Martinho Júnior,
Luanda
1 – Quando elaborei
a 4 de Janeiro de 2011 o artigo sobre o Vale do Cuango sabia que havia de
voltar, mais ano menos ano, ao tema.
Se há de facto em
Angola região onde a deliquescência sócio-política-administrativa tem sido
crónica é precisamente naquela região imediatamente a sul da fronteira comum da
RDC com Angola, em especial no triângulo que tem a norte o município de Luremo
e a sul a linha definida entre Xá Muteba, a sudoeste e Capenda Camulemba, a
sudeste.
Esse é de facto um
autêntico “triângulo das Bermudas” em termos de unsuficiências
político-administrativo e onde maior expressão têm ganho rebeldes, traficantes
e todo o tipo de ilegais que afluem às “minas de Salomão”.
Os fluxos
migratórios de ilegais provenientes de países africanos islâmicos aumentaram
sintomaticamente em direcção a Angola desde 2011, precisamente o ano em que o
regime de Kadafi foi varrido pelos ocidentais e pelos seus aliados das “Primaveras
árabes” e uma atmosfera neo colonial se desabou sobre África!
Os relacionamentos
de Angola com países do espaço CEDEAO têm vindo a reflectir a conjuntura neo
colonial daquela região: sendo um país africano que lutou pela sua
independência e contra o “apartheid”, Angola teve dificuldades maiores na Costa
do Marfim e na Guiné Bissau.
Com a crise
instalada no Mali, mantendo-se as dificuldades de relacionamento de Angola com
vários componentes do espaço CEDEAO, os fluxos migratórios ilegais aumentaram e
uma parte substancial desses fluxos entraram em Angola directamente na região
da bacia hidrográfica do Cuango, por motivos óbvios: a exploração dos diamantes
aluviais num dos rios angolanos que mais os garante, como atractivo para os
financiadores e os mentores dos migrantes e para os próprios migrantes.
De certo modo terá
sido Savimbi, a seu tempo, o maior dos “beneficiados” da ausência de combate ao
tráfico ilícito de diamantes na sequência da prisão dos oficiais que melhor
evitaram a “abertura” dessa “oportunidade” até 1985.
Ele espreitou sua
oportunidade e deu no que deu: uma guerra atroz a partir dos negócios com “diamantes
de sangue”, que desarticularam a vida nacional entre os anos de 1992 e 2002,
antes do cartel intervir com o processo Kimberley e do seu desaparecimento
físico!
Será que agora se
poderá repetir o fenómeno com outros protagonismos, mas correspondendo a
incentivos que indiciam a mesma matriz de sempre, tendo em conta a inclinação
neo colonial dos países CEDEAO e a influência da evolução da situação deles, o
que inclui a massiva migração em curso?
2 – A partir de
2011 desencadearam-se perturbações em cadeia pelo Magheb, tendo o Mali como
fulcro da desestabilização.
A CEDEAO alinhou
por inteiro com a “FrançAfrique” e deu oportunidade à Operação Serval ainda em
curso.
No ataque de
retaliação de organizações terroristas a In Amenas na Argélia, a organização
islâmica radical que o levou a cabo a partir do território líbio, foi comandada
por “o zarolho” Mokhtar Belmoktar, argelino de nacionalidade, que ao mesmo
tempo era um dos grandes “senhores” do Sahel, “Mr Marlboro” (por traficar
cigarros)…
…Entre os tráficos
do contrabandista Mokhtar Belmoktar constava o da droga e o de diamantes…
O Mali possui, ao
que se faz constar, 30 kimberlites, todavia os diamantes que Mokhtar Belmoktar
traficava seriam originários do Mali, ou seriam um resultado da migração dos
malianos para a RDC e Angola, quando se sabe que uma parte dessa migração foi “encaminhada”
para o garimpo artesanal e ilegal?...
“O zarolho” terá
morrido durante um ataque de forças tchadianas no norte do Mali, nas montanhas
de Adrar des Ifhogas, entre Kidal, a sul e Tessalit, a norte, a 2 de Março de
2013; será que com ele acabou o tráfico de cigarros, drogas e diamantes por
todo o Sahel?
