Raúl M. Braga
Pires, em Lisboa - Expresso
Tendo passado as
duas últimas semanas de Fevereiro em Bissau, é possivel descrever e
analisar o 1º trimestre de 2013 da seguinte forma:
a) O ano começou de
forma optimista com a chegada do novo Enviado Especial do Secretário-Geral das
Nações Unidas, José Ramos-Horta, o qual foi recebido como "um ilustre
guineense que voltou a casa", nas palavras do Presidente Interino Manuel
Serifo Nhamadjo. Ramos-Horta tem demonstrado um optimismo que por vezes parece
desmesurado, nalgumas declarações que tem feito, como por exemplo a de que a "Guiné-Bissau
é um país mais seguro da África Ocidental", numa conferência/encontro com
os estudantes da Univerdidade de Bissau. Não deixa de fazer sentido o que diz,
já que se anda à vontade pelas ruas, a qualquer hora do dia e da noite, sem
qualquer problema, sendo o petty crime incomparavelmente muito mais
pequeno que o grande crime!
b) Ramos-Horta
também chega nos momentos em que (1) o PAIGC assina o Pacto de
Transição e em que, (2) já toda a gente percebeu que o período dum ano estipulado
para tal, terá inevitavelmente de ser prorrogado. Surgem aqui factos
pertinentes a analisar.
A adesão do PAIGC
ao referido Pacto, certamente que obrigará a uma remodelação governamental
para breve, mantendo Rui Duarte Barros, como Primeiro-Ministro Interino.
c) Para a
realização das eleições, o Governo de Transição comprometeu-se efectuar um
recenseamento biométrico da população, para assim incluir cerca de 30%
d'eleitorado que entretanto foi atingindo os 18 anos desde o último census,
em Março de 2009, e aqueles que nunca tiveram um documento d'identificação. Ora
tal, para que seja exequivel, não poderá ser efectuado durante a época das
chuvas, entre fim de Maio e a primeira semana de Novembro, por via das ligações
rodoviárias semi, ou não asfaltadas, entre a capital e o restante território. Há
que acrescentar que este ano, já choveu em Janeiro, o que geralmente significa
que a época das chuvas, poderá começar já em meados, ou no final do próximo
mês.
Sobre o
recenseamento, o PM Rui Duarte Barros, em entrevista ao Maghreb/Machrek,
mencionou a existência de novos Centros Regionais para a Emissão do
Bilhete d'Identidade Biométrico, os quais têm vindo a ser inaugurados em Bissau,
Oio, Cachungo, Buba, Bafatá, Gabú, Mânsoa, Quinhamel, Ingoré e Bubaque. É verdade,
a população já não terá que se deslocar a Bissau para tratar deste assunto. Mas
será que se está a deslocar aos centros regionais, sem nenhuma campanha a
decorrer, a qual sensibilize para a importância do individuo se tornar cidadão?
O PM Duarte Barros mencionou uma campanha a começar dentro de 5 meses, a qual
terá como objectivo o registo e a distribuição de Certificados de
Nascimento a mães e crianças. Dentro de 5 meses, estaremos em plena estação das
chuvas. Chegar-se-á às populações de rádio, mas estas terão dificuldade em
chegar aos Centros Regionais!
Outro aspecto que
levará o seu tempo e que parece já estar atrasado perante o calendário das
chuvas, é o recrutamento e a formação de quem estará no terreno a recensear,
para além de toda a logística necessária, como por exemplo carrinhas pick-ups,
geradores a gasóleo, combustivel, computadores portateis, o periférico do
portátil que imprime os cartões (15 mil dólares, 18 mil conjunto
portátil/periférico), web cams, cartões, tonner e maletas
forradas a esponja para os transporte seguro destes materiais frágeis. E quem
paga tudo isto? O Governo de Transição já veio a terreiro dizer que não tem
dinheiro para o fazer.
d) Ainda sobre
eleições, o PR Nhamadjo afirmou em tom d'alerta, que se deveria
começar a pensar seriamente na inevitabilidade de se ter d'extender o
Período de Transição, por mais 6 meses, mas esta posição permitiu que outros
sectores se manifestassem, sugerindo mais 1 ano e mais 3 anos. A
necessidade, por exemplo, de se realizarem eleições autárquicas (nunca
o foram, na RGB), só depois legislativas e só depois presidenciais,
serviu de forte argumento a estes outros sectores. Os militares
manifestaram d'imediato o seu apoio à proposta de s'extender o Período de
Transição, por mais 3 anos.
