Pedro Bacelar de
Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
A Europa não nasceu
na Alemanha. Se porventura tivesse nascido em algum dos estados-membros da
União Europeia, então, Portugal estaria numa situação privilegiada para
reivindicar tal estatuto, uma vez que se constituiu como Estado, com a mesma
configuração territorial que perdura até hoje, há mais de 800 anos - enquanto a
maior parte dos estados que desenham o atual mapa político europeu apenas
alcançaram tal condição há menos de dois séculos.
Não. A Europa não
nasceu em nenhum Estado - um conceito político-constitucional inventado pela
modernidade, a que os nacionalismos românticos do século XIX, alimentados pelas
glórias e humilhações de uma história milenar de permanente conflito entre os
seus povos, emprestaram fantasias étnicas e narrativas heroicas depois
convertidas em apócrifos mitos fundacionais. Se porventura precisasse de nascer
em algum lado, a Europa teria nascido, evidentemente, numa cidade. E há apenas
uma cidade com inteira legitimidade para o reclamar - Roma - a capital de um
império que se partiu sob o assédio irresistível da barbárie. Ou então, poderia
ser Constantinopla, que prolongou por mais um milénio o Império Romano depois
das hordas bárbaras terem arrasado e ocupado Roma. Mas Constantinopla - ou
seja, Istambul, a capital da Turquia - ainda aguarda por certificação
"competente" para ser admitida neste "clube" de
democracias, ele próprio tão escassamente democrático, que é a União Europeia.
Em Berlim, sentado
ao lado do ministro das Finanças alemão, Gaspar agradeceu o apoio prometido às
"pequenas e médias empresas" ativas no setor das exportações.
"Pequenas e médias empresas" que não se pretenderá certamente que
venham a ser concorrentes das exportações alemãs... "Quando na Alemanha
abordamos as políticas de combate à chamada crise europeia falamos sempre da
história de sucesso de Portugal", acrescentou por fim o ministro alemão,
reduzindo Gaspar a troféu de guerra para exibição na campanha já em curso para
as eleições alemãs. Ou seja, nada se aprendeu com a falência do modelo de
"país de serviços e turismo" que valeu ao ex-primeiro-ministro Cavaco
Silva, há 20 anos, o título de aluno exemplar dos mestres europeus. O que
merece um Governo que não sabe o que quer para o seu próprio país? Os
governantes portugueses não sabem e há muito que deviam ter sido demitidos, mas
os alemães sabem muito bem e por isso querem ganhar eleições, fingem ignorar
"a chamada crise europeia" e adiam o reconhecimento do desastre das
políticas de austeridade que promoveram com a cumplicidade da Comissão, para
depois do ato eleitoral.
Da substância de
uma alternativa política trata a crónica lúcida e oportuna de António Carvalho
da Silva. Na sua coluna de sábado, neste jornal, afirmava que as
"alternâncias que tivemos nas últimas décadas em Portugal criaram vícios e
graves promiscuidades. E geraram um centrão de interesses que vai ter de ser
instabilizado para o país ter futuro". E prossegue, adiantando alguns dos
elementos essenciais de uma nova política - "É preciso informar e falar
verdade aos portugueses e mobilizá-los. Em simultâneo, fazer alianças com
outros povos em situação semelhante à nossa. Uma alternativa vencedora exige a
denúncia do memorando, renegociação da dívida (...) preparação de todos os
cenários, mesmo o de uma hipotética saída do euro".
A saída do euro é
uma hipótese que por razões táticas não podemos excluir liminarmente, mas o
lugar adequado para a formular é a própria união monetária, no contexto de uma
estratégia de "aliança com outros povos", e são aqueles que se
mostrarem obstinados na cegueira que conduziu à grave crise presente que
deverão ser confrontados com a porta de saída. O euro é uma peça fundamental do
projeto europeu arduamente construído ao longo de meio século e transporta uma
promessa de paz e de prosperidade que não pode agora ser vencida por egoísmos
nacionais e ambições hegemónicas de governantes irresponsáveis. A Europa nasceu
da vontade dos seus povos mas pode morrer em qualquer lado.
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