3 – Por conseguinte
é oportuno lembrar o que então afirmei em relação a esse vazio
político-administrativo no Vale do Cuango:
…“O cartel de
diamantes, o intrincado lobby dos minerais e os poderes ligados às elites e à
hegemonia, tiveram sempre o vale do Cuango como uma referência obrigatória,
como se ali se espraiassem as minas de Salomão e não é por acaso, que depois de
tantos jogos africanos instrumentalizados pelas manipulações das potências
ocidentais e em particular dos Estados Unidos, surjam num cínico corolário
experts como Theresa Whelan, (Subscretária da Defesa para África durante a
última fase da Administração de George Bush) que chegam à conclusão de que
afinal em África existem zonas onde os poderes centrais têm pouca capacidade de
intervenção político-administrativa, num vazio que é por vezes aproveitado
para, ao mesmo tempo que se promove a deliquescência dos vulneráveis estados
africanos, se incentivarem rebeldes, etno nacionalismos, tribalismos… e as
explorações mais desenfreadas e vis dos mais diversos minerais, sobretudo
diamantes aluviais e coltan.
As estratégias
Norte Americanas em África, dirigidas para as regiões de insuficiente cobertura
política-administrativa, fazem hoje parte dos conceitos absorvidos pelo AFRICOM
e isso é um inquestionável sinal que nos obriga a reflectir sobre esse tipo de
fronteiras e sobre a natureza de estados como o Uganda e o Ruanda, dominados
por elites de feição subordinadas a esses interesses extra continentais
dispostos à manipulação histórica, à opressão, ao desequilíbrio, às estratégias
de tensão a que se habituaram e até às guerras de rapina.
Os regimes do
Uganda (Yoweri Museveni) e do Ruanda (Paul Kagame) têm sido identificados como
servis aos propósitos dos Estados Unidos e do AFRICOM, enquanto plataformas de
acção em direcção leste (Somália) e oeste (particularmente a RDC, mas também
com influência na situação transfronteiriça em Angola)”…
(…)
…Milhões de
aventureiros de todas as origens, mas acima de tudo provenientes de África
enquanto continente marginalizado, desprotegido e miserável, concorrem para
chegar a Angola e às minas de Salomão como as do Cuango.
É necessário que os
estados implicados na Região e muito particularmente Angola e a RDC, promovam
conhecimentos e iniciativas comuns em relação a essa jóia emblemática que
constitui o vale do Cuango, tributário como o Cassai do 2º pulmão do planeta, a
extensa bacia do Congo, o Amazonas de África.
Em África o Congo
tornar-se-á ainda mais importante e decisivo do que é ao longo deste século,
pois os desertos quentes imensos que cobrem uma parte colossal do continente
estão em fase de aumentar a sua superfície”…
4 – A região está a
fugir ao controlo do estado no que diz respeito ao tráfico de diamantes e
migração ilegal, essencialmente no vale do Cuango, com maiores incidências num
triângulo que tem a norte Luremo, a sudoeste Xá Muteba e a Sudeste Capenda
Camulemba.
Nessa região as
povoações “surgem como cogumelos”: algumas delas desaparecem de repente, mas
outras prosperam e engrossam; entre as povoações consideradas “bem sucedidas”
estão: Muxinda, Kaissesse, Samba e Xamutelengue… povoações que são tão recentes
que não aparecem nos mapas, mas constituem rota dos políticos da oposição…
Os políticos da
oposição e seus “aderentes”, ao que se fez constar das campanhas
pré-eleitorais, parecem apenas despertos para as questões que directamente às
comunidades angolanas, que vivem em relativa pobreza, mas na sua passagem nada
fizeram constar da migração ilegal, da exploração e dos negócios ilegais de
diamantes e da massiva presença islâmica ao ponto de em algumas localidades
estarem presentes as leis a charia.
