quarta-feira, 15 de maio de 2013

Portugal: MILAGRE ERA TEREM VERGONHA




Luís Rainha – Jornal i, opinião

Fátima é cada vez mais relevante para a nossa vida colectiva. Aliás, nem outra coisa seria de esperar de um mito inventado à medida da alma lusa, tendo como atracção principal uma “mãe” divina que prescreveu sofrimento às crianças e Inferno, daquele sulfuroso e sobrelotado, aos pecadores – se calhar com razão: hoje, o panorama em Fátima é de verdadeiro Hades. Toneladas de velas a derreter, multidões no “joelhódromo”, comércio desbragado a cada esquina. E não tinha de ser assim. Em El Rocío, santuário mariano bem próximo, em vez de idosas de negro e velinhas pavorosas, há alegria e flamenco a rodos; em vez de uma indústria montada para sugar o tutano da superstição e da miséria alheias, há “hermandades” de portas abertas onde todos são bem-vindos para comer, beber, cantar e dançar. De graça.

Aqui e agora, tudo reflecte Fátima: Passos, Portas e Gaspar são uma espécie de videntes, apontando maravilhas mil onde os demais só vislumbram desgraças. Como Lúcia previu o fim da guerra com dois anos de engano, também Gaspar tem do futuro uma ideia mais mística do que lúcida. E também remenda os fracassos mudando a posteriori as previsões. Lá no alto, plana um virginal Cavaco, entretido a rezar hossanas à sua Pessoa. De quando em vez desce ao nosso plano, murmura enigmas sem nexo e desaparece por mais um mês.

Mas, agora como antes, por mais flagrantes que sejam as imposturas, o Zé continua a engolir o anzol, encolhido à espera de milagres que nunca virão. Ele tem fé em tudo menos em si.

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