Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
O Presidente da
República tem poucos poderes. O da palavra é um deles. E em momentos de crise
deve usá-la com cautela mas eficácia. O Presidente saiu de casa ao fim de
mais de um mês. Que se saiba, não estava de férias. Ia dizer que nós não
lhe pagamos para viver num palácio. Pagamos-lhe para fazer política. Mas não é
verdade, porque nós não pagamos ao Presidente da República. Num ato de enorme
elevação institucional e respeito pelo cargo que ocupa, o Presidente preferiu
ser pensionista, porque sempre recebia mais. Pouco, no entanto, já se sabe. Será
que já aderiu aos "Indignados do Pinhal"?
Dizia eu que o
principal poder do Presidente é a palavra. E Cavaco Silva foi finalmente à rua
(o passe está pela hora da morte e, como se sabe, a reforma não é generosa). Na
inauguração duma moagem e usou-a finalmente. Primeiro, explicou o seu silêncio.
Não quer "protagonismos mediáticos" que, diz, são "inversamente
proporcionais" à capacidade de um Presidente "influenciar as
decisões tomadas por um País". Cavaco dá-nos sempre a entender de que
quando não parece estar a fazer nada é porque está a fazer imensas coisas. Nós
é que nunca percebemos o que faz exatamente. Até porque sempre que toma
decisões elas são ou inconsequentes ou redundantes ou as duas coisas em simultâneo
- como quando enviou para o Tribunal Constitucional o orçamento que já tinha
sido enviado pela oposição com dúvidas que não tinha tido no orçamento
anterior. Mas devemos ter confiança no seu mutismo. "Ninguém tem a
experiência que eu tenho", explicou. Assim como nunca se engana e qualquer
um tem nascer duas vezes para ser mais sério do que ele. E, falta acrescentar,
ainda está para vir alguém mais modesto do que Aníbal Cavaco Silva.
Falou para dizer
coisas que marcam a vida política portuguesa e são um contributo fundamental
para devolver confiança aos portugueses. Sobre a crise, disse que "só
poderá ser vencida com a ajuda dos empresários". Uma afirmação que abala
todas as falsas convicções que muitos têm em relação à nossa situação
económica. Sobre o alargamento dos prazos de pagamento dos empréstimos disse
que foi "um passo positivo ". Defendeu que a União Europeia deve
"passar das palavras aos atos", o que fez tremer Bruxelas perante
tanta ousadia política.
Mas foi sobre as
manifestações que teve as palavras mais contundentes: "as vozes que
se fazem ouvir não podem deixar de ser escutadas". É, diz-se, uma das
principais características do que se faz ouvir: não poder deixar de ser
escutado. Diria que acontece o mesmo ao se faz ver. Não pode deixar de ser
visto. O que se faz cheirar consta que também não pode deixar de ser cheirado.
E, como dizia o saudoso César Monteiro, assim sucessivamente.
Das duas uma: ou o
Presidenta fala muito e no meio vai dizendo umas coisas importantes ou fala
pouco e quando fala marca a vida política. Cavaco fala pouco para, quando fala,
percebermos porque estava calado: não tem rigorosamente nada para dizer.
Na realidade, eu próprio tenho defendido que, perante a crise social profunda
que vivemos, o presidente deveria falar. Depois ele fala e eu próprio me
pergunto o que raio esperava que o campeão nacional da banalidade dissesse. Se
não deveríamos tratar o Chefe de Estado como um mero pensionista de luxo,
retirado da política e a viver num lar em Belém.
Nesta crise, o
Presidente até poderia ter uma função fundamental para a credibilidade da
política. Podia fazer presidências abertas, por exemplo. Ou ajudar a dirimir
conflitos sociais. Ou falar em nome de um País desesperado, deprimido e
revoltado. Ouvir as pessoas, dar voz e rosto aos seus problemas. Mas para isso era
fundamental que tivéssemos mesmo um Presidente. Alguém que sabe escutar e ver o
que não pode deixar de ser escutado e visto.
Se o atual
Presidente tem experiência política - que lhe permite sempre sobreviver sem
correr qualquer risco -, nós, ao longo de várias décadas de convivência, também
a temos. E sabemos que o seu desígnio político se resume em três palavras:
Aníbal Cavaco Silva. O resto vem sempre depois. E, por agora, caladinho é que
se está bem. Se é para desconversar, também me parece.
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