À Carta Maior, a
advogada Rosa Maria Cardoso da Cunha (foto), designada para a Comissão da
Verdade pela presidenta Dilma, relata investigação a respeito do sequestro e
desaparecimento do pianista Francisco Tenório Cerqueira Jr., que acompanhava
Vinícius de Moraes em sua turnê argentina em 1976. Episódio aponta cumplicidade
entre marinha argentina e antigos membros do Itamaraty dentro da Operação
Condor, que tem outros 10 casos de vítimas brasileiras invetigados pela
comissão.
Dario Pignotti –
Carta Maior
Brasília – O
sequestro e desaparecimento do pianista que acompanhava Vinícius de Moraes
durante sua turnê argentina nos últimos dias do verão de 1976 reforça a tese de
que a Operação Condor falava em português e possivelmente mais do que se
suspeita.
É o que afirmou para Carta Maior a advogada Rosa Maria Cardoso da
Cunha, designada para a Comissão da Verdade pela presidenta Dilma Rousseff. Ela
investigou o capítulo verde-amarelo do terrorismo sul-americano e interrogou
longamente o argentino Claudio Vallejos, ex-agente da Marinha argentina que na
quinta-feira (28) foi deportado à Argentina custodiado por efetivos da Interpol.
A lei de (auto) anistia vigente, promulgada pelo ditador João Baptista
Figueiredo, não permite que o Brasil processe seus próprios
"condores" nem Vallejos pela desaparição do pianista Francisco
Tenório Cerqueira Júnior, mas nada impede que o faça a Justiça de Buenos Aires
que agora poderá interrogar o repressor argentino.
E talvez comece a reconstruir a desaparição do pianista, um caso repleto de
indícios sobre a cumplicidade entre a marinha argentina e antigos membros do
Palácio Itamaraty.
"Vallejos depôs durante horas e horas diante da Comissão da Verdade, o
escutamos em Brasília e viajamos a Florianópolis, onde estava preso. Queríamos
acompanha-lo porque é um personagem que esteve envolvido, isto é o que ele diz,
no sequestro do pianista Francisco Tenório Cerqueira Júnior, no dia 18 de março
de 1976. O sequestro é um dos 11 casos de brasileiros vítimas da Operação
Condor na Argentina que nós estamos investigado com muito interesse na
Comissão”.
“E falou bastante da conexão repressiva entre o Brasil e a Argentina durante os
anos da Operação Condor”, conta Cardoso da Cunha à Carta Maior.
O "Gordo" Vallejos fugiu para o Brasil presumivelmente no começo dos
anos 80, em 1986 fez uma longa confissão de seu passado marinheiro à revista
Senhor, publicada em duas edições, na qual formulou várias afirmações que
repetiu no final de 2012 diante da comissão criada pela presidenta e ex-presa
política Dilma Rousseff.
Enganador e estelionatário, Vallejos deu vários golpes em estados do sul do
Brasil até que, no começo de 2012, caiu preso acusado de estafa.
Quando a Embaixada argentina tomou conhecimento do caso enviou um diplomata até
a prisão de Xanxerê, um modesto presídio para presos comuns de pouca
periculosidade, para constatar que se tratava do repressor Vallejos.
Pouco depois de confirmar a identidade do detido, apresentou ao governo
brasileiro o pedido de extradição, aprovado pelo Supremo Tribunal Federal e
executado na quinta-feira.
– Vallejos participou no assassinato do pianista?
– Ele nos disse que não torturou o prisioneiro e disse claramente que nem
sequer assistiu a sua execução, que foi com um tiro depois de ser submetido a
várias sessões de tortura.
Claudio Vallejos fez um relato bastante detalhado, embora muitas vezes voltasse
atrás e se desdissesse, da noite do dia 18 de março, quando (o pianista)
Tenório, depois de uma apresentação com Vinícius, sai do hotel portenho para
comprar algo em uma farmácia, a polícia o vê com aspecto estranho, meio de
"subversivo", disse Vallejos, por sua barba e aspecto desalinhado e
pela pressa.
Vallejos nos contou que neste dia ele estava participando em uma operação da
ESMA (Escola de Mecânica da Armada, um centro de reclusão clandestino onde
foram assassinados ou desaparecidos cerca de 5.000 militantes contrários à
ditadura).
