriam necessitar de apoio humanitário, tal como os donativos de mil e
quinhentos milhões de USD são curtos e o Programa Mundial Alimentar já admite a
sua incapacidade de alimentar os necessitados no interior da Síria.
Os níveis de
destruição provocadas pela agressão á Síria são extremamente elevados e
difíceis de serem calculados, pois as estimativas ficam obsoletas mal se
recompilam, devido á turbulenta espiral de violência desmedida que grassa no
território sírio. Para lá da emergência humanitária imediata, os alarmes
disparam noutro sentido: os danos causados pela guerra de agressão e os seus
impactos a médio e longo-prazo. Os refugiados, sem dúvida, temem pelas suas
vidas, mas a razão principal da sua fuga massiva é a perca dos seus meios de
subsistência, devido á destruição de localidades e cidades e á devastação das
infraestruturas e das terras.
A Síria irá pagar
estes custos de devastação muito depois das armas, um dia se calarem.
II - A agressão
provocou fortes quedas na produção, no investimento e no comércio. A produção
de trigo, cevada, frutas e legumes, que antes da agressão estava afectada pela
seca desde 2003, está mergulhada numa crise sem precedentes na história
económica do sector agrícola sírio (os efeitos da seca prolongada originaram
algum mal-estar entre os produtores e o governo sírio e teve consequências nas
manifestações e protestos que antecederam a agressão).
O trigo, que sempre
foi uma importante fonte de segurança alimentar, viu a sua produção cair em 50%
e em 2012 as estimativas apontavam para uma quebra de 40% em relação a 2011. A
pecuária e a criação de aves sofreram perdas enormes o que provocou um aumento
de 300% nos preços da carne, leite e derivados, frango e ovos. A população
rural é submetida a ataques por parte dos bandos armados, o que levou grande
parte desta população (que constitui uma elevada percentagem dos refugiados e
desalojados) a abandonar os campos e a refugiar-se nas cidades e arredores.
III - A resposta do
governo sírio, quando estalaram os protestos foi o aumento dos salários da
função pública, uma medida muito pouco sensata e irreflectida. As medidas de
liberalização económica impostas desde 2000 incrementaram a pobreza, a
desigualdade e a marginalização. Nas zonas rurais, onde o governo gozava de um
forte apoio, o processo de liberalização económica revelou-se catastrófico,
levando á erosão desta importante base social de apoio.
A corrupção,
consequência da aliança entre a burguesia nacional e a elite administrativa,
levou á formação de uma oligarquia empresarial, formada pela burguesia nacional
e pelos seus sócios das forças armadas, forças de segurança e aparelho
burocrático administrativo (não é um fenómeno especifico sírio, bem pelo
contrário. Esta situação é visível em grande parte do Médio-Oriente, Ásia
Central, África – em Angola existe um processo similar, embora assente não numa
burguesia nacional – que apenas existiu durante o processo colonial – mas nas
camadas mais “audazes” da média burguesia e dos comerciantes de raiz baconga. A
nova burguesia nacional angolana cresceu depois do processo de liberalização
económica).
Em vez de levar a
cabo projectos de grande escala, que beneficiassem largas camadas da população,
o Estado sírio limitou-se aos interesses desta oligarquia. Para manter algumas
das suas bases sociais de apoio, o regime elegeu os funcionários públicos e os
trabalhadores das empresas estatais como beneficiários principais do novo
processo. Perdulária e sofrendo do deslumbramento próprio dos novos-ricos, a
elite politica síria cavou um fosso que a separou das aspirações populares.
Estavam criados os ingredientes necessários ao processo de agressão, inserido
na geopolítica do capitalismo mundial e na sua necessidade de alterar os mapas
da globalização.
As perdas
económicas em 2012 ascendem a cerca de cinquenta mil milhões de USD, metade das
quais devidas às descidas do PIB e a outra metade às diminuições no capital
social e aos gastos militares. Os sectores públicos da educação e da saúde
foram votados ao abandono, substituídos pela “iniciativa privada”. Num ápice os
direitos que consagravam a educação e a saúde como bens universais e gratuitos
foram banidos na prática e considerados meras formalidades, em vias de
extinção. O mesmo aconteceu com o sector da habitação, entregue á rapinagem da
especulação imobiliária. Os deslumbramentos pagam-se caros.
IV - Não tardaram a
surgir os apelos a sanções económicas. USA, União Europeia e Liga Árabe
constituíram a Santíssima Trindade, elegendo a Turquia como polícia de
intervenção e os estados do golfe como agências financiadoras. Quando as
sanções foram aplicadas exacerbou-se a crise económica síria e aumentaram os
danos causados ao tecido social. A elite síria ao espezinhar, com as medidas de
ajustamento estrutural, a soberania popular, comprometia a soberania nacional.
