Livro examina
capítulo obscuro na trajetória da chanceler federal alemã, mas esbarra em
reticência da biografada e nas dificuldades de comunicar as especificidades do
sistema da RDA.
Revelações
sensacionais ou café requentado? As críticas do novo livro sobre a chanceler
federal alemã, Angela Merkel, oscilam entre esses dois polos. Na biografia Das
erste Leben der Angela M.(A primeira vida de Angela M., em tradução livre), os
autores Georg Reuth e Günther Lachmann contemplam um segmento delicado na
trajetória da, hoje, líder política.
Trata-se da época,
na antiga Alemanha Oriental, em que ela era encarregada de "Agitação e
Propaganda" para a organização juvenil comunista FDJ. Nada de atípico para
um currículo da República Democrática Alemã (RDA). Mas para uma chefe de
governo da República Federal da Alemanha, por outro lado, um detalhe, no
mínimo, desconcertante.
O volume de 336
páginas, lançado quatro meses antes das eleições legislativas, se propõe fechar
uma lacuna de informação que, até agora, as biografias da premiê tinham deixado
aberta, explica Lachmann, em entrevista à Deutsche Welle. E disso faz parte
esclarecer se Merkel foi, ou não, secretária de Propaganda da FDJ (Juventude
Alemã Livre).
Chancelaria
relativiza
Segundo a
Chancelaria Federal, não se trata de nenhuma revelação espetacular. Afinal, em 2005, a própria Merkel já
teria se posicionado a respeito de forma detalhada e muito pessoal, no livro de
entrevistas Mein Weg (Meu caminho, em tradução livre).
"Simplesmente recomendo como leitura", comentou o vice-porta-voz do
governo, Georg Streiter.
Lachmann discorda:
em Mein Weg, a chanceler simplesmente registra que não consegue se lembrar
se praticou agitação e propaganda. Ele, em contrapartida, possui comprovantes.
"Há duas testemunhas", afirma, citando dois amigos com quem Merkel
cooperava estreitamente na época e com quem mantinha bastante contato privado.
Ambos eram secretários da FDJ na Academia de Ciências da RDA.
Outro cargo da
atual premiê é apresentado com destaque no novo livro: segundo Lachmann e
Reuth, ela era encarregada para jovens trabalhadores na Direção dos Sindicatos
Empresariais (BGL), órgão que coordenava os interesses das diferentes
instituições subordinadas à federação sindical única da República Democrática
Alemã, a FDGB.
"Pequenos
Goebbels em ação"?
Os mecanismos e
causalidades políticas funcionavam na RDA segundo regras próprias, de forma que
o mero fato de ocupar um cargo público pode, hoje, gerar mal-entendidos, alerta
Klaus Schroeder, diretor científico da associação de pesquisa SED-Staat (Estado
do Partido Socialista Unitário), da Universidade Livre de Berlim.
"A filiação à
FDJ, assim como o fato de ocupar um cargo, em si, não querem dizer nada",
afira. Afinal, lembra Schroeder, vigorava uma espécie de dever social de se
engajar politicamente, também dentro da organização juvenil. "'Secretária
da FDJ para Agitação e Propaganda' soa quase como se pequenos Goebbels
estivessem em ação", admite o estudioso do extinto Estado socialista
alemão.
De fato, o papel
dos membros era divulgar as mensagens da organização entre os estudantes e
organizar eventos. "É preciso examinar cada caso, mas se tratava, antes,
de algo banal", conclui.
Da mesma forma, o
fato de Merkel deter um posto na BGL só vale até certo ponto como critério para
avaliar sua conduta, acrescenta Schroeder. "Essa também era uma função que
centenas de milhares desempenharam na RDA." Bem mais decisivo para uma
avaliação da ideologia da atual chanceler é ela não ter sido filiada ao Partido
Socialista Unitário (SED), como mais de 2 milhões de outros cidadãos, observa o
pesquisador.
"Na RDA não
era possível se furtar inteiramente ao envolvimento político", explica. Os
cidadãos, segundo ele, estavam constantemente pressionados a atuar dentro de
uma organização de massa. "No entanto, a fronteira para dentro do espaço
político era ultrapassada no momento em que a pessoa se tornava membro do SED
ou de um dos outros partidos associados."
Pontos em aberto
Lachmann e Reuth
não esclarecem seus leitores sobre o significado disso tudo – ou seja, de que
forma Merkel exercia os seus cargos, ou quais eram as consequências para as
pessoas à sua volta. Eles próprios admitem: "Não existe qualquer tipo de
informação sobre até que ponto Angela Merkel foi ideologicamente influente – ou
não. Só sabemos que ela foi membro e quais eram suas responsabilidades."
No entanto,
precisamente tais informações são essenciais para a compreensão dos fatos
apresentados na nova biografia, em especial para aqueles pouco familiarizados
com o sistema da Alemanha comunista.
Os autores
gostariam de ter tido mais informações a respeito através da própria chefe de
governo. "Neste contexto, não é tão importante assim ela ter sido
secretária de Agitação e Propaganda. Essencial é que ela ocultou fatos",
aponta Günther Lachmann.
Pelo menos no que
se refere à pesquisa para Das erste Leben der Angela M., Merkel não se
mostrou especialmente cooperativa: uma lista de perguntas enviadas à
Chancelaria Federal permaneceu sem resposta.
O porta-voz
Streiter relativiza: "Eu não atribuiria tanto significado a isso. Muita
gente que escreve um livro sobre a chanceler federal e dirige perguntas a ela
fica um pouco decepcionada, nesse ponto".
Entre esconder e
não revelar
Recentemente, a
própria Merkel ressaltou que lida abertamente com seu passado na Alemanha
comunista. Ela nunca fez segredo sobre nada, mas possivelmente não contou
certas coisas, pois ninguém a interrogou a respeito, justificou-se.
Jacqueline Boysen,
também biógrafa da dirigente alemã, vê aí uma possível reação desta a uma
experiência negativa. "Certa vez, muito abertamente, ela tentou contar uma
história dos tempos da RDA diante da organização jovem da CDU [União Democrata
Cristã, o partido de Merkel]. No entanto ela foi totalmente mal
interpretada." Este seria um possível motivo para sua atual reserva.
Boysen encara de
forma crítica as revelações contidas na nova publicação. "Acho até certo
ponto absurdo que essa história fique sempre voltando. E que evidentemente, a
julgar pelas prévias do livro, nada de novo tenha sido acrescentado." Não
há motivo para indignação pública: o termo "revelação" é, neste caso,
um claro exagero, assegura a biógrafa.
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