Emir Sader – Carta Maior,
em Blog do Emir
A Europa ocidental
protagonizou três décadas – chamadas de “gloriosas” – de Estado de bem-estar
social que incluía, entre tantas conquistas, o pleno emprego. Hoje, o
desemprego corrói o tecido social, a austeridade impõe recessão e os mais
frágeis pagam a conta.
Tudo começou há exatamente 30 anos, quando Mitterrand, depois de governar o
primeiro ano com o projeto histórico da esquerda – nacionalizações, Estado
indutor do crescimento economia, extensão dos direitos sociais – mudou seu rumo
e aderiu ao projeto neoliberal, triunfante sob o comando de Reagan e da
Thatcher.
A França dava as costas à solidariedade com os países da periferia, para se
transformar em sócio subordinado do bloco anglo-saxão. A social democracia
abandonava seu projeto de “democratizar o capitalismo”, para somar-se às
posturas de atender às demandas do capital financeiro ascendente.
Esse imenso retrocesso foi possível quando foram sendo abandonados os
princípios do Estado de bem-estar social, que supõe um Estado regulador, para a
centralidade do mercado, que impõe as necessidades do grande capital.
A França tinha sido, nas décadas desde o pós-guerra, a vanguarda do pensamento
progressista no continente, que tinha como contrapartida a presença do
movimento operário no plano social e dos partidos socialista e comunista no
plano político.
As mudanças radicais no cenário político se deram pela combinação entre o fim
do da URSS – referência central para o PCF – e a virada mundial para a
hegemonia neoliberal, a que o PSF aderiu. A esse quadro se somou a imigração,
que foi profundamente explorada pela direita e, particularmente pela
extrema-direita, usando a ideologia chauvinista de rejeição aos trabalhadores
imigrantes, que supostamente colocavam em risco a situação dos trabalhadores
franceses.
A França, que tinha sido caracterizada por Engels como o “laboratório de
experiências políticas”, por 1789, 1848, a Comuna de Paris de 1871, que
continuaria no século XX com o governo de Frente Popular nos anos 1930 e pelas
barricadas de 1968, mudou radicalmente.
A extrema-direita passou a ser o partido majoritário na classe operária
francesa, na frente dos comunistas e dos socialistas.
Foi um elemento a mais da virada ideológica que tornou a França o elo mais
conservador na Europa. A comemoração dos 200 anos da Revolução Francesa – como
disse Eric Hobsbawn – foi conduzida pelos seus inimigos. Hoje, enquanto nos EUA
consegue-se maioria para a posição a favor do casamento dos homossexuais, a
França – outrora país dos mais avançados valores – consolida uma posição
majoritária contra o reconhecimento do casamento homossexual.
O presidente da França, François Hollande, foi eleito pelo voto anti-Sarkozy,
pelo desgaste da austeridade e do estilo demagógico e autoritário do seu
antecessor. Mas Hollande não representa uma plataforma antineoliberal, no
máximo um descontentamento com a aplicação alemã da austeridade sem
contrapontos.
Por isso, Hollande aumentou os impostos, como única medida importante do seu
governo. Hoje ele é o presidente francês com menor apoio político – 30% –,
depois de ter sido eleito, há 10 meses, com 55%. Recaiu rapidamente sobre ele a
maldição da austeridade, que derrota todos os governos que a implementam. A
exceção pode ser a Alemanha, onde se realizam este ano as eleições mais importantes
da Europa atualmente.
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