EL PAÍS, MADRID
– Presseurop, em 22 março 2013
O colapso
financeiro que a Islândia sofreu em 2008 costuma ser interpretado como um
laboratório de perguntas e respostas sobre a crise, sendo pois conveniente
tomar nota de algumas soluções. Ao contrário do Sul da Europa, onde os cortes e
a subida de impostos incidiram especialmente na cultura, desde 2008 que este
país de 320 mil habitantes e do tamanho de Portugal se voltou para o setor das
indústrias criativas. O impacto económico dessa atividade (cerca de €1000
milhões) duplica o da agricultura e vem logo a seguir ao da lendária máquina de
exportação de bacalhau (e outros produtos do mar) para o mundo continental,
sendo esta a primeira indústria da ilha. Tudo isto graças, em parte, a uma
mulher franzina de 37 anos — a ministra da Cultura — que assumiu uma postura
firme nos quatro anos de Governo e não permitiu que lhe dissessem: “Para que
serve dar dinheiro aos artistas?”. Pelo contrário, transformou os artistas em
protagonistas do recente êxito económico.
Hoje, a taxa de
desemprego é de 5,7% e o país cresce a um ritmo de 3%. É verdade que a
moeda foi desvalorizada e se evitou o resgate aos bancospagando-se a dívida
externa. Mas grande parte desta prosperidade também se deve a esta estratégia
do New Deal artístico. E tudo pode alterar-se no próximo dia 27 de
abril, quando a Islândia realizar as primeiras eleições depois de o país ter
começado a superar a crise. A memória é curta. O partido conservador, que se
manteve a governar quando tudo o resto soçobrou (a Bolsa chegou a cair 90% e o
PIB desceu 7%), é hoje o favorito nas sondagens. A coligação formada pelo
Partido Verde e os social-democratas, a que pertence a primeira-ministra
Jóhanna Sigurdardóttir (a primeira mulher a ocupar este cargo), tem uma tarefa
difícil pela frente. A titular da pasta da Cultura, Katrín Jakobsdóttir, o
rosto mais carismático, não esconde isso mesmo. Recebe El País e analisa
o seu mandato, simbolicamente empenhado na construção do espetacular
Harpa, um incrível auditório no porto de Reiquiavique, que se avista do seu
gabinete. Quando a crise chegou, a construção parou. A ministra empenhou-se em
transformá-lo numa metáfora do que tinha entre mãos: criar riqueza fomentando
as artes.
Cultura como fator
económico importante
“Vemos a cultura
como base das indústrias criativas, uma parte cada vez mais importante da nossa
economia. Quando me nomearam para o Ministério, encarei o meu mandato como uma
questão de sobrevivência. E é isso que pretendo que as pessoas compreendam: a cultura
é um fator económico muito importante. O dinheiro que este setor gera iguala o
de toda a indústria do alumínio.
O Governo fez
cortes estruturais. Reduziu ministérios e gastos fixos. Mas aumentou o
investimento em projetos culturais independentes. Uma mistura de tecido
público/privado muito ágil mas que, de modo algum, implica a renúncia do Estado
na gestão da cultura e da educação.
Há música por todo
o lado. Oitenta por cento dos jovens (sobretudo nas pequenas povoações) estuda
um instrumento e solfejo, e isso traduz-se em dezenas de bandas com prestígio
internacional. A paisagem continua a ser o primeiro polo de atração de
turistas. Mas, segundo dados recentes, 70% dos jovens são atualmente atraídos
pela música. Esse facto já era conhecido em 2006, quando se criou o serviço de
exportação musical do país, dirigido por Sigtryggur Baldursson, ex-baterista
dos Sugar Cubes, a banda com a qual Björk começou a sua carreira e graças à
qual teve início a lenda da sonoridade islandesa. Segundo este organismo, no
ano passado 43 bandas atuaram fora da Islândia.
Paralelamente, a
indústria de software e de videojogos cresceu exponencialmente. “É
uma área relacionada com a cultura e emprega muita gente deste setor, como é o
caso dos ilustradores”, explica a ministra. No cinema, há uma nova lei que
reembolsa o custo de qualquer filme rodado na Islândia aos produtores. Ridley
Scott rodou Prometheus [Prometeu] no país, e Darren Aronofsky fez o
mesmo com A Arca de Noé.
Grupos de trabalho
e um Ministério de Ideias
No meio da euforia
e do livre acesso ao crédito, muita gente disse que este seria o único caminho
possível para a Islândia. Andri Magnason publicou, em 2006, Dreamland: A
self-help manual for a frightened nation. [Terra de sonho: Um manual de
auto-ajuda para uma nação assustada, não traduzido em português] Um livro onde
denuncia um modelo económico baseado no dinheiro fácil da especulação. “Durante
os anos de prosperidade, o Governo concentrou esforços na expansão dos bancos,
do alumínio e da energia hidráulica que estava a destruir a natureza. Havia
quem quisesse ver uma economia baseada na criatividade e não no dinheiro
fácil.” Estabeleceu-se então uma estranha aliança entre os protetores da
natureza e “os crâneos dos computadores”, recorda Magnason.
Björk e outras
figuras-chave da ilha ficaram atentas. “Quando a crise chegou, havia um
movimento de raiz onde estavam envolvidos muitos jovens.” Criaram-se grupos de
trabalho no que viria a chamar-se Ministério de Ideias, uma antiga fábrica nas
imediações de Reiquiavique. Mas Magnason reconhece o papel importante do
Governo. “Apareceram mais teatros, o mercado literário floresceu (60 escritores
têm apoio um ano inteiro), a produção cinematográfica aumentou e o mesmo
aconteceu na cena musical. E todo este apoio repercute-se na economia. As artes
não são um projeto paralelo da boa economia, estão na base do seu estado de
saúde.” E por que motivo pensam as pessoas votar outra vez no partido
conservador? “Têm saudades dos seus Range Rover”, explica o músico Ólafur
Arnalds num café de Reiquiavique.
Persiste igualmente
a dúvida se este modelo seria exportável para países como Espanha e Itália, com
150 vezes mais habitantes e onde os problemas económicos também registam esta
proporção. Magnason acha que sim. “Pode aplicar-se à maioria dos países. O
problema na Europa, especialmente em Itália e Espanha, é haver tanta gente nova
sem ocupação, ou numa situação invulgar, com um Governo e uma indústria
incapazes de definir o seu papel. Assim, nunca irão usar toda a sua
criatividade.” Talvez seja preciso tocar ainda mais no fundo.
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