Yanis Varoufakis
Este artigo oferece
aos leitores um modelo analítico coerente da actual Crise da Zona Euro. Começa
com uma análise macroeconómica das causas da Crise e depois, o que é mais
importante, modela o feedback entre as reacções institucionais e políticas da
Europa e o processo de contágio que começou com a Grécia. Para a versão
completa do artigo, clicar aqui . O que se segue é um resumo, sem matemática,
de cada uma das secções do documento.
1. Introdução: Para
um macro-modelo de contágio
De há três anos a esta parte temos vindo a analisar a Crise da Zona Euro e o
contágio dinâmico que levou a zona do euro à beira da desintegração. No
entanto, que eu saiba, até agora ninguém propôs um modelo macroeconómico; pelo
menos, nenhum que represente o mecanismo dinâmico de feedback entre a
Crise e as reacções da Europa (ou a falta delas) a essa Crise. Com este artigo,
vou tentar reparar essa falta e apresentar uma análise simples da relação
entre:
(a) uma união
monetária cujo modelo eliminou os amortecedores de choques internos, duma vez
só, ao mesmo tempo que aumentou a probabilidade e a dimensão duma crise futura;
(b) uma resposta
política à crise (pré-decretada) que envolveu a criação de fundos tóxicos de
salvamento que acentuaram a crise;
(c) os
desequilíbrios macroeconómicos subjacentes que na realidade estão a
aprofundar-se, tornando assim as estratégias fiscais e monetárias da União
Europeia logicamente incoerentes; e
(d) um Banco Central
Europeu cuja intervenção decisiva para proporcionar uma estabilidade financeira
a médio prazo (os programas de refinanciamento LTRO e OMT [1] para
os bancos da Itália e da Espanha, respectivamente) foi feita à custa de
reforçar a desintegração a longo prazo.
2. O Padrão Ouro da
Europa
Montando a cena, e antes de analisar a Crise propriamente dita, a Secção 2
descreve a União Monetária Europeia como uma variante interessante do Padrão
Ouro no período entre as duas guerras. Ao contrário de outras explicações da
Crise do Euro, que se concentram exclusivamente numa divergência prévia dos
custos unitários do trabalho e da competitividade (entre os estados membros
excedentários e deficitários), esta análise realça a importância da diferença
de níveis da oligopolia (ou concentração) nos sectores avançados em bens de
capital segundo a linha divisória dos estados membros
excedentários-deficitários.
O meu argumento é que, dada a falta de alta concentração de conglomerados em
rede, globalizantes, das economias deficitárias (que podem transformar
automaticamente os influxos de capital em investimentos que reforçam a
produtividade), a união monetária ocasionou grandes influxos de capital (a
partir dos países excedentários para os deficitários) que, por sua vez,
provocaram uma inflação galopante do valor dos activos (por ex. as bolhas do
imobiliário) nas economias deficitárias e uma taxa de crescimento que
ultrapassou em muito a taxa de acumulação no seu sector de exportações. Em
contrapartida, as economias excedentárias (cuja manufactura é por definição
mais fortemente oligopolizada) tinham de facto falta de competidores nas nações
deficitárias (por ex., países como a Grécia não fabricam automóveis) e,
naturalmente, experimentaram simultaneamente (a) altas taxas de investimento no
capital que aumentam a produtividade e (b) uma concomitante taxa de crescimento
consideravelmente mais baixa.
Esta combinação de taxas de crescimento ultrapassou (arrastou) as taxas de
formação de capital fixo nos países deficitários (excedentários) dando origem a
uma tensão entre:
a realidade
económica subjacente de uma recessão a fogo lento em sectores cruciais ao longo
da linha divisória entre nações excedentárias-deficitárias, e o crescimento
epifenomenal que parece tipificar toda a divisa comum ou o bloco de taxas de
câmbio fixas e é impulsionado por uma nova forma de exploração financeira das
classes trabalhadora e média
A certa altura,
esta tensão entrou em rotura sob os esforços de uma crise financeira importada,
que em breve incendiou uma espiral clássica de dívida-deflação com a carga de
ajustamento desproporcionadamente colocada em cima dos ombros dos estados
membros mais fracos. Foi isto, com efeito, aquilo a que o mundo assistiu no
período que antecedeu o Colapso de 1929, e que a ele se seguiu, e é
precisamente a esse mesmo processo que assistimos recentemente na zona do euro.
