António Veríssimo
“Eu tive um sonho”
– disse Martin Luther King num dos seus discursos em que empolgava e abria
mentes à população negra dos Estados Unidos da América vítima da segregação
racial. Pois eu também posso dizer que tive um sonho aos que eventualmente
tenham a paciência de ler este jogo de letras que são as palavras. Onde se exprimem sentimentos e tudo que considerarmos ser de vontade partilhar
comunicando.
No sonho em questão
considero que havia algumas semelhanças com o sonho de Martin Luther King. Ele
combatia a segregação racial e sonhava que os negros norte-americanos deviam
ter os mesmos direitos que todos os outros norte-americanos em vez de serem
considerados cidadãos de segunda ou terceira categoria. No meu sonho o combate
tem que ver com a segregação social que um governo e um presidente da República
tudo têm feito e aprovado para levar avante com sucesso. Na realidade estão a
conseguir. A segregação social, o terrorismo social, alastra de dia para dia.
Por mais que os portugueses se manifestem contra a situação. Governantes e
presidente da República desvalorizam e demonstram que ignoram a realidade das
consequências do desemprego, da miséria e da fome que vitima cada vez mais
população.
Nas manifestações
reativas e contestatárias nos EUA dos tempos de Luther King os negros criaram
formas de luta que iam desde a desobediência civil a manifestações de puro
simbolismo com uma componente cívica e política que era impossivel de ignorar e
que contribuiu para alertar consciências, apoiantes, indignados contra a
segregação na população caucasiana (branca). A segregação teve o seu fim.
Também Luther King findou, assassinado pelo estado norte-americano. Foi-se o
homem, o líder, o sonhador, mas os EUA pularam e avançaram. As leis que
segregavam os negros norte-americanos findaram. As mentalidades
segregacionistas é que foram e são as mais difíceis de findar. Mas quase tudo
ficou teórica e praticamente melhor.
O meu sonho foi em
português e passado em Portugal. Imaginem um país de palhaços… tristes. Que é
como andam os portugueses pelas ruas. Tristes. Por vezes até muito tristes.
Demais. Presumo que o que despoletou aquele sonho foi a cegarrega da palhaçada
Cavaco Silva-Beppe Grillo. Melhor dito: por causa da entrevista em que Miguel
Sousa Tavares diz que “Nós já temos um palhaço, chama-se Cavaco Silva…”, em
resposta à pergunta dos jornalistas do Jornal de Negócios se agora com eleições
Portugal não correria o risco de ver acontecer o mesmo que em Itália e elegerem
com votação substancial um Beppe Grillo português, que de profissão é
comediante, palhaço. Mas que políticamente é um desastre, criticável, nada vale. Ou seja: patentear o enormíssimo descrédito que os
políticos atingiram, incluindo Cavaco Silva.
E então por isso
Miguel Sousa Tavares está a contas com a justiça. Cavaco fez queixa à PGR,
pediu um inquérito, e o processo é para andar, tal qual dizem as notícias.
Pelo visto Cavaco
ofendeu-se. Não quer ser olhado como palhaço. Vá-se lá compreender porque é que
tem feito tanta palhaçada. Citar uma por uma seria demais. Ele são os tabus de
seu vício preferido (todos conhecem), são os seus silêncios, são as suas
calinadas no português (a última foi os “cidadões”), são as suas
choraminguisses ao estar preocupado com os cortes nas suas reformas e dar a
entender que não sabe como irá sobreviver por ser atingido pelas medidas de
austeridade, são as suas declarações à falta de equidade de medidas tomadas
pelo governo do seu correlegionário Passos Coelho e que parece reprovar, assim
como a “espiral recessiva”, para depois deixar perceber que não demite o
governo, que é anti-eleições, que está de alma e coração com Passos e com Portas,
com a alegada maioria que já não colhe a aprovação do país e que que é
maioritariamente contestada.
É evidente que aos
olhos dos portugueses tudo isto são palhaçadas. Uma força de expressão popular
para definir as sinuosidades dos políticos e também de Cavaco Silva. Por certo
que Miguel Sousa Tavares quando usou o termo “palhaço” – arrastado pela
pergunta e pela realidade da situação - foi nesse contexto que respondeu
daquele modo. É indubitável que tudo isto não passa de palhaçada e que quem faz
palhaçada é palhaço no dizer popular dos portugueses. Mesmo o facto de a
sensibilidade de Cavaco ter despertado para o termo “palhaço” e se sentir
melindrado não passa de palhaçada e de muitíssima distanciação da realidade e
das expressões gulosadas ditas pelos portugueses que, sem quererem ofender, dizem
assim por reprovarem políticas ou condutas de figuras públicas, como o dizem
deste ou daquele amigo ou colega, deste ou daquele vizinho. Claro que se
colecionarmos as gafes e certas declarações e posições de Cavaco Silva o
sentimos como o Beppe Grillo português. Sem maldade mas constatando
figurativamente um facto.
Então? No nosso
imaginário, com tanta palhaçada, Cavaco Silva é ou não o nosso Beppe Grillo
português? Sem ofensa.
Aquietem-se. O
sonho que tive não ficou esquecido. Foi um sonho simples num país de palhaços
tristes e pobres com um palhaço rico em Belém e outros palhaços ricos um pouco
salpicados por aqui e ali. Isto porque ricos, mesmo ricos, em Portugal são
muito poucos. São só uns quantos. Daí o fosso ser enorme entre pobres e ricos.
Graças às injustiças que certos políticos implementam depois de serem eleitos a
prometer produzir mel quando o que fazem quando tomam o poder é produzirem fel.
Grandes palhaçadas.
Por isso, no sonho,
todo o povoléu em Portugal andava nas ruas com nariz de palhaço, uma componente
cívica e política impossível de ignorar. Tristes mas com nariz de palhaço. Por
forma a demonstrar a Cavaco e aos políticos na sua maioria aquilo que
representam e têm representado para o país, para o povo. E assim, finalmente,
com manifestação tão pacífica mas repleta de significado, políticos, Cavaco e
governo entenderiam tudo num ápice e tomariam posições contrárias ao atual
terrorismo social em prática, à segregação social que têm vindo a abençoar com
aparente regozijo. Um sonho de palhaços que talvez também mereça ficar a contas
com a justiça. Que se prendam os sonhos, já agora, e que fiquem retidos às
ordens dos palhaços que com falsas promessas e falsos perfis tomaram os
poderes.
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