Ana Sá Lopes –
Jornal i, opinião
Apresentar uma
moção de censura e consolar a troika não é uma alternativa
António José Seguro
fez bem em apresentar a moção de censura – por muito que ainda não tenha uma
alternativa estruturada ao actual governo de Passos Coelho. A moção de censura,
em tempos de maioria absoluta, é um statement político, um sinal de ruptura, um
pronunciamento com toda a importância simbólica. Com o anúncio da moção de
censura, consuma-se a coligação informal que o PS decidiu manter com o governo
em nome do Memorando da troika. Essa coligação vingou até ao último Orçamento
do Estado por influência da “responsabilidade” que António José Seguro achava
dever manter na sequência da herança de Sócrates: foi o anterior governo que
assinou o Memorando.
Mais difícil de
perceber é porque o PS anuncia a moção de censura e depois vai para casa pensar
no que vai escrever – arrastando a sua apresentação para depois da Páscoa. É
estranho que – tendo Seguro a moção de censura na cabeça pelo menos desde o
anúncio falhado da Taxa Social Única – precise da semana da Paixão para a
concretizar.
Mas o sinal mais
perturbador de todo este processo foi a cartinha para sossegar os
representantes da troika. Em conjunto com o anúncio da moção, Seguro
decidiu enviar à Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI um texto a
sossegar que o PS respeitará os “compromissos internacionais” e que a ruptura
com o governo não é a ruptura com as verdadeiras centrais do poder em Portugal.
A resistência de Seguro em romper com o Memorando da troika – como já tinha
defendido Mário Soares há quase um ano – anuncia que um futuro governo PS tem
todas as condições para se transformar num governo ao estilo Antonis
Samaras. Samaras também lutou com todas as suas forças contra o anterior
governo, votando contra a austeridade e denunciando o caos social. Quando se
viu no palácio da praça Syntagma fez exactamente o que as verdadeiras
instâncias de poder – em Portugal e na Grécia – lhe exigiram. Apresentar uma
moção de censura e, de caminho, consolar a troika e garantir que o PS não vai
romper com o Memorando não traduz uma alternativa para um futuro melhor. Quando
o secretário-geral do PS fala em “prosseguir noutra linha” tem de explicar que
essa linha não passa pelo cumprimento rigoroso do compromisso, mas por afrontar
a Europa e começar a defender a reestruturação da dívida – para começar. O resto
é mais do mesmo e os eleitores percebem.
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