Rita Tavares –
Jornal i
Mais um prefácio
entalado nas gargantas socialistas que acusam Cavaco Silva de estar a alinhar
com o actual governo, atacando Sócrates
A cadência tem sido
de quase um socialista indignado por dia com mais um prefácio escrito pelo
punho do Presidente da República, o segundo a não poupar as responsabilidades
dos governos de José Sócrates na crise actual. Mas o incómodo vai mais além,
com o PS a apontar mesmo uma linha de actuação dupla a Cavaco Silva que acusa
de estar a proteger o actual executivo ao contrário do que fez com o anterior.
E a conversa vem
das várias correntes do PS, quer a mais alinhada com José Sócrates e que tem
pugnado pela protecção do seu legado, como pela actual direcção. Logo no dia em
que conheceu o conteúdo do prefácio do livro “Roteiros VII”, o líder
parlamentar Carlos Zorrinho escreveu no seu blogue sobre o “dono da bola”,
apontando a Cavaco Silva um papel mais activo perante as manifestações que se
vêem na rua, nomeadamente a de 2 de Março. “Quem não se recorda do pontapé
fulminante com que Cavaco Silva marcou golo na baliza do governo minoritário de
José Sócrates, traçando num simples discurso de posse o destino do governo em
funções?”.
Zorrinho refere-se
à frase do “há limites para os sacrifícios que se podem pedir aos portugueses”
lançada por Cavaco Silva nesse mesmo dia e quando o governo apresentava o PEC
IV, mais um pacote de austeridade adicional que acabou por ser levado à
apreciação parlamentar saindo chumbado pela oposição e deitando o governo por
terra. Essas palavras de Cavaco Silva ficaram atravessadas no PS que desde
então não poupa o Presidente.
E o prefácio
conhecido no sábado passado, pela passagem de dois anos do segundo mandato de
Cavaco Silva em Belém e desse mesmo discurso que corroeu o governo de Sócrates,
volta à carga sobre os antecedentes da crise deitando culpa ao executivo que
esteve em funções entre 2005 e 2011. Aliás, Cavaco não falha nada na apreciação
deste período de tempo específico e garante que “a principal razão da crise
portuguesa reside na acumulação insustentável de desequilíbrio das contas
externas - entre 2005 e 2010, o défice anual foi, em geral, superior a 9% do
PIB”. E fala também do endividamento líquido da economia para o exterior que
“subiu de 57,4% do PIB, no fim de 2005, para 107,2% em 2010”.
A resposta mais
contundente é de Sérgio Sousa Pinto que, no facebook, diz mesmo que “foi má
ideia interromper o torpor presidencial. Calado o Presidente é muito mais
suportável”. Mas o deputado diz mais: “A Sócrates não ocorreria escrever
prefácios para lhe dizer o que pensava dele e das suas criaturas, que sentou no
actual governo por ressentimento e irresponsabilidade.”
Um arraso que é
seguido por José Junqueiro que contrapõe à análise da crise feita pelo
Presidente outros dados: “A recessão do primeiro trimestre de 2011 (0,9%)
degradou-se até ao final desse ano (1,9%). No final de 2012 degradou-se ainda
mais e atingiu -3,2%. As políticas unilaterais de austeridade sobre austeridade
falharam.” O vice-presidente da bancada socialistas diz mesmo que “o Presidente
da República não fala porque acha que o prefácio de um livro o liberta de todos
os silêncios e de todas as ausências. O grande timoneiro saiu do barco antes de
todos os outros”.
Mas há mais. Vital
Moreira atacou em dois posts distintos no seu blogue. E sobre o período que
Cavaco Silva escolheu analisar para falar dos antecedentes da crise económica e
financeira, Vital diz que “não fica bem a um Presidente da República que
defende uma magistratura presidencial equilibrada e responsável dar uma versão
politicamente enviesada da história recente”.
O eurodeputado
eleito pelo PS diz que Cavaco se esquece do “bem sucedido processo de
consolidação orçamental dos anos anteriores” a 2009 e 2010 e que os valores do
défice apontados no prefácio presidencial “foram o resultado directo da crise
financeira externa e da crise económica que se lhe seguiu”, um argumento
recorrente dentro do PS. “Bem como da política de estímulo à economia e de
apoios sociais adoptados pelo governo Sócrates para tentar minorar os efeitos
da crise, política que ninguém condenou e quase toda a gente aplaudiu”, continua
o socialista. “Cavaco alinha inteiramente com a narrativa de Passos Coelho, de
responsabilização do anterior governo”, acrescenta Vital Moreira para concluir
que “o ódio a Sócrates não pode justificar tudo; e o ódio político não é bom
conselheiro presidencial”.
Não é a primeira
vez que um prefácio de Cavaco Silva ataca Sócrates e deixa incomodados os
socialistas. Há um ano, pela mesma ocasião, o chefe de Estado publicou um outro
texto, também num livro sobre a iniciativa presidencial “Roteiros” onde acusava
Sócrates, de uma forma clara e pouco comum na actuação de Cavaco, de
“deslealdade institucional”. Em causa estava a apresentação do PEC IV em
Bruxelas, antes de o ter dado a conhecer cá dentro, nomeadamente ao Presidente
da República. A relação que já vinha tensa caiu aí por terra e as mazelas ficam
até hoje, de um lado e outro.
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