Sinto identificação
espontânea com os manifestantes. Aqui no Rio, desde a resistência contra a
derrubada da Escola Friedenreich e a defesa da Aldeia Maracanã, senti, pelos
emails que recebia, por conversas que tive e pelos vídeos em que policiais
apareciam jogando gás lacrimogêneo (sendo que meu candidato à prefeitura do Rio
nas últimas eleições, Marcelo Freixo, foi atingido ao ir prestar solidariedade
aos resistentes), que esse tipo de manifestações cresceria. Que tenha sido em
reação ao aumento da tarifa dos ônibus que esse cresciemento se mostrou
evidente, só confirma minha percepção de que se trata de algo genuíno, uma
expressão de insatisfação da população com um quadro público que demonstra
cansaço. Não é apenas o governo do PMDB no estado e na prefeitura, nem o do PT
no âmbito federal. É toda uma conjuntura que precisa ouvir dos cidadãos que não
há mais aceitação passiva do que quer que seja. De minha parte, identifico-me
com os manifestantes. Eles estão dando voz a sentimentos ainda inarticulados. Têm
que nos fazer pensar. Relembro as passeatas dos anos 1960 e penso nos
movimentos que se dão na Turquia agora, como se deram faz pouco nos EUA, na
Espanha, na Grécia, em vários países árabes. Me sinto em sintonia com essas
pessoas. A fala de Alckmin, reduzindo tudo a ação de baderneiros e vândalos,
foi insensível. Está por fora. Não chamaria Jabor de burro, como acontece na
cômica montagem que fizeram da fala dele com uma gravação minha dos anos 1970,
mas acho superficial dizer que esses movimentos são pura ilusão nostálgica de
grupos de classe média, que sonham com as marchas de que ouviram falar. Os 20
centavos podem não doer no bolso da maioria dos manifestantes mas são
essenciais para os pobres que precisam de transporte público. Nada diz que
jovens que não pertencem às classes necessitadas não podem reclamar por elas. O
argumento pasoliniano em defesa dos policiais procede, o que não quer dizer que
eles recebam e cumpram sempre as ordens mais justas. Mas o mais importante é
notar que o fato de serem os protestos motivados pelo aumento das tarifas
aponta para o problema gigante do transporte público no Brasil. O Rio conhece
uma tradição mafiosa nesse campo. Aqui, através desse sintoma que é o aumento
do preço das passagens, os manifestantes estão dizendo que não engolem os
modelos de negócios adotados para as obras relativas à Copa e à Olimpíada; que
desconfiam dos planos de ampliação do metrô; que percebem que o povo brasileiro
já sente os efeitos da inflação. São muitos níveis de insatisfação de que se esboça
a expressão. Sou radicalmente contra vândalos que causam danos a prédios e
monumentos. E sou radicalmente contra a atitude das autoridades que mandam a
polícia descer o pau em qualquer manifestante. Como disse um jornal
estrangeiro, o Brasil parece que esqueceu o que são manifestações públicas de
protesto. Enfim, como na canção de Dylan, alguma coisa está acontecendo e você
não sabe o que é, sabe Sr. Jones? Esperemos que seja algo que ajude o Brasil a
se desamarrar.
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