sexta-feira, 1 de março de 2013

Portugal: QUEM MAIS ORDENA




Daniel Oliveira – Expresso, opinião

A austeridade acabará por destruir os seus próprios mentores. A subida do Siryza, na Grécia, o caos institucional provocado pelo resultado do comediante Beppe Grillo, em Itália, o crescimento da extrema-direita em vários países europeus, a crescente relevância de movimentos inorgânicos que substituem o papel antes reservado aos sindicatos e aos partidos e o reforço de sentimentos antieuropeístas em cada vez mais países da União são manifestações políticas contraditórias disso mesmo.

A austeridade, que levará à destruição do contrato social que a maioria dos países europeus firmou no pós-guerra, tornará a democracia, como a conhecemos, inviável. Restarão, para a continuar a aplicar, duas opções: ou a eternização de intervenções externas, com os países do sul da Europa transformados em protetorados de Bruxelas e Berlim, ou a limitação dos direitos cívicos. A austeridade não põe em causa apenas as economias dos países periféricos. Põe em risco as democracias e, com elas, a continuidade da União Europeia.   

A clique ideológica que capturou o poder não sufragado na União, e que através dele impôs aos Estados a sua agenda radical, já perdeu os "corações e as mentes" dos povos que sofrem os efeitos da austeridade. Falta perderem o controlo das instituições nacionais e europeias.

Parece cada vez mais evidente a incapacidade dos sistemas partidários europeus, nascidos do pós-guerra, dominados por uma rotatividade entre o centro-esquerda e o centro-direita, cumprindo as suas margens o papel de aliados circunstanciais ou de escape eleitoral em momentos de maior tensão social, se regenerarem por dentro para conseguirem pôr fim a este ciclo de empobrecimento. Falta-lhes a credibilidade e a massa crítica para tão exigente tarefa. Essa regeneração só pode vir de uma pressão popular.

Alexandre Soares dos Santos disse, numa conferência de imprensa em que apresentava os lucros do seu grupo, que "não é com grândolas vilas morenas que a gente resolve nada". É com debates "na televisão", explicou. Não valorizo especialmente as promoções opinativas do merceeiro que prefere de pagar impostos na Holanda. Mas, neste caso, ela é bem sintomática dos temores de uma elite que se tem dado bem com a degradação do País: que a participação extravase o domesticado espaço mediático. Mas se a revolta dos cidadãos não entrar pelo porta acabará por arrombar as janelas. As "grândolas vilas morenas", entendidas como uma forma de protesto pacífica da sociedade civil, são a forma civilizada que resta aos cidadãos para desbloquear a nossa situação política. Se ficarem à espera que os partidos políticos resolvam por si os seus impasses internos nada acontecerá. Apenas correrão o risco de se moverem quando a pressão popular a isso os obrigar.

Amanhã, como aconteceu a 15 de Setembro, uma parte não negligenciável do País voltará à rua. Pela dignidade de um povo em desespero. Mas também em defesa da democracia. Como disse a vice-presidente da Comissão Europeia, feliz o País que protesta cantando. Mas ser pacífico não é ser passivo. Se os portugueses permitirem esta confusão ouvirão de novo um representante da troika dizer que são um "povo bom". Ou seja, aquele a quem tudo se pode fazer sem o risco de qualquer reação. E a Grândola, assim como a revolução que ela sinalizou, é um excelente hino a este espírito de revolta cívica.

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