Veríssimo menciona
depoimento do ex-marido de Dilma à Comissão da Verdade, que “lembrou a
participação de empresários na repressão” praticada durante a ditadura militar;
“pode-se punir militares torturadores, mas o papel conivente da Oban e da Fiesp
permanecerá esquecido no passado”
O escritor gaúcho
Luis Fernando Veríssimo pede, em artigo publicado no jornal O Globo nesta
quinta-feira, punição a quem foi conivente com a tortura praticada durante a
ditadura militar. E não apenas nesse episódio, mas também no esquema montado
por PC Farias para canalizar todos os negócios com o governo através de sua
firma, o que acabou derrubando o ex-presidente Fernando Collor. Nos dois casos,
o mesmo silêncio do empresariado. A analogia, diz Veríssimo, só é
falha porque não se compara empresários que gozam vendo tortura e que querem
apenas fazer bons negócios, se submetendo ao esquema de corrupção vigente.
Os coniventes
Por Luis Fernando
Verissimo
O ex-deputado
estadual e ex-marido da Dilma, Carlos Araújo, não é um ex-ativista político,
pois recentemente voltou à militância partidária no PDT, apesar de limitado
pela saúde. Quando militava na resistência à ditadura foi preso, junto com a
Dilma, e os dois foram torturados.
Depondo diante da
Comissão Nacional da Verdade, esta semana, sobre sua experiência, Araújo
lembrou a participação de empresários na repressão, muitas vezes assistindo à
ou incentivando a tortura.
Que eu saiba, foi a
primeira vez que um depoente tocou no assunto nebuloso da cumplicidade do
empresariado, através da famigerada Operação Bandeirantes, em São Paulo, ou da
iniciativa individual, no terrorismo de estado.
O assunto é
nebuloso porque desapareceu no mesmo silêncio conveniente que se seguiu à queda
do Collor e à revelação do esquema montado pelo P. C. Farias para canalizar
todos os negócios com o governo através da sua firma, à qual alguns dos maiores
empresários do país recorreram sem fazer muitas perguntas.
A analogia só é
falha porque não há comparação entre o empresário que goza vendo tortura ou
julga estar salvando a pátria com sua cumplicidade na repressão selvagem e o
empresário que quer apenas fazer bons negócios e se submete ao esquema de
corrupção vigente. Mas a impunidade é comparável: o Collor foi derrubado, o P.
C. Farias foi assassinado, mas nunca se ficou sabendo o nome dos empresários
que participaram do esquema.
Nunca se fez a CPI
não dos corruptos, mas dos corruptores, como cansou, literalmente, de pedir o
senador Pedro Simon. No caso da repressão, talvez se chegue à punição, ou no
mínimo à identificação, de militares torturadores, mas o papel da Oban e da
Fiesp e de outros civis coniventes permanecerá esquecido nas brumas do passado,
a não ser que a tal Comissão da Verdade siga a sugestão do Araújo e jogue um
pouco de luz nessa direção também.
A comparação nossa
com a Argentina é quase uma fatalidade geográfica, somos os dois maiores países
da America do Sul com pretensões e vaidades parecidas. Lá o terrorismo de
estado foi mais terrível do que aqui e sua expiação — com a condenação dos
generais da repressão — está sendo mais rápida. Mas a rede de cumplicidade com
a ditadura foi maior, incluindo a da Igreja, e dificilmente será julgada. Olha
aí, pelo menos nessa podemos ganhar deles.
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