Raúl M. Braga
Pires, em Rabat – Expresso, opinião
Passado 1 ano do
golpe do 12 d'Abril na República da Guiné-Bissau (RGB), o cenário da
encruzilhada não poderia ser maior, sobretudo após a detenção do Contra-Almirante
Bubo Na Tchuto pela americana Drug Enforcement Agency (DEA), o
qual já desde 2010 fazia parte da lista dos chamados "Barões da
Droga", do Departamento d'Estado americano. Em cima da mesa estava uma
transacção de 4 toneladas de cocaína, da Colômbia para a RGB.
Esta detenção
obedece também a um ajuste de contas entre a DEA e Na Tchuto, já que consta que
este terá assassinado um dos seus melhores agentes nos idos de 2010. De forma
telegráfica, a RGB serviu de refúgio a 3 jihadistas mauritanos
após terem assassinado 4 turistas franceses, no sul da Mauritânia na véspera de
Natal de 2007. Entre fugas e capturas várias após o crime, os 3 assassinos
chegam a Bissau, onde são detidos pelas autoridades locais em colaboração com
serviços d'inteligência estrangeiros, conseguindo evadir-se de novo pouco tempo
depois. Consta também que o conseguiram através da ajuda e influência do
Contra-Almirante agora detido, passando a beneficiar da sua segurança directa.
Os americanos, interessados em deter estes indivíduos, enviam para a RGB
uma espécie de 007 da Agency em África, o qual acaba por cair nas
mãos dos homens de Na Tchuto, sendo mais tarde morto à catanada e com um
sinal claro da presença de extremistas islâmicos no local e no acto, já que o
corpo estava degolado. Este detalhe reforça as desconfianças de que Bubo
Na Tchuto, para além de traficante, terá ligações a células da Al-Qaeda no
Magrebe Islâmico (AQMI) na Mauritânia, na Guiné-Conakri, no Mali e na Gâmbia.
Quanto aos
criminosos mauritanos, foram de novo capturados, enviados para o seu país
d'origem, julgados e condenados à morte, em 2010.
Consequências da
detenção de José Américo Bubo Na Tchuto
a) Percebe-se desta
forma porque que é que as autoridades americanas têm pedido a colaboração do CEMGFA
António Indjai, sendo que ao mesmo tempo não reconhecem as Autoridades Oficiais
Provisórias. O interesse é mútuo, os americanos queriam deter Na Tchuto e
Indjai queria livar-se dum concorrente. Decorria um processo de reabilitação da
figura do Contra-Almirante no seio da instituição militar, a propósito duma
tentativa de golpe d'Estado a 26 de Dezembro de 2011, a qual era acusado de ter
liderado. Nada ficou provado, ou achou-se por bem que assim fosse e, Na
Tchuto já tinha dito publicamente que só aceitaria o processo de reabilitação,
caso fosse reintegrado como CEMGFA, destituindo desta feita o actual, António
Indjai;
b) A primeira
novidade da acusação apresentada pelos americanos é absolutamente demolidora
para as duas principais figuras do Período de Transição. O Presidente
Interino Manuel Serifo Nhamadjo e o Primeiro-Ministro Interino Rui Duarte
Barros, são implicados nas gravações apresentadas como provas pela DEA. Um
"depois de amanhã vou falar com o Presidente da República", terá sido
dito por militar d'alta patente envolvido no negócio, sendo que outros também
referiram noutros momentos que falariam com "o Primeiro-Ministro e
com o Presidente", e que a comissão destes para olharem para o lado
enquanto tudo decorreria, seria de 13% do produto/negócio (aqui não é
claro se do valor da transacção, ou directamente do produto). Ambos gabinetes
já desmentiram e demarcaram veementemente, tanto o PR como o PM destes factos,
mas a verdade é que o estrago já está feito. Mesmo que se venha a provar que
não são verdade e que foram ditos apenas para impressionar, a dúvida vai sempre
pairar.
Uma segunda
novidade, não menos demolidora, é a de que o pagamento da transacção seria
efectuado em armas, incluindo mísseis terra-ar, legitimamente comprados pelo
Estado guineense e depois entregues ao fornecedor da droga, o qual representava
as FARC colombianas (agentes da DEA fizeram-se passar por elementos deste
grupo marxista revolucionário);
c) Que
credibilidade é que este PR e este Governo vão agora ter para continuar o seu
trabalho? Do ponto de vista interno, o assunto "recenseamento
biométrico/eleições" continua por se definir, há já um ano, sendo que o
Período de Transição já foi extendido até ao final do ano, na espectativa de
que tudo s'organize um pouco à portuguesa, em cima do joelho, para umas
eleições com cadernos eleitorais desactualizados desde 2009, uma das
justificações para a recusa da participação na 2ª volta das Presidenciais de há
um ano, por parte de Kumba Ialá e dos restantes candidatos eliminados na 1ª
volta.
Qual a credibilidade
duma prevista remodelação governamental, inclusiva do PAIGC, após este ter
finalmente assinado o Pacto de Transição?