Nhamadjo, ameaçou
na semana passada, em tom grave, que se demitirá caso os guineenses não
chegarem a um acordo até Maio, sobre as eleições. O cenário pode-se resumir de
forma simplificadora, mas nunca simplista, num confronto existente entre 2
blocos. Dum lado o PR e o Parlamento, do outro o Governo e os militares.
e) Na 42ª
Sessão Ordinária dos Chefes d'Estado da CEDEAO, realizada na capital política
da Costa do Marfim, Yamoussoukrou, a 27 e 28 de Fevereiro, os
assuntos principais na Agenda, eram o Mali e a Repúbica da
Guiné-Bissau (RGB). Como nota d'enquadramento, já que na minha opinião a
solução da questão Norte do Mali/terrorismo, estará sempre dependente duma
resolução dos conflitos internos na RGB, ambos países têm governos
provisórios, saídos de golpes d'estado.
Mali, necessidade
de começar a trabalhar os mecanismos legais para num futuro próximo,
transformar a intervenção militar da AFISMA*, numa Missão de Peacekeeping.
RGB, necessidade d'alargamento
do Período de Transição até ao final do ano, decisão aliás também tomada
para o Mali, o qual também deverá realizar eleições, para regressar a um
registo constitucional normal e não d'excepção. Entretanto, desde o final de
Fevereiro, até agora, estas sugestões tornaram-se oficiais e ambos os
países comprometeram-se a realizar eleições, até 31 de Dezembro de 2013. Outra
preocupação e apelo manifestados neste encontro, foi a necessidade de a Comunidade
Internacional ter de finalmente reconhecer este Governo de Transição, para que
possa ter meios para organizar eleições. Parece-me que neste âmbito, a
"coisa" vai ter d'inevitavelmente abrir. O regresso do FMI, é já
um claro sinal. O próximo dependerá dum reconhecimento dado pela União
Africana, o que provocará muito provavelmente um reconhecimento em bloco dos
restantes, com a CPLP naturalmente incluida.
Parece-me claro
estar-se a desenhar uma abordagem regional congruente entre Mali e RGB,
tema que desenvolverei em futuro texto.
O JULGAMENTO DO
CAPITÃO PANSAU N'TCHAMA
Suposto cabecilha
dum golpe militar em Outubro passado, está a ser julgado por atentado
contra a Segurança do Estado e por traição à Pátria.
Quando foi ouvido,
a 12 de Março, N'Tchama acusou o ex-CEMGFA Zamora Induta de o ter
obrigado a perpretar a tentativa de golpe, sob o engodo d'ir à Gâmbia visitar a
família, a convite deste (o Capitão vivia em Lisboa, existindo também uma
versão que diz que nos últimos tempos, se teria mudado para Paris).
Pansau, acusou as
autoridades gambianas de participação na operação, com conivência de
proeminentes figuras políticas guineenses, de entre as quais se destacam
Iancuba Indjai, da Frente Nacional Anti-Golpe, Óscar Barbosa, Marciano Silva
Barbeiro, Tomás Gomes Barbosa, todos do PAIGC, Fodé Cassamá, militar na reserva
e o então Secretário de Estado dos Combatentes. Distinguem-se também Mussa
Djata, actual responsável do Pelouro e Silvestre Alves, advogado e líder do
Movimento Democrático Guineense (MDG). Ainda numa das suas passagens, o
Capitão fez referência a Domingos Simões Pereira, na altura Secretário
Executivo da CPLP, com a missão de coordenar a parte política do acto, e Joseph
Mutaboba, o último Representante do Secretário-geral da ONU em Bissau,
afirmando que este último teria aconselhado Zamora Induta a escolher um oficial
subalterno para dirigir a acção e não uma alta patente. Daí a razão da
escolha ter recaído sobre o Capitão N'Tchama, apesar deste ter dito nas suas
intervenções, que não foi o líder da operação (ver gbissau.com ).
Neste caso estão
envolvidos cerca de 17 pessoas, incluindo o então Vice-Chefe do Estado-Maior da
Armada, Jorge Sambú.
Parece-me que o
desenrolar deste julgamento, será decisivo para os posicionamentos, já aliás
definidos por um Zamora Induta no exílio, um Bubo Na Tchuto em
processo de reabilitação e que já disse que só o aceitará caso fique como
CEMGFA e, um António Indjai cada vez mais rodeado de guarda pretoriana e
niveis de segurança, bem demonstrativo das ansiedades do momento.
A 12 d'Abril,
celebrar-se-á o 1º aniversário do golpe que colocou no Poder este Governo e
este Presidente. E em Abril, já o povo diz , "Revoluções
Mil"!
* African-led
International Support Mission to Mali (AFISMA).
Para visualizar
alguns dos videos efectuados na RGB e publicados no Blogue do Parlamento
Global, carregar AQUI .
Grato.
Raúl M. Braga Pires
escreve de acordo com a antiga ortografia
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