quarta-feira, 24 de abril de 2013

Angola: A DIMENSÃO HUMANISTA DE JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS




Ângela Bragança* - Jornal de Angola

O presente texto pretende abordar a questão da liderança e da dimensão humanista do Presidente José Eduardo dos Santos relativamente à economia nacional em toda a sua linha de pensamento.

Para o efeito recorre a análise do discurso desde a primeira metade da década de 80 do século passado à primeira década de Paz em Angola. O texto faz uma incursão sem ter uma grande preocupação por uma periodização porque entende que apenas interessa apreender a centralidade das questões económicas na governação do país e na criação de condições para o desenvolvimento do território e dos angolanos. Ao mesmo tempo torna o país um destino seguro para o investimento directo estrangeiro.

Assim se compreende a preservação das relações comerciais e económicas entre Angola e muitos países ocidentais no conturbado período da guerra-fria e da guerra civil e o incremento destas relações após a guerra civil.

Preservação das conquistas

Angola durante longos anos viveu uma guerra sem precedentes na história contemporânea africana, com consequências que vão desde a desestruturação das comunidades ao colapso económico e à emergência de novas culturas e tipologias de conflitualidade, resultantes da destruição do tecido produtivo nacional ou do aproveitamento marginal dos recursos naturais pelos senhores da guerra.

A morte do fundador da Nação e primeiro Presidente da República, Dr. António Agostinho Neto, de forte personalidade e traços humanistas que ultrapassam o seu tempo, colocou à jovem Nação o desafio de substituição na condução dos destinos do país que havia prometido ao mundo ser defensor da libertação total da África, uma libertação que não se circunscrevia apenas à dimensão autonómica face aos colonialismos, mas também emancipatória do homem africano. 

O Presidente José Eduardo dos Santos toma posse neste ambiente interno de alguma fragilidade do Estado e sobretudo de grande expectativa interna e de hostilidade internacional, que viria a dominar a substituição e a sua afirmação como estadista de enorme visão, realçada no discurso de tomada de posse, quando afirma que “Neto é de um brio invulgar e estadista genial” para quem a sua substituição não era “fácil nem possível (…) é apenas uma substituição necessária”.

No plano interno enfrenta um conflito, caracterizado por uma forte ingerência de países ocidentais, com todas as consequências no plano económico e se considerar que o modo de produção e a estrutura produtiva colonial é totalmente dependente dos países Ocidentais (principal destino da produção de recursos naturais) facilmente se conclui que a preservação das relações comerciais e económicas com estes países transcendem a lógica da confrontação. Isto mesmo está subjacente na afirmação do Presidente José Eduardo dos Santos quando se dirigia ao Secretário do Estado Adjunto para África do Departamento do Estado em visita a Angola em 9 de Janeiro de 1986:

“Nunca tocámos nos seus interesses económicos no nosso país. O volume de negócios tem aumentado de ano para ano, atingindo já uma média anual superior a um bilião de dólares”. Mais adiante o Presidente afirmava também que “em contrapartida, desde os primeiros momentos da nossa luta pela independência nacional, o povo angolano tem-se defendido da política agressiva e da ingerência nos seus assuntos, levadas a cabo por forças políticas dos Estados Unidos da América”. 

Os primeiros anos de governo do Presidente José Eduardo dos Santos situam-se num período de transição económica que configura iniciativas de definição do modelo de produção e da reorganização da estrutura económica e financeira do país, pois o modo de produção capitalista e de organização económica financeira haviam sofrido um enorme revés com a saída massiva de capitais e recursos humanos especializados.

O partido no poder que, nesse período, exercia o papel dirigente do Estado e da sociedade procurou compatibilizar os imperativos da salvaguarda da soberania nacional com a criação de condições para o asseguramento do desenvolvimento económico e social do país. Nesta etapa de vida do país coexistiram formas distintas de organização económica: economia rural, pequena economia mercantil, capitalismo privado, capitalismo do Estado (empresas mistas) e iniciativas colectivistas de natureza socialista (empresas estatais e cooperativas). Contudo a etapa final definida para esse período de transição era atingir o sistema de planificação centralizada da economia definido nos principais documentos programáticos que impunha um forte controlo estatal da economia.

