Luís Rainha –
Jornal i, opinião
Fátima é cada vez
mais relevante para a nossa vida colectiva. Aliás, nem outra coisa seria de
esperar de um mito inventado à medida da alma lusa, tendo como atracção
principal uma “mãe” divina que prescreveu sofrimento às crianças e Inferno,
daquele sulfuroso e sobrelotado, aos pecadores – se calhar com razão: hoje, o
panorama em Fátima é de verdadeiro Hades. Toneladas de velas a derreter,
multidões no “joelhódromo”, comércio desbragado a cada esquina. E não tinha de
ser assim. Em El Rocío, santuário mariano bem próximo, em vez de idosas de
negro e velinhas pavorosas, há alegria e flamenco a rodos; em vez de uma
indústria montada para sugar o tutano da superstição e da miséria alheias, há
“hermandades” de portas abertas onde todos são bem-vindos para comer, beber,
cantar e dançar. De graça.
Aqui e agora, tudo reflecte Fátima: Passos, Portas e Gaspar são uma espécie de
videntes, apontando maravilhas mil onde os demais só vislumbram desgraças. Como
Lúcia previu o fim da guerra com dois anos de engano, também Gaspar tem do
futuro uma ideia mais mística do que lúcida. E também remenda os fracassos
mudando a posteriori as previsões. Lá no alto, plana um virginal Cavaco,
entretido a rezar hossanas à sua Pessoa. De quando em vez desce ao nosso plano,
murmura enigmas sem nexo e desaparece por mais um mês.
Mas, agora como antes, por mais flagrantes que sejam as imposturas, o Zé
continua a engolir o anzol, encolhido à espera de milagres que nunca virão. Ele
tem fé em tudo menos em si.
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