Luís Fernando - O País - hoje
Definitivamente,
com provas e testemunhos que se estendem no tempo e replicam, Luanda, a capital
da República de Angola, não é cidade para suportar cargas pluviométricas.
A chuva, esse
fenómeno benfazejo que África inteira associa à fecundidade da terra – pressupondo
mais alimentos e menos penúria -, assusta os luandenses que se encafuam num
caótico pedaço de uma geografia como se os limites de Angola fossem já ali, a
dois palmos do nariz. Seja muita ou pouca a cair, a cidade lida sempre mal com
a água que do alto se precipita porque redunda, regra geral, em inundações e
correntezas perturbadoras do ritmo de vida dos seus habitantes.
O passado sábado, 6
de Abril, foi mais uma daquelas jornadas de chuva com prejuízos monstruosos,
tanto no plano físico como psicológico, amontoando-se as perdas humanas (mais
de uma dezena, entre óbitos confirmados e pessoas desaparecidas) e os cifrões
em casas destruídas, viaturas arrastadas, electrodomésticos a flutuar e
mobiliário inutilizado. Vista de cima, a cidade mais parecia uma ilha naufraga atravessada por canais entupidos de lixo e imundice de todos os formatos e
proveniências.
Se há uma
mobilização geral que funciona, lembrando e, em grande medida, superando até os
tempos delirantes da utopia comunista com as idas ao corte de cana, colheita de
café ou a alfabetização de adultos, é claramente a chuva em Luanda: na
periferia, os moradores socorrem-se do que existir por perto para se manterem à
tona depois de atirados para ilhotas de isolamento; nas ruas o trânsito desacelera
porque os buracos que se sabe ali estarem ganharam a opacidade que pode
significar o fim do automóvel que se guia; os peões entregam-se à sorte da
roleta porque tanto podem chegar a casa intactos como sugados pela tampa
inexistente de um esgoto camarário; e até em insuspeitas e garbosas vias como a
Marginal de Luanda o cúmulo de águas amedronta os mais temerários.
Não há indiferenças
que valham na grande cidade quando o assunto é chuva, uma verdadeira e
democrática partilha de dissabores. O que muda apenas será a proporção com que
chegam aos ‘contemplados’ as chatices, sobrando o terror geralmente para os
pior instalados.
Os relatos penosos
que ficam como rescaldo deste recente acosso pluviométrico de Abril envolvem os
vizinhos das linhas de água, as célebres valas de drenagem que transbordaram
com uma fúria selvagem, sem tempo útil para planos de fuga. Há, como mágoa
suprema, a vida perdida de uma criança de apenas dois anos que a queda de uma
parede esmagou.
Revistas as imagens
que num repente se fizeram populares na media e nas redes sociais, mais o que
se pode ainda verificar presencialmente depois de uma semana– charcos que
persistem e lagoas que subiram de nível ou surgiram do zero -, poder-se-á
arriscar o palpite de que, apesar de tudo, houve generosidade vinda sem que se
saiba bem de onde, pois a violência das águas, a força da correnteza, o caos
dos destroços em circulação e a surpresa dos buracos, das valas, das ravinas e
dos deslizamentos de terra, poderiam perfeitamente ter multiplicado por muito
mais os números da tragédia.
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