É evidente que isso
não é por acaso: quanto mais foram postas em causa as leis angolanas, mais
desestabilização e a desestabilização tem sido quase sempre o húmus desta
oposição, conforme à carrilha do seu principal mestre, Savimbi!
A implantação dos
garimpeiros estará a ser estimulada por interesses emparceirados entre
nacionais e estrangeiros, operando particularmente nos ricos vales aluviais do
Cuango e do Cassai (com seus afluentes), admitindo-se que esse esforço se tenha
estendido até ao vale do Cuanza (planalto do Bié).
O grosso das redes
indicia aproveitar-se de vários factores favoráveis de implantação, desde a
permeabilidade das fronteiras terrestres com a RDC, até às relativas
facilidades em função de manipulação e/ou corrupção de autoridades locais nos
locais e áreas de exploração e negócio, passando também, em relação aos
executivos mentores das redes, por facilidades migratórias obtidas em Luanda.
A região, ao que
muitos indicam, terá já milhões de pessoas e os estrangeiros, em especial os de
origem de países islamizados africanos, são a maioria!
Uma parte dos
diamantes que foge ao controlo de Angola (e do processo Kimberley), está a sair
pela fronteira terrestre com a RDC em direcção a Kinshasa e outra parte sai por
Luanda; a que sai por Luanda, em função dos parceiros nacionais das redes,
escapa-se de forma clandestina pelo aeroporto de Luanda, utilizando muitas
vezes as vantagens do trânsito nas salas VIP…
A recordar:
- O Vale do Cuango
– http://pagina--um.blogspot.com/2011/01/o-vale-do-cuango.html
Fotografia:
As quedas Tazua no
Cuango internacional; antes as quedas eram conhecidas por quedas Gulherme; a
foto é de 1974.
A consultar:
- Technical review
of Diamond concessions on the Cuango river, northern Angola – www.infomine.com/index/pr/Pa145202.PDF
- Tim Read –
America Mineral Fields Inc – http://www.twst.com/?action=pdf&series=natura_resou&fileid=PAA614;
http://www.twst.com/interview/11937
- UNITA’s diamond
mining and exporting capacity – http://www.issafrica.org/pubs/books/Angola/14Dietrich.pdf
- Fowler Report – http://en.wikipedia.org/wiki/Fowler_Report
- Final
Report of the UN Panel of Experts – http://www.globalpolicy.org/component/content/article/202/41606.html
- Un government au
service des enterprises françaises en Afrique – http://survie.org/billets-d-afrique/2012/218-novembre-2012/article/un-gouvernement-au-service-des
- O nome do
interesse da França em África – http://paginaglobal.blogspot.com/2013/02/uranio-o-nome-do-interesse-da-franca-na.html
- Le Canard
Enchaîné l’a révélé hier : Le Qatar finance les terroristes d'Aqmi et du Mujao
– http://www.cridem.org/C_Info.php?article=630368
- Al Qaeda in the
Islamic Maghreb: Who’s Who? Who is Behind the Terrorists? – http://www.globalresearch.ca/al-qaeda-in-the-islamic-maghreb-whos-whos-who-is-behind-the-terrorists/5319754
- Mokhtar Belmoktar
le gangster djihadiste spécialiste de la prise d’otages – http://www.20minutes.fr/monde/algerie/1081861-algerie-mokhtar-belmoktar-gangster-djihadiste-specialiste-prise-dotages
- Algerian Militant
Mokhtar Belmokhtar, ‘Mr. Marlboro,’ Jihadist or Thug? – http://www.theworld.org/2013/01/algeria-mokhtar-belmokhtar/
- Islamist militant
Mokhtar Belmokhtar 'killed in Mali' – http://www.bbc.co.uk/news/world-africa-21645769
- UNITA quer
transformar Cafunfu em novo bastião – http://www.angonoticias.com/Artigos/item/29105
- Visita de Isaías
Samakuva nas Lundas, terra rica e uma população pobre - Por Manuela dos
Prazeres – http://protectoradodalunda.blogspot.com/2011/03/visita-de-isaias-samakuva-nas-lundas.html
Sem comentários:
Enviar um comentário