É como se os inventores da divisa comum tivessem optado de propósito por não
ligar às lições da terrível era entre guerras que conspiraram para causar a
maior tragédia da humanidade.
A Secção 3 prossegue depois à análise com algum pormenor das diferenças entre o
Padrão Ouro e a construção da zona euro e proporciona uma análise matemática
dos desequilíbrios solidamente incorporados que prepararam a zona euro para uma
queda profunda no momento da Contracção do Crédito de 2007 e do choque do
Colapso de 2008.
3. A Grécia e os fundos tóxicos de salvamento FEEF-MEE [2]
Nesta terceira secção, o artigo analisa o significado da Grécia: Começa com a
observação de que, na sua tentativa de fazer parar a
queda das obrigações (quando o sector público grego se tornou insolvente), de impedir a
perspectiva de incumprimento de um estado membro dentro da zona euro, e de preservar o
princípio de Dívidas Perfeitamente Separáveis sobre o qual foi fundada a zona
euro os líderes da
Europa avançaram com uma complexa estrutura de empréstimos. Assim, a maior
linha de crédito da história humana foi alargada à Grécia falida através de um
estranho empréstimo composto por muitos empréstimos bilaterais (um empréstimo
entre cada um dos outros dezasseis membros estados e a Grécia, um entre o FMI e
a Grécia e um entre o BCE e a Grécia).
Enquanto o tomador do empréstimo, a Grécia, pagava uma taxa de juro única
(excepcionalmente alta, pelo menos no início) aos seus prestamistas europeus (e
uma taxa consideravelmente mais baixa ao FMI), cada um dos estados membros que
emprestou à Grécia tinha a sua própria, taxa de juro separada em linha com os
rendimentos (yields) dos seus próprios títulos governamentais. Assim
quando, dias depois de instaurado o Grande Resgate grego Mk1, a Europa
constituiu o FEEF (Fundo Europeu de Estabilidade Financeira) para,
supostamente, proteger o resto das soberanias vulneráveis da zona euro (i.e. a
Irlanda e Portugal, mas também a Itália e a Espanha), de uma forma que
incorporasse a estrutura do empréstimo grego. Em resumo, os títulos que o FEEF
estava para emitir reflectiam esta manta de retalhos de empréstimos separados e
separáveis, parecendo-se assim com instrumentos de dívida tóxicos tipo CDO [3] .
Antes de se instituir o FEEF, a única instituição que caracterizava a área da
divisa comum era o BCE; um banco central que não tinha mandato para actuar como
emprestador de último recurso (nem para os bancos da zona euro nem para as suas
soberanias). Por isso, quando a contracção de crédito atingiu a Europa, já
estava montada a cena para uma bancarrota sequencial de soberanias e de
sistemas bancários. Notoriamente, para amparar o edifício em ruínas, os líderes
da Europa ergueram em volta dele as escoras dos fundos de salvação (o FEEF-MEE)
financiadas por títulos tóxicos tipo derivativos que continham a semente de um
contágio mais rápido!
4. O contágio reforçado pelo FEEF
Em consonância com artigos que têm aparecido regularmente neste blogue nos
meses e anos passados (por ex. ver aqui e aqui ), a quarta secção do artigo explica precisamente
(e através de um modelo matemático coerente) a minha afirmação de que os
títulos tóxicos emitidos pelas novas instituições foram de facto de natureza
tóxica, tipo CDO, e como é que a sua própria estrutura deu à Crise outro giro
rápido, acabando na insolvência da Itália e da Espanha e, inevitavelmente, nas
duas intervenções em 2012 do Sr. Draghi, o presidente do BCE.
