SÉRGIO C. ANDRADE - Público
Prémio, que tem o
valor de 100 mil euros, foi anunciado ao princípio da noite desta segunda-feira
no Rio de Janeiro.
O vencedor do
prémio literário mais importante da criação literária da língua portuguesa é o
escritor moçambicano autor de livros como Raiz de Orvalho,Terra Sonâmbula e A
Confissão da Leoa . É o segundo autor de Moçambique a ser distinguido,
depois de José Craveirinha em 1991.
O júri justificou a
distinção de Mia Couto tendo em conta a “vasta obra ficcional
caracterizada pela inovação estilística e a profunda humanidade”, segundo disse
à agência Lusa José Carlos Vasconcelos, um dos jurados.
A obra de Mia
Couto, “inicialmente, foi muito valorizada pela criação e inovação verbal, mas
tem tido uma cada vez maior solidez na estrutura narrativa e capacidade de
transportar para a escrita a oralidade”, acrescentou Vasconcelos. Além disso,
conseguiu “passar do local para o global”, numa produção que já conta 30
livros, que tem extravasado as suas fronteiras nacionais e tem “tido um grande
reconhecimento da crítica”. Os seus livros estão, de resto, traduzidos em duas
dezenas de línguas.
Do júri,
que se reuniu durante a tarde desta segunda-feira no Palácio Gustavo
Capanema, sede do Centro Internacional do Livro e da Biblioteca Nacional,
fizeram também parte, do lado de Portugal, a professora catedrática da
Universidade Nova de Lisboa Clara Crabbé Rocha (filha de Miguel Torga, o
primeiro galardoado com o Prémio Camões, em 1989), os brasileiros Alcir Pécora,
crítico e professor da Universidade de Campinas, e Alberto da Costa e Silva,
embaixador e membro da Academia Brasileira de Letras, o escritor e professor
universitário moçambicano João Paulo Borges Coelho e o escritor angolano José
Eduardo Agualusa.
Também em
declaração à Lusa, Mia Couto disse-se "surpreendido e muito
feliz" por ter sido distinguido com o 25º. Prémio Camões, num dia
que, revelou, não lhe estava a correr de feição. “Recebi a notícia há meia
hora, num telefonema que me fizeram do Brasil. Logo hoje, que é um daqueles
dias em que a gente pensa: vou jantar, vou deitar-me e quero me apagar do mundo.
De repente, apareceu esta chamada telefónica e, obviamente, fiquei muito
feliz”, comentou o escritor, sem adiantar as razões.
O editor português
de Mia Couto, Zeferino Coelho (Caminho), ficou também “contentíssimo” quando
soube da distinção. “Já há muitos anos esperava que lhe dessem o Prémio Camões,
finalmente veio”, disse ao PÚBLICO, lembrando que passam agora 30 anos sobre a
edição do primeiro livro de Mia Couto em Moçambique, Raiz de Orvalho.
O escritor não virá
à Feira do Livro de Lisboa, actualmente a decorrer no Parque Eduardo VII,
porque esteve na Feira do Livro de Bogotá, depois foi para o Canadá e só
recentemente voltou a Maputo. Zeferino Coelho espera que o autor regresse a
Portugal na rentrée, em Setembro ou Outubro.
Nascido em 1955, na
Beira, no seio de uma família de emigrantes portugueses, Mia Couto começou por
estudar Medicina na Universidade de Lourenço Marques (actual Maputo). Integrou,
na sua juventude, o movimento pela independência de Moçambique do colonialismo
português. A seguir à independência, na sequência do 25 de Abril de 1974,
interrompe os estudos e vira-se para o jornalismo, trabalhando em publicações
como A Tribuna,Tempo e Notícias, e também a Agência de
Informação de Moçambique (AIM), de que foi director.
Em meados da década
de 1980, regressa à universidade para se formar em Biologia. Nessa
altura, tinha já publicado, em 1983, o seu primeiro livro de poesia, Raiz
de Orvalho.
"O livro
surgiu em 1983, numa altura em que a revolução de Moçambique estava em plena
pujança e todos nós tínhamos, de uma forma ou de outra, aderido à causa da
independência. E a escrita era muito dominada por essa urgência política de
mudar o mundo, de criar um homem e uma sociedade nova, tornou-se uma escrita
muito panfletária”, comentou Mia Couto em entrevista ao PÚBLICO (20/11/1999),
aquando da reedição daquele título pela Caminho.
Em 1986 edita o seu
primeiro livro de crónicas, Vozes Anoitecidas, que lhe valeu o prémio
da Associação de Escritores Moçambicanos. Mas é com o romance, e nomeadamente
com o seu título de estreia neste género, Terra Sonâmbula (1992), que
Mia Couto manifesta os primeiros sinais de “desobediência” ao padrão da língua
portuguesa, criando fórmulas vocabulares inspiradas da língua oral que irão
marcar a sua escrita e impor o seu estilo muito próprio.
“Só quando quis
contar histórias é que se me colocou este desafio de deixar entrar a vida e a
maneira como o português era remoldado em Moçambique para lhes dar maior força
poética. A oralidade não é aquela coisa que se resolve mandando por aí umas
brigadas a recolher histórias tradicionais, é muito mais que isso”, disse, na
citada entrevista. E acrescentou: “Temos sempre a ideia de que a língua é a
grande dama, tem que se falar e escrever bem. A criação poética nasce do erro,
da desobediência.”
Foi nesse registo
que se sucederam romances, sempre na Caminho, como A Varanda do Frangipani (1996), Um
Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra (2002 – que o realizador José
Carlos Oliveira haveria de adaptar ao grande ecrã), O Outro Pé da Sereia (2006), Jesusalém (2009),
ou A Confissão da Leoa (2012). A propósito dos seus últimos
livros, o escritor confessou algum cansaço por a sua obra ser muitas vezes
confundida com a de um jogo de linguagem, por causa da quantidade de palavras e
expressões “novas” que neles aparecem.
Paralelamente aos
romances, Mia Couto continuou a escrever e a editar crónicas e poesia – “Eu sou
da poesia”, justificou, numa referência às suas origens literárias.
Na sua carreira,
foi também acumulando distinções, como os prémios Vergílio Ferreira (1999, pelo
conjunto da obra), Mário António/Fundação Gulbenkian (2001), União Latina de
Literaturas Românicas (2007) ou Eduardo Lourenço (2012).
Nas anteriores 24
edições do Prémio Camões, Portugal e Brasil foram distinguidos dez vezes cada,
a última das quais, respectivamente, nas figuras de Manuel António Pina (2011)
e de Dalton Trevisan (2012). Angola teve, até ao momento, dois escritores
citados: Pepetela, em 1997, e José Luandino Vieira, que, em 2006, recusou o
prémio. De Moçambique fora já premiado José Craveirinha (1991) e de Cabo Verde
Arménio Vieira (2009).
Criado por Portugal
e pelo Brasil em 1989, e actualmente com o valor monetário de cem mil euros,
este é o principal prémio destinado à literatura em língua portuguesa e
consagra anualmente um autor que, pelo valor intrínseco da sua obra, tenha
contribuído para o enriquecimento do património literário e cultural da língua
comum.
Com Isabel Coutinho
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