Cristina Azevedo –
Jornal de Notícias, opinião
Esta foi a pergunta
que de imediato me ocorreu quando diligentemente procurava ler o Documento de
Estratégia Orçamental para 2013--2017. É que as primeiras páginas do documento
são, nada mais, nada menos, do que um verdadeiro libelo acusatório a Portugal e
aos portugueses, escrito na terceira pessoa como se Vítor Gaspar (o responsável
máximo pelo documento) nada tivesse a ver com este país e a sua realidade.
Pode ler-se:
-"Portugal
adiou sucessivamente a alteração de regime económico e financeiro necessária à
participação na área do euro".
-"Mas as
causas últimas da crise nacional residem na incapacidade de adaptação da
sociedade portuguesa às realidades da vida económica e financeira na área do
euro".
-"(Portugal)
Optou pelo conforto do curto prazo, mantendo a ilusão de um financiamento sem
limites".
-"(Portugal)
Persistiu em comportamentos atávicos desenvolvidos durante anos de
instabilidade orçamental e financeira e controlo sobre os movimentos de
capitais".
-"As opções
dos portugueses são agora muito limitadas:
- Ou encaram com
determinação a prossecução do equilíbrio orçamental (......);
- Ou regressam ao
atavismo de comportamentos ultrapassados, (...)".
Quem? Nós? O povo?
Na versão Queirosiana da "piolheira"?
Não é aceitável, em
minha opinião, nem para tentar uma alegada maior credibilidade externa, usar um
discurso moralista e culpabilizador. Sobretudo por quem, por natureza e por
função (julgo que também por nacionalidade), não tem como alijar quaisquer
responsabilidades. Mesmo que ache que não foi eleito "coisíssima
nenhuma".
Somos todos poucos
para tentar resolver o problema e fomos todos, de uma maneira ou de outra,
quanto mais não seja pelo voto, responsáveis pelo nosso próprio caminho. Fomos
é Nós e não Eles, simplesmente!
É interessante
verificar como esta postura à escala europeia é hoje vista como errada. É o que
nos diz Juncker, ex-presidente do Eurogrupo quando afirma (vide entrevista de 7
de maio ao "Jornal de Negócios"):
- "Deveríamos
ter agido com maior severidade contra essa imagem de que os países do Norte
eram os virtuosos e que os do Sul arrastavam os pés".
- "Se
tivéssemos continuado a dizer mal, a criticar e a fazer caricaturas dos
comportamentos coletivos dos países do Sul, essa linha de divisão entre o Norte
e o Sul poderia ter conduzido a uma fragilização da coesão da Zona Euro".
Dito isto e agora
que finalmente parece (com o êxito da emissão a 10 anos conseguida esta semana)
ser possível arriscar numa conclusão do programa de ajustamento em junho de
2014, é imperativo que os nossos governantes percebam que o povo que governam
tem de ser mobilizado e assim, de facto, co-responsabilizado por uma
progressiva melhoria das nossas condições de vida.
E para isso, temos
todos de perceber com clareza:
- As medidas que
vão ser tomadas.
- As razões que
ditaram a sua escolha.
- Os resultados que
se esperam venham a surtir.
- Ou a clara
assumpção de que não os conseguimos estimar.
E isto vale para
ambos os lados da questão. Para as medidas de austeridade e para a estratégia
de crescimento.
Já Tocqueville
dizia (como relembrou Juncker) que "as democracias são muito orientadas
para o curto prazo e não gostam de se envolver com horizontes mais
distantes". Muito menos, digo eu, gostam os mercados. E no entanto tem de
se arriscar uma comunicação mais transparente, menos dramática e mais corajosa.
Daquela coragem que nos faz humildes em vez de apenas resistentes.
Agora que temos
ainda de pôr em marcha um longo plano de ajustamento financeiro que
expectavelmente deve corresponder a algum grau de reforma do Estado e que temos
de tomar a sério de uma vez por todas o dossier da Economia, o consenso de que
tanto se fala surgirá com naturalidade se o povo, esse cliente final da política
sempre embaçado pelos intermediários mediatizados, for seriamente tomado em
consideração.
Sem medo! Como
dizia Saramago: "Nada me chateia mais do que ouvir um político dizer que
não devemos criar alarme social. A sociedade tem de estar alarmada, que é a sua
forma de estar viva".
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