segunda-feira, 17 de junho de 2013

Angola: POLICIAIS ASSALTAM RESIDÊNCIA DO RAPPER MARSHALL LIRICISTA



Folha 8 - edição 1146 de 15 junho 2013

Cerca de 25 agentes da Polícia Na­cional efec­tuaram, na madrugada do dia 08.06, por volta das 5h00, uma operação de buscas e captura, no Bairro Marçal, em Luan­da, que resultou na breve detenção do rapper João Carlos da Silva “Marshall Liricista”, de 32 anos, um conhecido membro do Movimento Revolucioná­rio Juvenil.

Filomena José Carlos, mãe do músico, explicou ao Maka Angola como os agentes policiais cercaram a sua residência, tendo tentado remover a cober­tura e o forro da casa, sem sucesso, para entrarem também pelo tecto.

“Eu tive sorte, se tivesse sido um dos meus filhos a abrir a porta os polí­cias teriam disparado. Eu abri a porta. Os agentes disseram-me que vinham à busca do meu filho, sem mandado de busca ou de captura, sem papel ne­nhum”, explicou a mãe.

Diante da mãe, os agen­tes policiais, identificados com insígnias da Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC), trata­ram primeiro o irmão mais novo de Marshall, Jonas Joaquim, ao tabefe. Em seguida, dirigiram a sua atenção para o rapper. “Deram-me duas bofeta­das também frente à mi­nha mãe, antes de me al­gemarem”, contou.

Os policiais apreenderam, segundo depoimento da vítima, uma viatura Hyun­dai 10 (pertencente à sua esposa), a sua motorizada, o seu telemóvel e dinheiro no valor de $1,000. Condu­ziram-no a uma unidade policial, conhecida como Esquadra do Chinguar, no Bairro Benfica, a sul de Lu­anda.

“Queriam saber [os poli­ciais] onde o meu filho en­controu o carro que con­duz. O carro é da minha nora e ele tinhas os papéis todos em ordem”, disse Fi­lomena José Carlos.

Antes da operação, os agentes atacaram o vizi­nho do lado. “‘Abre a porta porra!’, eles gritavam. No total, 15 polícias entraram em minha casa, bateram­-me a bofetadas, diante da minha mulher e filhas, que começaram a chorar”, in­formou o vizinho Nicolau Manuel.

“Eu fiquei admirado com o comportamento dos po­lícias. Eles queriam saber onde morava o Marshall e diziam que ele era ladrão”, acrescentou.

O vizinho foi obrigado a revelar a residência do alvo e só após a captura de Marshall Liricista, os agentes retiraram as alge­mas de Nicolau Manuel e deixaram-no em paz.

Já na viatura policial, um dos agentes atingiu Mar­shall Liricista com dois pontapés no peito, por este ter reclamado o rou­bo do telefone por um agente. “Ele tinha o tele­fone no bolso e quando tocou dei conta. Acabou mesmo por ficar com o meu aparelho”, contou. O jovem revelou ainda que os agentes também “rou­baram” os USD 1,000 re­tirados da sua residência, tendo devolvido apenas a motorizada e a viatura, esta em mau estado.

“Na zona do Futungo, algemaram-me a um sus­peito, alinharam-nos con­tra uma parede, e fizeram uma rajada contra nós, rente aos pés. Entrou-me areia nos olhos, do rico­chete das balas, que eu vi a tocaram no chão. Nunca pensei que passaria por uma situação destas. Fize­ram também vários tiros ao ar”, denunciou o cida­dão.

Já na Esquadra do Chin­guar, que descreveu como “uma bagunça sem pro­curador, para actos clan­destinos”, Marshall Liri­cista foi informado do seu crime. “Um dos agentes disse-me apenas: ‘Recebe­mos a informação de que você é altamente perigoso. Agora vemos que essa in­formação não condiz com a realidade’”.

A família, liderada pela mãe Filomena José Car­los, dirigiu-se à referida unidade às 9h30 e jun­to dos agentes recebeu a justificação segundo a qual o seu filho foi detido devido “ a uma queixa da vizinhança, que tem inveja dele pelo seu sucesso”.

“Eu não sei como essa polícia trabalha. Fazem coisas à toa e falam à toa”, exprimiu a mãe da vítima.

Entretanto, o conhecido advogado David Mendes, ofereceu patrocínio jurí­dico ao músico. “Vamos apresentar queixa, como prevenção, uma vez que está identificada a esqua­dra. Vamos pedir a aber­tura de um inquérito à Procuradoria-Geral da República, porque houve uma operação fora da área de jurisdição”, disse o de­fensor dos direitos huma­nos.

“Como podem os agen­tes policiais destacados no Benfica [município de Belas] deter um cidadão no Marçal [município de Luanda], quando são áreas de jurisdição distintas? É assim que as autoridades fazem desaparecer pesso­as. Isso é um sequestro”, denunciou David Mendes.

Segundo Marshall Liricis­ta, no acto da sua liberta­ção, perto das 14h30, “os polícias aconselheram-me a não revelar a ninguém a forma como me trataram. Disseram-me para ter cui­dado, alegando que o meu bairro tem muitos invejo­sos que estão de olho em mim, e que ‘este assunto fica por aqui’”.

Até à sua detenção, esta manhã, o músico era um dos raros membros do Movimento Revolucioná­rio Juvenil e activo par­ticipante manifestações anti-regime que ainda não tinha sido detido.

Não foi possível obter a reacção da Polícia Nacio­nal.

Para além de músico, Marshall Liricista traba­lha como corrector imo­biliário independente e projectista, com o curso médio de Construção Civil. Actualmente fre­quenta o segundo ano do curso de Relações Inter­nacionais na Universida­de Lusíada.

Na sua recente entre­vista à SIC, o presidente José Eduardo dos Santos definiu os jovens do Mo­vimento Revolucionário Juvenil, que desde 2011 têm organizado manifes­tações contra si, como “frustrados”, desempre­gados e sem formação.

Sem comentários:

Mais lidas da semana