Folha 8 - edição
1146 de 15 junho 2013
Cerca de 25 agentes
da Polícia Nacional efectuaram, na madrugada do dia 08.06, por volta das
5h00, uma operação de buscas e captura, no Bairro Marçal, em Luanda, que
resultou na breve detenção do rapper João Carlos da Silva “Marshall Liricista”,
de 32 anos, um conhecido membro do Movimento Revolucionário Juvenil.
Filomena José
Carlos, mãe do músico, explicou ao Maka Angola como os agentes policiais
cercaram a sua residência, tendo tentado remover a cobertura e o forro da
casa, sem sucesso, para entrarem também pelo tecto.
“Eu tive sorte, se
tivesse sido um dos meus filhos a abrir a porta os polícias teriam disparado.
Eu abri a porta. Os agentes disseram-me que vinham à busca do meu filho, sem
mandado de busca ou de captura, sem papel nenhum”, explicou a mãe.
Diante da mãe, os
agentes policiais, identificados com insígnias da Direcção Nacional de
Investigação Criminal (DNIC), trataram primeiro o irmão mais novo de Marshall,
Jonas Joaquim, ao tabefe. Em seguida, dirigiram a sua atenção para o rapper.
“Deram-me duas bofetadas também frente à minha mãe, antes de me algemarem”,
contou.
Os policiais
apreenderam, segundo depoimento da vítima, uma viatura Hyundai 10 (pertencente
à sua esposa), a sua motorizada, o seu telemóvel e dinheiro no valor de $1,000.
Conduziram-no a uma unidade policial, conhecida como Esquadra do Chinguar, no
Bairro Benfica, a sul de Luanda.
“Queriam saber [os
policiais] onde o meu filho encontrou o carro que conduz. O carro é da minha
nora e ele tinhas os papéis todos em ordem”, disse Filomena José Carlos.
Antes da operação,
os agentes atacaram o vizinho do lado. “‘Abre a porta porra!’, eles gritavam.
No total, 15 polícias entraram em minha casa, bateram-me a bofetadas, diante
da minha mulher e filhas, que começaram a chorar”, informou o vizinho Nicolau
Manuel.
“Eu fiquei admirado
com o comportamento dos polícias. Eles queriam saber onde morava o Marshall e
diziam que ele era ladrão”, acrescentou.
O vizinho foi
obrigado a revelar a residência do alvo e só após a captura de Marshall
Liricista, os agentes retiraram as algemas de Nicolau Manuel e deixaram-no em
paz.
Já na viatura
policial, um dos agentes atingiu Marshall Liricista com dois pontapés no peito,
por este ter reclamado o roubo do telefone por um agente. “Ele tinha o telefone
no bolso e quando tocou dei conta. Acabou mesmo por ficar com o meu aparelho”,
contou. O jovem revelou ainda que os agentes também “roubaram” os USD 1,000 retirados
da sua residência, tendo devolvido apenas a motorizada e a viatura, esta em mau
estado.
“Na zona do
Futungo, algemaram-me a um suspeito, alinharam-nos contra uma parede, e
fizeram uma rajada contra nós, rente aos pés. Entrou-me areia nos olhos, do
ricochete das balas, que eu vi a tocaram no chão. Nunca pensei que passaria
por uma situação destas. Fizeram também vários tiros ao ar”, denunciou o cidadão.
Já na Esquadra do
Chinguar, que descreveu como “uma bagunça sem procurador, para actos clandestinos”,
Marshall Liricista foi informado do seu crime. “Um dos agentes disse-me
apenas: ‘Recebemos a informação de que você é altamente perigoso. Agora vemos
que essa informação não condiz com a realidade’”.
A família, liderada
pela mãe Filomena José Carlos, dirigiu-se à referida unidade às 9h30 e junto
dos agentes recebeu a justificação segundo a qual o seu filho foi detido devido
“ a uma queixa da vizinhança, que tem inveja dele pelo seu sucesso”.
“Eu não sei como
essa polícia trabalha. Fazem coisas à toa e falam à toa”, exprimiu a mãe da
vítima.
Entretanto, o
conhecido advogado David Mendes, ofereceu patrocínio jurídico ao músico.
“Vamos apresentar queixa, como prevenção, uma vez que está identificada a esquadra.
Vamos pedir a abertura de um inquérito à Procuradoria-Geral da República,
porque houve uma operação fora da área de jurisdição”, disse o defensor dos
direitos humanos.
“Como podem os agentes
policiais destacados no Benfica [município de Belas] deter um cidadão no Marçal
[município de Luanda], quando são áreas de jurisdição distintas? É assim que as
autoridades fazem desaparecer pessoas. Isso é um sequestro”, denunciou David
Mendes.
Segundo Marshall
Liricista, no acto da sua libertação, perto das 14h30, “os polícias
aconselheram-me a não revelar a ninguém a forma como me trataram. Disseram-me
para ter cuidado, alegando que o meu bairro tem muitos invejosos que estão de
olho em mim, e que ‘este assunto fica por aqui’”.
Até à sua detenção,
esta manhã, o músico era um dos raros membros do Movimento Revolucionário
Juvenil e activo participante manifestações anti-regime que ainda não tinha
sido detido.
Não foi possível
obter a reacção da Polícia Nacional.
Para além de
músico, Marshall Liricista trabalha como corrector imobiliário independente e
projectista, com o curso médio de Construção Civil. Actualmente frequenta o
segundo ano do curso de Relações Internacionais na Universidade Lusíada.
Na sua recente
entrevista à SIC, o presidente José Eduardo dos Santos definiu os jovens do Movimento
Revolucionário Juvenil, que desde 2011 têm organizado manifestações contra si,
como “frustrados”, desempregados e sem formação.
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