Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
Foi na semana
passada que o governo anunciou, através de notícias colocadas nos jornais - o
que não deixa de ser um forma muito pouco corajosa de lidar com os cidadãos -
que os funcionários públicos terão mais um corte nos seus salários. Em
média, 4% de perda. Se juntarmos a isto o que já foi cortado no ano passado e o
aumento do horário - que reduz o que é pago por hora de trabalho -, teremos uma
perda salarial que andará entre os 10% e os 15%.
Também foi por
estes dias que ficou claro que a os pensionistas do Estado verão as suas
reformas reduzidas em cerca de 11%, numa medida retroativa, que acaba com
qualquer relação de confiança com o Estado e que me parece indiscutivelmente
inconstitucional.
Por fim, foi ainda
esta semana que ficámos a conhecer o parecer da Unidade Técnica de
Acompanhamento Orçamental (UTAO) da Assembleia da República, que diz que as
previsões do governo, em que se baseiam estes cortes, não refletem o
impacto da redução da receita dos impostos e não têm em conta o custo que o
Estado terá com o pagamento de indemnizações aos funcionários públicos que
rescindam contrato. Ou seja, que não haverá a folga que Gaspar julga ter. O que
pode significar que a famosa "TSU dos reformados", que, apesar de ser
a "linha vermelha" de Paulo Portas, está longe de ser a medida mais
grave deste pacote, terá mesmo de avançar.
Na mesma
semana em que, na surreal estratégia de comunicação deste governo,
fomos conhecendo os pormenores deste massacre, outra notícia foi tornada
pública: Conceição Leal, administradora do Banif Banco de
Investimento do Brasil, um negócio que correu mal, recebeu um prémio de
gestão de 533,7 mil euros no momento em que o banco se retira do
mercado brasileiro. Se a isto juntarmos o seu salário anual de 448,6 mil
euros, temosum rendimento anual de quase um milhão de euros. O que faz
desta senhora a gestora bancária mais bem paga do País. Isto, trabalhando
num banco virtualmente falido graças, em grande parte, à promiscuidade que
foi mantendo com o regime jardinista da Madeira.
Não, não é um
assunto de uma empresa privada. O Banif é, desde o final de 2012,
graças à intervenção pública para o salvar, detido em 99,2% pelo Estado.
Esta nacionalização provisória custou aos contribuintes mais de mil
milhões de euros que o Estado espera um dia ver devolvidos (se tiver mais
sorte do que teve no BPN).
Não tenho
feito dos salários de políticos e gestores públicos assunto de
muitas crónicas. Apesar de muitas vezes ficar chocado, sei onde acaba esse
debate e como ele tantas vezes serve para alimentar um discurso contra o
parlamentarismo, contra as funções económicas e sociais do Estado e até
contra a democracia. E como muitas vezes esconde a falta de vontade em
discutir as verdadeiras razões desta crise. Mas tudo tem um limite. E este
prémio, conhecido na semana em que o governo assalta pensionistas e
funcionários públicos, ultrapassa todas as marcas.
É sabido que
os gestores bancários transformaram-se nos salteadores dos
tempos modernos. Que, para proveito próprio, esmifraram as instituições
que os empregam e depois entregam os resultados desastrosos da sua
ganância ao Estado, para que os contribuintes paguem a factura. Mas quando
vemos isso continuar a acontecer num banco intervencionado
pelo Estado percebemos que o elogio ao sacrifício dos portugueses e a
conversa sobre insustentabilidade das funções sociais e económicas do
Estado tem sempre e apenas os mesmos destinatários: aqueles que não têm
qualquer responsabilidade nas causas desta crise.
A conduta dos
que, durante anos, viveram à custa da bebedeira irresponsável do
sistema financeiro, continua como antes. Em bancos privados mas também em
bancos que o Estado se viu obrigado a salvar. Num dia em que haja justiça,
senhoras como Conceição Leal terão de devolver aos portugueses, até ao
último cêntimo, este dinheiro. Dinheiro que é dos portugueses. Que
resulta dos impostos que, todos os meses, com tanto sacrifício, tiram dos
seus salários. Dinheiro que devia ser usado em escolas, hospitais, reformas.
E que a senhora Conceição Leal usa para si própria.
Na foto: Alguns "Senhores
dos Bancos".
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