Narrou que se encontrava no centro de Buenos Aires quando recebeu a ordem de
recolher um suspeito preso em uma delegacia, não sei se disse a delegacia 39 ou
40, ou outro número. Uma vez na sede da polícia, Vallejos se apresenta como
alguém dos serviços secretos e a polícia lhe entrega Tenório, que é trasladado
por ele para a ESMA onde chega com vida e sem ser machucado, segundo diz
Vallejos.
– O chefe da Marina, comandante Emilio Massera, foi informado?
– Vallejos disse que Massera foi informado de tudo o que ia acontecendo com o
pianista Tenório passo a passo até sua morte, que teria acontecido no dia 25 de
março de 1976.
– A embaixada brasileira em Buenos Aires soube?
– Segundo o que nos disse Vallejos foi informada mais de uma vez e, continuo me
baseando no que disse o argentino, pessoas da embaixada estiveram na ESMA.
– Isto foi quando o pianista Tenório ainda estava com vida?
– Ele disse que sim e que, inclusive, chegaram a entregar aos torturadores uma
minuta com perguntas sobre o movimento de músicos contestadores que havia no
Rio de Janeiro naquela época, onde estava Chico Buarque e mais gente contrária
à ditadura.
– Acha que houve participação ou omissão de alguns diplomatas?
– Não sei com certeza, para nós será de muita utilidade o que investigue a
Justiça argentina para poder chegar à verdade dos fatos. E se a justiça nos
pede podemos enviar uma cópia do que Vallejos falou conosco.
– A Comissão da Verdade está informada do CIEX (Centro de Informações no
Exterior da Chancelaria)?
– Tivemos conhecimento do CIEX.
A resposta de Rosa Maria Cardoso da Cunha é telegráfica, talvez para evitar
tecer comentários precipitados sobre o Centro de Informações no Exterior, uma
rede de espionagem internacional a serviço da ditadura, surgida no final dos
anos 60 e que se poderia caracterizar como o braço diplomático da Operação
Condor brasileira.
Embora os depoimentos do "Gordo" Vallejos devam ser tomados como
vindo de quem vem, não é aconselhável subestimá-los totalmente porque podem
conter alguma informação verdadeira, e isto é o que parece ter entendido a
Comissão da Verdade brasileira ao interrogá-lo duas vezes.
Parte de seu testemunho relativo a cumplicidade ou omissão da Embaixada do
Brasil encaixa com informações obtidas por jornalistas sérios e especializados
na Operação Condor, como Stella Calloni.
Ela escreveu há 13 anos no diário La Jornada do México que documentos encontrados
nos arquivos da polícia política brasileira, o DOPS (Direção de Ordem Política
e Social) se referem a uma mensagem dirigida pela ESMA à embaixada brasileira
informando sobre o falecimento do pianista Tenório, sequestrado e torturado
desde 18 de março.
Há uma semana, a Comissão da Verdade recebeu um pedido para que se esclareçam
as verdadeiras causas da morte do ex-presidente João Goulart, no dia 6 de
dezembro de 1976, durante seu exílio na Argentina.
A ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário Nunes, admitiu pela primeira
vez que o ex-mandatário derrubado pelo golpe de 1964 pode ter sido assassinado
e que o tema merece uma investigação.
Há dois anos seu filho, João Vicente Goulart, em uma entrevista com este
repórter fez uma declaração que se torna interessante agora, quando recobra
atualidade a trama da Operação Condor e a morte do pianista Tenório durante sua
turnê com Vinícius e Toquinho.
"Nós, a família Goulart, temos certeza que nosso pai foi vítima de uma
conspiração da Operação Condor tramada pelo Brasil, Argentina, Uruguai e
Estados Unidos" afirmou João Vicente Goulart.
E arrematou: "Eu acumulei muita informação, documentos, e sempre suspeitei
dos movimentos na Embaixada de Buenos Aires e seu nexo com a Operação Condor.
Conto-lhe uma: nos meses prévios à morte de meu pai havia um número inaudito de
adidos militares na Embaixada, e a maioria se deslocava utilizando armas.
Alguém terá que explicar algum dia essa história e averiguar a que se dedicavam
tantos adidos militares nesses anos da Operação Condor".
Tradução Liborio Júnior
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