A intensidade da guerra aliada à fuga de recursos humanos e do capital, antes concentrado em grandes grupos de exploração de recursos mineiros e agrícolas, acentua a degradação económica e social do país como, no seu jeito humanista, reconheceu o Presidente José Eduardo dos Santos em 1986, em mensagem dirigida à nação por ocasião do ano novo:

“Gostava de poder traçar nesta oportunidade um quadro que excluísse a fome, as dificuldades no domínio da assistência médica e medicamentosa, do abastecimento de água potável e outras carências que nos assolam, porém, ainda não podemos fazê-lo porque há vários factores de ordem interna e externa que continuam a dificultar o processo de desenvolvimento acelerado que pretendemos ”.

O desenvolvimento acelerado pretendido assentava na planificação da economia nacional tendo como objectivo fundamental a harmonização territorial por via da eliminação das assimetrias regionais, uma tarefa grandiosa se olharmos para a dimensão da destruição das infra-estruturas económicas, da recuperação das indústrias, da reconstrução da rede de equipamentos sociais e de comunicação, do abastecimento às populações deslocadas dos seus habitat naturais. As dificuldades agravam-se ainda mais quando o Estado é o único produtor e empregador, a banca comercial e as instituições creditícias inexistentes e confronta-se com a necessidade de defender a soberania nacional ameaçada pela invasão sul-africana e intensificação de apoios externos à UNITA.

A difícil transição

A perseverança do Presidente José Eduardo dos Santos no bem-estar do seu povo leva-o a encetar, ainda que de forma tímida, algumas reformas na Administração, delegando para as províncias algumas responsabilidades no desenvolvimento económico e social como reconhece: “algumas províncias iniciaram a execução de programas com acções de carácter económico e social na perspectiva da descentralização da planificação e gestão de tarefas de âmbito local e regional”.

Este passo embora encetado de forma tímida, é seguro na medida em que o Presidente José Eduardo dos Santos fundamenta-o nos seguintes termos: “foi feito o diagnóstico mais profundo da situação económica, analisados os dados macroeconómicos e perspectivadas linhas de força para o exercício eficaz da direcção centralizada da economia”.

Apesar de anunciar que com este passo pretende reforçar a direcção centralizada da economia, a verdade é que este estudo servirá de sustentação para a solidificação das ideias que vão conformar a primeira grande reforma no domínio da economia e finanças. Trata-se de facto da segunda transição depois da que configurou a passagem e definição do sistema económico colonial para o inconclusivo sistema economia de planificação centralizada. Desta vez, a convicção do Presidente é fundamentada também em estudos que lhe conferem uma maior importância e peso político quando em Janeiro de 1988 afirma:

“O plano económico nacional para o ano que começa dentro em breve contempla tarefas do saneamento económico e financeiro e visa em termos gerais três grandes objectivos que podem ser assim enumerados: 1. Aumento do emprego produtivo através do saneamento das empresas; 2. A melhoria do poder de compra salarial mediante o aperfeiçoamento do sistema oficial de abastecimento e o controlo indirecto do mercado paralelo e; 3. Incremento do montante global do consumo, sem comprometer o esforço de acumulação mediante o ajustamento racional dos preços”.

A experiência passada, a consistência do programa, levam o Presidente a definir um prazo que será de dois anos, com início em 1988, antecipando-se ao cataclismo que a economia planificada e centralizada conheceria, mais tarde, com a queda do Muro de Berlim e implosão da URSS.

A antecipação impõe a necessidade do Governo Angolano negociar com os credores a sua dívida externa e criar condições para a reestruturação da economia nacional fora do quadro imposto pelo FMI a vários países africanos e que está na origem do agravamento estrutural das respectivas economias. A este propósito no discurso pronunciado por ocasião da passagem do ano em 1 de Janeiro de 1988 o Presidente afirmava: “o Governo Angolano aprovou o seu pacote de medidas económicas e nesta base mantém e manterá o diálogo com outros Governos, directamente e através do Clube de Paris e Londres ou do Fundo Monetário Internacional e precisará, naturalmente, da compreensão e cooperação dos seus credores tanto no quadro bilateral como no multilateral mas, contudo, deve sublinhar-se que dependerá deles ”.

