Daniel Oliveira – Expresso,
opinião
A austeridade
acabará por destruir os seus próprios mentores. A subida do Siryza, na Grécia,
o caos institucional provocado pelo resultado do comediante Beppe Grillo, em
Itália, o crescimento da extrema-direita em vários países europeus, a crescente
relevância de movimentos inorgânicos que substituem o papel antes reservado aos
sindicatos e aos partidos e o reforço de sentimentos antieuropeístas em cada
vez mais países da União são manifestações políticas contraditórias disso
mesmo.
A austeridade, que
levará à destruição do contrato social que a maioria dos países europeus
firmou no pós-guerra, tornará a democracia, como a conhecemos, inviável.
Restarão, para a continuar a aplicar, duas opções: ou a eternização de
intervenções externas, com os países do sul da Europa transformados em
protetorados de Bruxelas e Berlim, ou a limitação dos direitos cívicos. A
austeridade não põe em causa apenas as economias dos países periféricos. Põe em
risco as democracias e, com elas, a continuidade da União Europeia.
A clique ideológica
que capturou o poder não sufragado na União, e que através dele impôs aos
Estados a sua agenda radical, já perdeu os "corações e as mentes" dos
povos que sofrem os efeitos da austeridade. Falta perderem o controlo das
instituições nacionais e europeias.
Parece cada vez
mais evidente a incapacidade dos sistemas partidários europeus, nascidos
do pós-guerra, dominados por uma rotatividade entre o centro-esquerda e o
centro-direita, cumprindo as suas margens o papel de aliados circunstanciais ou
de escape eleitoral em momentos de maior tensão social, se regenerarem por
dentro para conseguirem pôr fim a este ciclo de empobrecimento. Falta-lhes a
credibilidade e a massa crítica para tão exigente tarefa. Essa regeneração só
pode vir de uma pressão popular.
Alexandre Soares
dos Santos disse, numa conferência de imprensa em que apresentava os
lucros do seu grupo, que "não é com grândolas vilas morenas que a
gente resolve nada". É com debates "na televisão",
explicou. Não valorizo especialmente as promoções opinativas do merceeiro que
prefere de pagar impostos na Holanda. Mas, neste caso, ela é bem sintomática
dos temores de uma elite que se tem dado bem com a degradação do País: que a
participação extravase o domesticado espaço mediático. Mas se a revolta dos
cidadãos não entrar pelo porta acabará por arrombar as janelas. As
"grândolas vilas morenas", entendidas como uma forma de protesto
pacífica da sociedade civil, são a forma civilizada que resta aos cidadãos para
desbloquear a nossa situação política. Se ficarem à espera que os partidos
políticos resolvam por si os seus impasses internos nada acontecerá. Apenas
correrão o risco de se moverem quando a pressão popular a isso os obrigar.
Amanhã, como
aconteceu a 15 de Setembro, uma parte não negligenciável do País voltará à rua.
Pela dignidade de um povo em desespero. Mas também em defesa da democracia.
Como disse a vice-presidente da Comissão Europeia, feliz o País que protesta
cantando. Mas ser pacífico não é ser passivo. Se os portugueses permitirem
esta confusão ouvirão de novo um representante da troika dizer que
são um "povo bom". Ou seja, aquele a quem tudo se pode fazer sem o
risco de qualquer reação. E a Grândola, assim como a revolução que ela sinalizou,
é um excelente hino a este espírito de revolta cívica.
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