Benjamim Formigo –
Jornal de Angola, opinião
O último mandato do
44º Presidente dos Estados Unidos terminará, restam poucas dúvidas, sem que a
prisão de Guantánamo seja encerrada e mais de uma centena de pessoas
continuarão detidas sem culpa formada ou a aguardar julgamento por tempo
indefinido.
Barack Obama, como
sabemos, foi eleito perante imensas expectativas, quer ao nível interno quer
internacionalmente. De tal modo importantes foram essas expectativas que o
Comité Nobel não hesitou em Outubro de 2009, dez meses após a sua posse como
Presidente dos Estados Unidos, em lhe atribuir o Prémio Nobel da Paz pelo “seu
esforço extraordinário para reforçar a diplomacia internacional, a cooperação
entre os povos (...) contribuir para a não proliferação nuclear (...) e a sua
aproximação ao Mundo Árabe (...)”. Quatro anos depois, as razões do Comité
Nobel não parecem ter sido muito fundamentadas e mais um estímulo a que o 44º
Presidente dos EUA estivesse à altura do que o mundo esperava dele.
Claro que Obama não tem culpa de, em torno da sua eleição, se terem criado
expectativas por vezes irrealistas. Das promessas eleitorais do Presidente
existe uma vaga noção da retirada de tropas americanas das guerras em que o seu
antecessor George W. Bush envolveu os Estados Unidos.
A política externa da Casa Branca de Obama oscila entre a moderação e a
hesitação, contradiz-se, substitui a intervenção militar pelas operações
secretas da CIA (caso dos ataques de “drones”). Não consegue fazer a ponte com
a União Europeia, mas reforça posições militares na Ásia, assumindo implicitamente
que a ameaça aos EUA se transferiu da URSS (defunta) para o arco Ásia–Pacífico,
onde pontifica a China. Nas últimas semanas, as posições relativamente ao
alegado uso de armas químicas na Síria têm feito oscilar o Presidente. Depois
de ter traçado “uma linha vermelha” (nas suas palavras), recua, exigindo,
prudentemente, provas de que foram usadas e por quem. Se no exterior se pode
simpatizar com a prudência de Barack Obama, contrastando com o seu antecessor,
internamente o Presidente parece “fraco” ou “hesitante”. Porém, se em vez desta
prudência Obama enviasse os “marines” ou a USAF para a Síria, saltaria do
“fraco” ou “hesitante” para “aventureiro” ou “patriota”. Mesmo que essa decisão
se viesse a revelar a mais errada.
A agenda interna de Barack Obama foi, desde logo, atingida pela falência do
“Lehman Brothers” e outros, além da quase falência do sistema bancário a que a
Administração teve de acorrer sem contudo conseguir evitar uma profunda crise
financeira e económica que contagiou o resto do mundo, em especial os europeus
que investiam nos mesmos fundos duvidosos que levaram à crise dos “sub primes”.
À crise económica nos EUA respondeu Obama com regulamentações, injecção de
dinheiro na economia, deixando que o défice federal crescesse, permitindo um
crescimento, embora lento, que tem criado mais de 120 mil postos de trabalho
por mês, ao contrário da política europeia. Todavia, os programas sociais do
Presidente foram severamente atingidos, sobretudo porque o Congresso,
designadamente a Câmara dos Representantes, passou para a maioria republicana
em 2010, pondo praticamente fim à agenda interna do Presidente.
Sem ser exaustivo nas realizações e falhanços de Barack Obama, não é possível,
contudo, deixar de fazer uma mini resenha destes anos para abordar a questão
central deste escrito: a prisão de Guantánamo. Barack Obama, antes de entrar na
política, passou por duas das melhores e mais liberais Universidades
americanas. Advogou, em Boston, a favor dos Direitos Cívicos, ensinou Direito
Constitucional, trabalhou com a comunidade no Massachusetts e no Illinois, fez
parte do Senado do Illinois até ser eleito em 2004 para o Senado. Quando, em
2007, começou a sua candidatura presidencial no Partido Democrata, Barack Obama
era o Homem dos Direitos Humanos, da Justiça, a Igualdade. Um exagero, é certo,
mas fundamentado no seu curriculum profissional e político. Não espantou, pois,
a sua promessa de fazer regressar as tropas americanas, pondo termo às
aventuras de George W. Bush, e menos ainda que afirmasse como meta o
encerramento de Guantánamo, fazendo regressar a legalidade e promovendo a
igualdade entre cidadãos. Recorde-se que o campo de detenção de presumíveis
terroristas foi implantado em Guantánamo, Cuba, por estar fora de território
americano e, portanto, não ser abrangido pela Lei Federal.
Na verdade, Guantánamo tornou-se um limbo onde estão encerrados 166
prisioneiros, a esmagadora maioria dos quais sem culpa formada. Muitos, segundo
o “Washington Post”, nunca serão levados a julgamento por falta de provas
incriminatórias. São 166 prisioneiros que não têm um limite para a sua prisão
preventiva, chamemos-lhe assim.
Dias depois de tomar posse, a 20 de Janeiro de 2009, Barack Obama assinou
ordens executivas e memorandos presidenciais determinando a preparação da
retirada das tropas americanas do Iraque e o encerramento do campo de
concentração de Guantánamo. “Não se iludam, vamos fechar a prisão de
Guantánamo”, foi a frase repetida pelo Presidente. A ordem executiva foi
torpedeada pelo Congresso, que recusou os fundos pedidos pelos militares para
transportarem os prisioneiros para os EUA ou outros países.
Na semana passada, Barack Obama voltou a manifestar a sua intenção de encerrar
o limbo de Guantánamo. O Presidente, publicamente, pressionou o Congresso,
responsabilizando-o por não libertar fundos para o encerramento do centro de
detenção. A questão, porém, é bem mais complexa. Se existe uma responsabilidade
no Capitólio, existe outra na Casa Branca, que até agora não exerceu,
decididamente, a vontade política de por termo a uma situação que tanto o
Presidente como alguns legisladores e os “media” consideram ser uma mancha na
imagem do país.
Nos primeiros anos de mandato, 70 detidos foram repatriados. Desde a sua
abertura, apenas sete detidos foram julgados e condenados pelas Comissões
Militares (tribunais de excepção) criadas com esse fim. Outros julgamentos, que
em Tribunais Federais estariam há muito concluídos, conforme a opinião de
vários juristas e advogados americanos, arrastam-se sem fim à vista. Dos 166
prisioneiros, foram analisadas as situações de 86 considerados passíveis de
repatriamento, contudo, nem um foi enviado para o seu país de origem ou de
residência. A Casa Branca poderia usar poderes conferidos pelo Congresso ao
Executivo, através do Departamento de Defesa, para avançar com o repatriamento
de detidos. No entanto, existe uma verdadeira paralisia.
O receio do regresso dos detidos a actividades terroristas, não provadas,
parece impedir o Presidente de assumir a responsabilidade, exigindo de facto a
sua partilha com o Capitólio. Para um Presidente no segundo mandato, sem
possibilidade de reeleição, Barack Obama parece excessivamente reservado, mesmo
naquilo em que acredita.
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