As sanções
económicas antecederam, em muito, a agressão. Foram iniciadas antes da vaga de
protestos populares sírios. Os USA mantêm três tipos de sanções contra a Síria.
O Syria Accountability Act de 2003 proíbe as exportações para a Síria de
produtos que contenham mais de 10% de componentes fabricados nos USA. Em 2006
os bancos norte-americanos e respectivas sucursais de terem negócios com o
Banco Comercial da Síria, que foi colocado na lista de instituições financeiras
implicadas em lavagem de dinheiro, disposição aplicada em função do Patriotic
Act. Através de uma série de ordens executivas que atravessam as administrações
Bush e Obama, foi formado o terceiro tipo de sanções que impede todo o acordo
comercial com as companhias sírias e com o Estado Sírio.
O grande golpe á
economia síria foram, no entanto, as sanções da U.E. Bruxelas impôs 17 séries
de “medidas restrictivas” contra cidadãos sírios, instituições governamentais e
companhias privadas sírias, incluindo a suspensão da participação do governo
sírio nas iniciativas de cooperação regional EUROMED e dos serviços do Banco
Europeu de Investimentos. As medidas mais onerosas – pelo volume de ingressos
perdidos – foram as proibições às importações de petróleo, crude e derivados,
assim como a suspensão dos investimentos europeus no sector petrolífero sírio e
no sector energético. Outro impacto das sanções foi a aceleração do esgotamento
das reservas de divisas na Síria. O governo recorreu a estas reservas quando
ficou desprovido dos ingressos provenientes do sector petrolífero.
As sanções
representam 28% (cerca de 7 mil milhões de USD) das perdas do PIB em 2011 e
2012. Tiveram o pior impacto nas camadas sociais mais desfavorecidas, vítimas
do aumento dos preços dos produtos básicos. Durante 2012 desenvolveu-se uma
economia de guerra, baseada no contrabando, cujas redes são provenientes das
forças armadas sírias e das forças de segurança (policia e serviços de
contrainteligência).
V - Diferentemente
do Iraque, as sanções não contam com o mandato das Nações Unidas. A Síria
mantem fortes relações económicas com outros países, principalmente Rússia e
China. A política de autossuficiência alimentar implementada pelos governos de
Hafez-al-Assad, pai de Bashar e as fortes redes comerciais criadas em torno
desta estratégia, permitiram, até agora, a qua a Síria possa ter escapado a uma
situação ainda mais trágica, criada pelas sanções.
As sanções são
ferramentas políticas destinadas ao bloqueio e derrube do adversário. As suas
justificações, uma vez colocadas em marcha, podem ser facilmente modificadas. É
assim qua a CIA vem divulgando mais uma mistificação: a Síria tem o quarto
maior armazém do mundo em armas químicas. Obama, a marioneta escura do capital
e Director-geral do imperialismo, em Agosto de 2012 advertiu o governo sírio
para não usar o arsenal químico. Foi o início de uma nova novela sobre Damasco.
O argumento já é velho e conhecido (foi usado no Iraque, no Afeganistão e até
na Líbia) mas a qualidade dos guiões não é o forte do imperialismo.
A capacidade de
resistência da economia síria consiste na sua diversidade. Apoia-se na
indústria, na agricultura, no comércio e serviços, incluindo o turismo, apesar
da difícil e trágica situação causada pela diminuição dos recursos petrolíferos
e respectivos ingressos e do esgotamento das reservas de divisas. É de
assinalar que os danos são muito desiguais. Algumas cidades, como Tartus, foram
apenas afectadas, enquanto outras estão completamente destruídas. As grandes
empresas industriais, as centrais eléctricas e os portos principais permanecem,
até ao presente, pouco afectados.
VI - Mas é ao nível
da base que a esperança persiste. Existe uma ampla variedade de redes locais e
regionais que assumiram a tarefa da organização económica e politica. São
experimentos de democracia directa, articulados em conselhos de coordenação
local, um fenómeno transversal a toda a amplitude cultural e nacional Síria.
Comissões de moradores, organizações sindicais, comissões de trabalhadores,
organizações curdas, sistemas autónomos de apoio social, sistemas alternativos
de saúde (como os montados pelos médicos e enfermeiros de diversas cidades
sírias que organizaram hospitais de campanha, nas condições mais extremas),
enfim toda uma iniciativa popular que transporta em si não apenas a
sobrevivência no presente, mas a (re)construção de uma nova Síria, objectivo
futuro.
Basta calar as
armas e parar a agressão.
Fontes
Middle East
Research and Information Project (MERIP) http://www.merip.org
International
Crisis Group; http://www.crisisgroup.org
Syrian Center for
Political Research - SCPR; http://www.scpr.org
Reuters,
15/08/2012, Syrian crisis.
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