Paz a todo o custo

Uma negociação difícil que vai revelar-se crucial no período que se seguiu ao desmoronamento do Bloco do Leste um importante parceiro da cooperação, aliás, uma cooperação que ao nível dos países Ocidentais conhece, durante essa década, a imposição de condicionalismos políticos que muitos Estados africanos, em transição de regime, não foram capazes de observar.

No plano interno esta transição é acompanhada da convicção do Presidente de que sem a Paz não é possível assegurar o desenvolvimento económico e social e define como eixo principal da política externa do país o estabelecimento da Paz, uma Paz que como vaticinava Agostinho Neto não deve ser apenas para os angolanos mas para todos os países da Região Austral da África, começando pela independência da Namíbia e terminando com a abolição do Apartheid enquanto sistema segregacionista e detentor do poder destrutivo à escala regional.

A conjugação desta estratégia vai estar na origem das subsequentes transformações regionais e internas, nomeadamente a realização no plano externo daqueles objectivos e no plano interno a institucionalização do multipartidarismo e a transformação do sistema económico para se ajustar ao sistema político liberal com abertura do mercado.

No início do ano de 1990, em mensagem dirigida à nação por ocasião do ano novo, o Presidente José Eduardo dos Santos afirmava: “no domínio económico é nosso objectivo declarado ir acabando paulatinamente com os métodos administrativos de gestão, criar condições económicas financeiras que permitam libertar a iniciativa empresarial e fazer funcionar estímulos económicos, ao mesmo tempo em que procuramos reestruturar os órgãos executivos do aparelho do Estado, reduzindo a burocracia e aumentando a eficácia”.

Os sinais mais evidentes desta abertura foram logo sentidos ao nível empresarial do Estado com o início do processo de privatização de empresas públicas, o aumento do investimento directo estrangeiro no sector da indústria extractiva. Contudo esses sinais iniciais não permanecerão firmes nem consolidados porque o país que tinha alcançado pela primeira vez, em 1991, como os acordos de Paz, voltava a mergulhar novamente numa onda de violência após a rejeição dos resultados das eleições gerais de Setembro pela UNITA, em Novembro de 1992.

Uma década difícil

A década de 90 é verdadeiramente de colapso económico e social, contudo no plano das finanças conhece uma importante revolução com alteração do quadro jurídico e económico no sector da Banca com a abertura ao sector privado da actividade bancária. Com ela surgiram, segundo dados actuais, 18 instituições bancárias, sendo apenas três do Estado e as restantes privadas e passando o Banco Nacional de Angola a banco emissor e supervisor do sistema.
 
Do ponto de vista macroeconómico foi uma década difícil mas que não retirou do Presidente José Eduardo dos Santos a convicção da viabilidade do país, mesmo vivendo este com uma inflação galopante e que corroía o poder de compra dos trabalhadores e o salário. O esforço do Presidente nesta década é visível na preocupação que tem em colocar políticos tecnicamente preparados a dirigirem as finanças e banca nacional. Foi um período que mais ministros das finanças o país conheceu, pois tratava-se de reformar com tecnicidade a economia que estava sob tutela daquele Ministério e combater as causas das disfunções económicas da época: inflação acima de dois dígitos e desemprego progressivo.

À entrada do segundo milénio coincide com as comemorações dos 25 anos de Angola como país independente, nesta ocasião lembrou o Presidente José Eduardo dos Santos que: “passados quase quarenta nos de guerra, com todas as suas consequências no campo social e económico, Angola almeja agora um futuro de paz e progresso. Enquanto caminha em direcção a esse destino, o Governo angolano desenvolve acções concretas para alargar a todo país um clima de segurança, para reconciliar os angolanos, para estabilizar a economia e para dar solução aos ingentes problemas das populações”  (...)

*(Texto adaptado da comunicação da autora ao Colóquio Internacional em Alusão ao 11º Aniversário da Paz em Angola).

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