Pedro Bacelar de
Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
Em Espanha, Mariano
Rajoy viu-se encurralado entre o apelo da Comissão Europeia para aprofundar a
reforma da legislação laboral já aprovada e a proposta dos sindicatos para
assinar um pacto de regime contra o desemprego. Madrid rejeitou ambas as
propostas, mas admite discutir com os parceiros sociais as pensões de reforma e
a formação profissional. Recém-chegado de Bruxelas, com mais dois anos para
reduzir o défice excessivo da França, que acaba também de entrar em recessão,
François Hollande prometeu em Paris que irá manter o seu empenhamento nas
reformas para o aumento da produtividade que a Comissão Europeia, todavia,
considera ainda insuficientes: vai pois redobrar esforços para baixar os
"custos do trabalho" e para assegurar a "sustentabilidade"
da Segurança Social. Por seu turno, os sindicatos franceses pediam-lhe que
estabelecesse um limite para tais reformas.
Mas onde estará o
limite? No Bangladesh? Após a maior catástrofe industrial da sua história,
apenas duas multinacionais do pronto-a-vestir - a espanhola Zara e a sueca
H&M - assinaram um acordo proposto por sindicatos internacionais para
fiscalizar a segurança dos edifícios e a prevenção de incêndios nas fábricas
que detêm num país que é o segundo produtor têxtil do Mundo, a seguir à China,
que para lá deslocalizou parte da produção para baixar os custos e contornar as
quotas de importação europeias! A indústria do vestuário cresceu 10% no ano
passado e representa 80% do PIB do Bangladesh, segundo o "Libération"
de 14 de maio ("Le Bangladesh, dernier atelier de la misère", de Elodie
Cabrera). A média dos salários ronda os 30 euros por mês, a duração do trabalho
oscila entre as 50 e as 100 horas semanais, 90% dos trabalhadores são mulheres
que manipulam produtos tóxicos sem máscaras e cumprem horas extraordinárias
obrigatórias que não são pagas como tais. A criação de organizações sindicais é
violentamente desmotivada. Será o Bangladesh o fim da linha das
"deslocalizações"? Ainda não. Já se pensa, em alternativa, nas novas
oportunidades que poderão surgir na Birmânia, que começa agora a sair da tutela
dos militares, ou nas potencialidades inexploradas do mercado de trabalho
africano...
O receituário
repete-se em todo o lado, indiferente à situação particular de cada país e aos
desastres que provoca. Engana-se quem pensa que o Governo português tem um problema
de comunicação. Bem pelo contrário, rompendo com os padrões clássicos do debate
político democrático, a linguagem do "senso comum" é o veículo ideal
para a comunicação da mensagem de que os artifícios da política e a
complexidade do Estado não resistem à simplicidade dos factos nem à vontade
transcendente dos mercados. A realidade, única e indivisível, não carece de
autenticação! Até as dissonâncias aparentes entre diferentes membros do
Executivo apenas servem para demonstrar que não há alternativa às políticas que
segue. E por isso reclama o consenso e reage com indiferença às discrepâncias
notadas entre o que faz e o que prometeu nos programas eleitorais. Entre o que
afirma hoje e desdiz amanhã. "Realmente", as "suas políticas"
não são sequer da sua autoria nem da sua responsabilidade. O primitivismo
anti-Estado que inspira a ideologia global que hoje domina a Europa, encontrou
no lugar-comum /lugar nenhum, a sua linguagem própria.
Um sociólogo, um
geógrafo e um historiador decidiram fazer um livro sobre as verdades
"irrefutáveis" que alicerçam as medidas de austeridade correntes, o
cumprimento inevitável das condições exigidas pelos credores para o pagamento
da "dívida soberana", a fatalidade de um empobrecimento coletivo sem
prazo nem limite - castigo merecido do pecado hediondo da cobiça e da
indolência. José Soeiro, Miguel Cardina e Nuno Serra meteram ombros à obra,
mobilizaram quase duas dezenas de autores e coordenaram a edição que a
"Tinta da China" acaba de publicar com o título "Não acredite em
tudo o que pensa. Mitos do senso comum na era da austeridade." Um livro
que se recomenda, nas palavras dos autores, "como uma espécie de manual de
autodefesa intelectual".
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