sexta-feira, 24 de maio de 2013

ONDE NASCE A EUROPA



Pedro Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião

A Europa não nasceu na Alemanha. Se porventura tivesse nascido em algum dos estados-membros da União Europeia, então, Portugal estaria numa situação privilegiada para reivindicar tal estatuto, uma vez que se constituiu como Estado, com a mesma configuração territorial que perdura até hoje, há mais de 800 anos - enquanto a maior parte dos estados que desenham o atual mapa político europeu apenas alcançaram tal condição há menos de dois séculos.

Não. A Europa não nasceu em nenhum Estado - um conceito político-constitucional inventado pela modernidade, a que os nacionalismos românticos do século XIX, alimentados pelas glórias e humilhações de uma história milenar de permanente conflito entre os seus povos, emprestaram fantasias étnicas e narrativas heroicas depois convertidas em apócrifos mitos fundacionais. Se porventura precisasse de nascer em algum lado, a Europa teria nascido, evidentemente, numa cidade. E há apenas uma cidade com inteira legitimidade para o reclamar - Roma - a capital de um império que se partiu sob o assédio irresistível da barbárie. Ou então, poderia ser Constantinopla, que prolongou por mais um milénio o Império Romano depois das hordas bárbaras terem arrasado e ocupado Roma. Mas Constantinopla - ou seja, Istambul, a capital da Turquia - ainda aguarda por certificação "competente" para ser admitida neste "clube" de democracias, ele próprio tão escassamente democrático, que é a União Europeia.

Em Berlim, sentado ao lado do ministro das Finanças alemão, Gaspar agradeceu o apoio prometido às "pequenas e médias empresas" ativas no setor das exportações. "Pequenas e médias empresas" que não se pretenderá certamente que venham a ser concorrentes das exportações alemãs... "Quando na Alemanha abordamos as políticas de combate à chamada crise europeia falamos sempre da história de sucesso de Portugal", acrescentou por fim o ministro alemão, reduzindo Gaspar a troféu de guerra para exibição na campanha já em curso para as eleições alemãs. Ou seja, nada se aprendeu com a falência do modelo de "país de serviços e turismo" que valeu ao ex-primeiro-ministro Cavaco Silva, há 20 anos, o título de aluno exemplar dos mestres europeus. O que merece um Governo que não sabe o que quer para o seu próprio país? Os governantes portugueses não sabem e há muito que deviam ter sido demitidos, mas os alemães sabem muito bem e por isso querem ganhar eleições, fingem ignorar "a chamada crise europeia" e adiam o reconhecimento do desastre das políticas de austeridade que promoveram com a cumplicidade da Comissão, para depois do ato eleitoral.

Da substância de uma alternativa política trata a crónica lúcida e oportuna de António Carvalho da Silva. Na sua coluna de sábado, neste jornal, afirmava que as "alternâncias que tivemos nas últimas décadas em Portugal criaram vícios e graves promiscuidades. E geraram um centrão de interesses que vai ter de ser instabilizado para o país ter futuro". E prossegue, adiantando alguns dos elementos essenciais de uma nova política - "É preciso informar e falar verdade aos portugueses e mobilizá-los. Em simultâneo, fazer alianças com outros povos em situação semelhante à nossa. Uma alternativa vencedora exige a denúncia do memorando, renegociação da dívida (...) preparação de todos os cenários, mesmo o de uma hipotética saída do euro".

A saída do euro é uma hipótese que por razões táticas não podemos excluir liminarmente, mas o lugar adequado para a formular é a própria união monetária, no contexto de uma estratégia de "aliança com outros povos", e são aqueles que se mostrarem obstinados na cegueira que conduziu à grave crise presente que deverão ser confrontados com a porta de saída. O euro é uma peça fundamental do projeto europeu arduamente construído ao longo de meio século e transporta uma promessa de paz e de prosperidade que não pode agora ser vencida por egoísmos nacionais e ambições hegemónicas de governantes irresponsáveis. A Europa nasceu da vontade dos seus povos mas pode morrer em qualquer lado.

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