terça-feira, 14 de maio de 2013

NOVA BIOGRAFIA EXPLORA PASSADO DE MERKEL NA ALEMANHA COMUNISTA





Livro examina capítulo obscuro na trajetória da chanceler federal alemã, mas esbarra em reticência da biografada e nas dificuldades de comunicar as especificidades do sistema da RDA.

Revelações sensacionais ou café requentado? As críticas do novo livro sobre a chanceler federal alemã, Angela Merkel, oscilam entre esses dois polos. Na biografia Das erste Leben der Angela M.(A primeira vida de Angela M., em tradução livre), os autores Georg Reuth e Günther Lachmann contemplam um segmento delicado na trajetória da, hoje, líder política.

Trata-se da época, na antiga Alemanha Oriental, em que ela era encarregada de "Agitação e Propaganda" para a organização juvenil comunista FDJ. Nada de atípico para um currículo da República Democrática Alemã (RDA). Mas para uma chefe de governo da República Federal da Alemanha, por outro lado, um detalhe, no mínimo, desconcertante.

O volume de 336 páginas, lançado quatro meses antes das eleições legislativas, se propõe fechar uma lacuna de informação que, até agora, as biografias da premiê tinham deixado aberta, explica Lachmann, em entrevista à Deutsche Welle. E disso faz parte esclarecer se Merkel foi, ou não, secretária de Propaganda da FDJ (Juventude Alemã Livre).

Chancelaria relativiza

Segundo a Chancelaria Federal, não se trata de nenhuma revelação espetacular. Afinal, em 2005, a própria Merkel já teria se posicionado a respeito de forma detalhada e muito pessoal, no livro de entrevistas Mein Weg (Meu caminho, em tradução livre). "Simplesmente recomendo como leitura", comentou o vice-porta-voz do governo, Georg Streiter.

Lachmann discorda: em Mein Weg, a chanceler simplesmente registra que não consegue se lembrar se praticou agitação e propaganda. Ele, em contrapartida, possui comprovantes. "Há duas testemunhas", afirma, citando dois amigos com quem Merkel cooperava estreitamente na época e com quem mantinha bastante contato privado. Ambos eram secretários da FDJ na Academia de Ciências da RDA.

Outro cargo da atual premiê é apresentado com destaque no novo livro: segundo Lachmann e Reuth, ela era encarregada para jovens trabalhadores na Direção dos Sindicatos Empresariais (BGL), órgão que coordenava os interesses das diferentes instituições subordinadas à federação sindical única da República Democrática Alemã, a FDGB.

"Pequenos Goebbels em ação"?

Os mecanismos e causalidades políticas funcionavam na RDA segundo regras próprias, de forma que o mero fato de ocupar um cargo público pode, hoje, gerar mal-entendidos, alerta Klaus Schroeder, diretor científico da associação de pesquisa SED-Staat (Estado do Partido Socialista Unitário), da Universidade Livre de Berlim.

"A filiação à FDJ, assim como o fato de ocupar um cargo, em si, não querem dizer nada", afira. Afinal, lembra Schroeder, vigorava uma espécie de dever social de se engajar politicamente, também dentro da organização juvenil. "'Secretária da FDJ para Agitação e Propaganda' soa quase como se pequenos Goebbels estivessem em ação", admite o estudioso do extinto Estado socialista alemão.

De fato, o papel dos membros era divulgar as mensagens da organização entre os estudantes e organizar eventos. "É preciso examinar cada caso, mas se tratava, antes, de algo banal", conclui.

Da mesma forma, o fato de Merkel deter um posto na BGL só vale até certo ponto como critério para avaliar sua conduta, acrescenta Schroeder. "Essa também era uma função que centenas de milhares desempenharam na RDA." Bem mais decisivo para uma avaliação da ideologia da atual chanceler é ela não ter sido filiada ao Partido Socialista Unitário (SED), como mais de 2 milhões de outros cidadãos, observa o pesquisador.

"Na RDA não era possível se furtar inteiramente ao envolvimento político", explica. Os cidadãos, segundo ele, estavam constantemente pressionados a atuar dentro de uma organização de massa. "No entanto, a fronteira para dentro do espaço político era ultrapassada no momento em que a pessoa se tornava membro do SED ou de um dos outros partidos associados."

Pontos em aberto

Lachmann e Reuth não esclarecem seus leitores sobre o significado disso tudo – ou seja, de que forma Merkel exercia os seus cargos, ou quais eram as consequências para as pessoas à sua volta. Eles próprios admitem: "Não existe qualquer tipo de informação sobre até que ponto Angela Merkel foi ideologicamente influente – ou não. Só sabemos que ela foi membro e quais eram suas responsabilidades."

No entanto, precisamente tais informações são essenciais para a compreensão dos fatos apresentados na nova biografia, em especial para aqueles pouco familiarizados com o sistema da Alemanha comunista.

Os autores gostariam de ter tido mais informações a respeito através da própria chefe de governo. "Neste contexto, não é tão importante assim ela ter sido secretária de Agitação e Propaganda. Essencial é que ela ocultou fatos", aponta Günther Lachmann.

Pelo menos no que se refere à pesquisa para Das erste Leben der Angela M., Merkel não se mostrou especialmente cooperativa: uma lista de perguntas enviadas à Chancelaria Federal permaneceu sem resposta.

O porta-voz Streiter relativiza: "Eu não atribuiria tanto significado a isso. Muita gente que escreve um livro sobre a chanceler federal e dirige perguntas a ela fica um pouco decepcionada, nesse ponto".

Entre esconder e não revelar

Recentemente, a própria Merkel ressaltou que lida abertamente com seu passado na Alemanha comunista. Ela nunca fez segredo sobre nada, mas possivelmente não contou certas coisas, pois ninguém a interrogou a respeito, justificou-se.

Jacqueline Boysen, também biógrafa da dirigente alemã, vê aí uma possível reação desta a uma experiência negativa. "Certa vez, muito abertamente, ela tentou contar uma história dos tempos da RDA diante da organização jovem da CDU [União Democrata Cristã, o partido de Merkel]. No entanto ela foi totalmente mal interpretada." Este seria um possível motivo para sua atual reserva.

Boysen encara de forma crítica as revelações contidas na nova publicação. "Acho até certo ponto absurdo que essa história fique sempre voltando. E que evidentemente, a julgar pelas prévias do livro, nada de novo tenha sido acrescentado." Não há motivo para indignação pública: o termo "revelação" é, neste caso, um claro exagero, assegura a biógrafa.

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