5. O Pacto Fiscal e os programas 'extraordinários' (LTRO & TMD) do BCE
A somar à toxicidade dos títulos do FEEF-MEE, que possibilitaram (em vez de
impedirem) o processo de contágio, a Europa fez mais uma coisa para aprofundar
a Crise. Introduziu o Pacto Fiscal, altamente contraccionário, em tempos de
recessão, garantindo assim a insustentabilidade do processo de consolidação
orçamental. Com efeito, a secção demonstra geometricamente que a única forma de
a zona euro poder ter êxito no seu plano orçamental sob as condições vigentes
de grandes poupanças líquidas no sector privado, era, se quisesse voltar-se com
êxito para um fanatismo mercantilista – que tanto os países excedentários como
os deficitários desenvolvessem substanciais contas correntes excedentárias com
o resto do mundo.
Muito importante, a Secção 5 liga a análise da toxicidade do FEEF-MEE (ver
Secção 4) aos desequilíbrios estruturais nos sectores reais da macroeconomia da
zona do euro, acentuados pelo Pacto Fiscal. Também oferece uma interpretação
nova para o impacto das duas principais intervenções políticas do Sr. Draghi, o
LTRO e o TMD. Em particular, mostra, através de um simples diagrama de fases
(através de um sistema de duas equações diferenciais), como o 'Efeito Draghi'
acalmou o mercado interbancário e o mercado de acções enquanto 'permitiu' que
as placas tectónicas por baixo dessa 'superfície' continuassem a funcionar para
a desintegração da zona do euro.
A secção conclui, resumindo sucintamente, com a sugestão de que nunca antes na
história económica à incoerência lógica foi dada uma expressão constitucional
(o Pacto Fiscal) que a realidade vai fatalmente destruir.
6. Conclusão
Apresento aqui a conclusão do artigo na sua totalidade:
A zona euro foi fundada sobre dois princípios.
Princípio 1 :
Que o seu banco central fosse explicitamente proibido de actuar como um
prestamista de último recurso (para estados e/ou bancos que enfrentam a
insolvência).
Princípio 2 :
O princípio de Dívidas Soberanas Perfeitamente Separáveis.
Assim sendo, estava
montada a cena para o contágio na sequência de uma crise financeira que podia
facilmente levar a que alguns sistemas bancários nacionais e estados
titubeassem sequencialmente à beira da falência. A reacção da Europa foi fundar
uma nova instituição, FEEF-MEE, para contrair empréstimos por conta dos seus
estados membros (ainda) solventes a fim de impedir incumprimentos soberanos.
Infelizmente, a estrutura desse 'veículo de fins especiais' foi tal que, com os
seus títulos impregnados com o cheiro de derivativos tóxicos, provocou um
contágio mais profundo e mais rápido. A certa altura, numa proposta para
impedir a desintegração da União Monetária Europeia, o BCE avançou. Mas, para
ser autorizado a avançar (com os seus programas LTRO e TMD), o BCE teve que
entrar primeiro num Negócio Faustiano com os países excedentários: Em troca de
ser libertado da proibição de actuar como um prestamista de último recurso, o
BCE tinha que se comprometer a usar os seus poderes coercivos a fim de impor a
maior austeridade aos estados membros mais fracos. E assim a 'solução' com base
no BCE piora o quebra-cabeças macroeconómico fundamental da zona euro a fim de
impor uma estabilidade temporária no mercado interbancário e no mercado de
acções.
Este artigo propõe um modelo analítico simples do acima exposto. A sua
conclusão é que, nesta fase da Crise da Zona Euro, a intervenção do BCE
suspendeu o contágio à custa de uma maior incoerência macroeconómica. E como
esta última, inevitavelmente, reforça sempre a primeira, todas as celebrações
acerca da domesticação da Crise vão revelar-se provavelmente uma pura tontice.
05/Março/2012
N.T.
[1] LTRO – Long-Term Refinancing Operation (Operação de Refinanciamento a Longo
Prazo); TMD – Transacções Monetárias Directas
[2] FEEF – Fundo Europeu de Estabilização Financeira; MEE – Mecanismo Europeu
de Estabilidade
[3] CDO – Collateralized debt obligations (Obrigações colateralizadas de
dívida)
O original encontra-se em yanisvaroufakis.eu/... . Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
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