Do ponto de vista
externo, este Governo e Presidência Interinos, até estavam quase a serem
reconhecidos pelas instâncias internacionais, já que estes tinham percebido a
inevitabilidade dos respectivos apoios para que o calendário eleitoral fosse
cumprido. A determinada altura, pareceu-me que tudo dependeria dum acordo
prático que tardou. Marcava-se uma data concreta para a realização das eleições (com
ou sem recenseamento biométrico, perdeu-se demasiado tempo nesse debate), aquando
duma das reuniões magnas da CEDEAO, a União Africana apoiava, reconhecia o
Período de Transição, o que permitiria a que as restantes instituições também o
fizessem, sobretudo depois das boas vontades das Nações Unidas em nomearem
Ramos-Horta seu representante e também após já este ano o regresso do FMI.
E agora, como fica?
Alguém vai reconhecer? Sem reconhecimento não há financiamento e sem
financiamento não há eleições. Continua-se a correr o risco, mas agora ainda
mais que há um ano, da Comunidade Internacional pura e simplesmente
abandonar a RGB e esta ficar ao nível da Somália, conforme já foi aventado pelo
Secretário-Geral Ban Ki Moon e passar a ter golpes d'estado, mas de bairro e
diários. Haverá certamente sectores na RGB e arredores, interessados em que
assim seja e que o poder caia na rua. A RGB pode correr o risco de
desaparecer, como já muito bem advogaram o antigo Embaixador Francisco
Henriques da Silva, o Representante do Secretário-Geral da ONU Ramos-Horta e
demais entendidos no país e na região;
d) Para além
da Primatura e da Presidência, a instituição militar também sai muito mal na
fotografia. Nas notícias que saiem a público fala-se em oficiais d'alta patente
envolvidos, que por ora os nomes são omitidos, mas que muito provavelmente
virão a público a partir do próximo dia 15, data do início do julgamento
em Nova York. Com a perspectiva duma mais que certa sentença de prisão
perpétua, o mais certo é que os detidos aceitem colaborar e abram jogo,
garantindo a redução de penas.
Por outro lado, o Capitão
Pansau N'Tchama também está a ser julgado em Bissau, tendo já
"disparado" em várias direcções militares e civis (ver gbissau.com )
Quem se aguentará
no Poder em Bissau, no meio deste fogo cruzado? Certamente que haverá
sectores, indivíduos que optarão por uma fuga para a frente, numa lógica de
"perdido por 1, perdido por 1000".
O cenário poderá
ser catastrófico, com um regresso a uma guerra nunca tão sangrenta como agora,
baseada nas disputas pessoais, ajustes de contas antigos, tensões étnicas e
agora religiosas também, sobretudo entre muçulmanos sunitas e xiítas. Um dado
novo e recente, este último.
A Guiné-Bissau no
contexto da guerra do Mali
O problema do
tráfico de droga, trata-se duma questão de dimensão regional e não apenas da
RGB. Ora se um dos objectivos da intervenção militar francesa no norte do
Mali é o de eliminar os grupos jihadistas que aí encontraram guarida,
então convém começar a tratar do assunto a montante, precisamente na RGB,
evitando a entrada da droga, cujos dinheiros irão alimentar estes grupos, a par
do tráfico d'armas e outros, já que nestas zonas inóspitas do Sahel tudo se
trafica, incluindo pessoas/crianças.
Neste sentido,
parece-me que a abordagem levada a cabo desde o exterior está a ter esta
dimensão e esta coordenação regional.
A grande
preocupação actual da CEDEAO relativamente ao Mali, é a de começar a trabalhar
os mecanismos burocráticos e legais, para em breve transformar a AFISMA* numa
Missão de Peacekeeping. Ora seguindo a lógica da abordagem regional,
poderá estar no programa o alargamento/extensão no futuro desta Missão de
Manutenção de Paz para a RGB. Mas para que a paz seja mantida, parece-me que
primeiro é necessário que haja guerra, cenário cada vez mais provável de acordo
com os acontecimentos da última semana.
Como nota final,
uma curiosidade local, um wishfull thinking bissau-guineense
transversal a toda a sociedade. É normal ouvir-se nas conversas de salão e de
café, na RGB e junto da diáspora o seguinte desabafo: "Isto só lá vai
com o país a ser governado pelas Nações Unidas", numa alusão clara à
presença e exercício da UNTAET em Timor-Leste entre 1999 e 2002, a qual deteve
de facto totais poderes executivos, legislativos e judiciais no país. Ora a
chegada de Ramos-Horta à RGB veio certamente alimentar esta chama, a qual
norteará cada vez mais o cidadão comum da RGB à medida que a situação se for
deteriorando. Há a noção da necessidade duma purga. Mais uma, mas que dada
a gravidade e insistência da situação, se pretende que seja benígna e a última!
* African-led
International Support Mission to Mali (AFISMA).
Para visualizar
alguns dos videos efectuados na RGB e publicados no Blogue do Parlamento
Global, carregar AQUI .
Raúl M. Braga Pires
escreve de acordo com a antiga ortografia
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