segunda-feira, 25 de março de 2013

O NÓ CEGO PORTUGUÊS



Ana Sá Lopes – Jornal i, opinião

Apresentar uma moção de censura e consolar a troika não é uma alternativa

António José Seguro fez bem em apresentar a moção de censura – por muito que ainda não tenha uma alternativa estruturada ao actual governo de Passos Coelho. A moção de censura, em tempos de maioria absoluta, é um statement político, um sinal de ruptura, um pronunciamento com toda a importância simbólica. Com o anúncio da moção de censura, consuma-se a coligação informal que o PS decidiu manter com o governo em nome do Memorando da troika. Essa coligação vingou até ao último Orçamento do Estado por influência da “responsabilidade” que António José Seguro achava dever manter na sequência da herança de Sócrates: foi o anterior governo que assinou o Memorando.

Mais difícil de perceber é porque o PS anuncia a moção de censura e depois vai para casa pensar no que vai escrever – arrastando a sua apresentação para depois da Páscoa. É estranho que – tendo Seguro a moção de censura na cabeça pelo menos desde o anúncio falhado da Taxa Social Única – precise da semana da Paixão para a concretizar.

Mas o sinal mais perturbador de todo este processo foi a cartinha para sossegar os representantes da troika. Em conjunto com o  anúncio da moção, Seguro decidiu enviar à Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI um texto a sossegar que o PS respeitará os “compromissos internacionais” e que a ruptura com o governo não é a ruptura com as verdadeiras centrais do poder em Portugal. A resistência de Seguro em romper com o Memorando da troika – como já tinha defendido Mário Soares há quase um ano – anuncia que um futuro governo PS tem todas as condições para se transformar num governo ao estilo Antonis Samaras.  Samaras também lutou com todas as suas forças contra o anterior governo, votando contra a austeridade e denunciando o caos social. Quando se viu no palácio da praça Syntagma fez exactamente o que as verdadeiras instâncias de poder – em Portugal e na Grécia – lhe exigiram. Apresentar uma moção de censura e, de caminho, consolar a troika e garantir que o PS não vai romper com o Memorando não traduz uma alternativa para um futuro melhor. Quando o secretário-geral do PS fala em “prosseguir noutra linha” tem de explicar que essa linha não passa pelo cumprimento rigoroso do compromisso, mas por afrontar a Europa e começar a defender a reestruturação da dívida – para começar. O resto é mais do mesmo e os eleitores percebem.

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