Jeferson Miola, Montevidéu – Opera Mundi
Se existia dúvida
de que o mundo poderia ficar pior após George W. Bush, Obama se encarregou de
dissipá-la
Em 2008, quando
Barack Obama se elegeu pela primeira vez, um sentimento ilusório de esperança
pairou como uma nuvem sobre a cena mundial. E não sem razão: depois de oito
anos tenebrosos de George W. Bush, as promessas de Obama inundavam o mundo com
a esperança de que a humanidade não estava inexoravelmente condenada a
continuar percorrendo o caminho das trevas.
Obama soube capturar o “espírito dos tempos”, e assim conseguiu pluralizar a
dimensão da sua candidatura presidencial. A candidatura dele já não era somente
um alento para os EUA, mas também uma ingênua expectativa de mudança que
alentava também boa parte do mundo. O slogan “Yes, we can!” [Sim, nós podemos!]
foi a eficiente tradução imaginária dessa representação subjetiva
universalizada.
Além de um discurso eficiente que se comunicava com as principais exigências
éticas e geopolíticas do período – Guantánamo, Iraque, Afeganistão, paz,
respeito à democracia, à diversidade, às soberanias das Nações e às liberdades
– Obama soube explorar os predicados de um homem negro, intelectual,
descendente queniano e com ancestrais no islamismo – a antítese do
norte-americano médio. E se habilitou, nessa condição, como reformador do
norte-americanismo obscurantista da era Bush.
As tremendas desilusões que se sucederam, todavia, foram proporcionais às
ilusões que acompanharam a eleição de Obama. Isso não significa dizer que Obama
tenha sido um impostor – ainda que ele tenha inovado com novos truques de
marketing político para ganhar as eleições, é bastante provável que o
establishment tenha emoldurado o “espectro realista” de sua ação, impedindo que
se tornasse um “ponto fora da curva” do sistema.
Se existia alguma
dúvida de que o mundo poderia ficar pior depois de George W. Bush, em pouco
tempo Barack Obama se encarregou de dissipá-la: o mundo continuou sendo, sim,
pior com ele.
A abjeta prisão de Guantánamo, promessa descumprida de Obama, é um acinte aos
valores iluministas e um retrocesso jurídico e moral à Idade Média. Os
prisioneiros lá depositados, alguns sem acusações formais e sem a instauração
do devido processo legal, são tratados à margem da lei e dos tratados
internacionais de direitos humanos.
A invasão de um país sem consentimento para matar o inimigo “onde quer que
esteja”, cria uma perigosa jurisprudência no direito internacional, que
provavelmente influenciará mudanças de índole reacionária na doutrina do
Direito no mundo.
A visão de democracia “for export” preservou a esquizofrenia: Os EUA
legitimaram os golpes de Estado em Honduras e no Paraguai, reconhecendo
prontamente os governos golpistas que usurparam o poder, mas não reconhecem a
eleição democrática de Nicolás Maduro na Venezuela.
Obama, incompreensivelmente um Nobel da Paz, parece assomado do mesmo delírio
do seu antecessor, e trata o mundo e a realidade como um jogo virtual de
videogame. Os drones, aviões não-tripulados, carregados de armamento e guiados
por controle remoto, alvejam os “inimigos” dos EUA localizados em qualquer
parte do mundo. Essas armas letais somente são disparadas mediante ordens
diretas do Presidente dos EUA que, portanto, tem a exata consciência dessa ação
criminosa e ilegal que sacrifica vidas inocentes.
A espionagem telefônica e cibernética escalou níveis mais elevados, assumindo
um padrão “Orwelliano” de controle das informações e das comunicações, em nome
da “guerra ao terrorismo”. Segundo denúncia do ex-funcionário da CIA Edward
Snowden, que prestava serviços para a NSA (Agência Nacional de Segurança), o
atual governo ampliou os acordos secretos de cooperação das principais
companhias telefônicas e dos maiores provedores de serviços de internet do
mundo [como Skype, Yahoo, Google, Facebook e outros] com a “estratégia de
segurança nacional” do país, executada em nome da “segurança da comunidade
internacional”.
Não se sabe ao certo a finalidade dessas informações obtidas ilegalmente. É
possível que não se destinem somente a programas militares e de segurança. Na
internet e nas redes sociais transitam quantidades incalculáveis de informações
pessoais e íntimas, reveladoras de hábitos de consumo, de modos de vida, de
preferências culturais, de rotinas e de relacionamentos.
As políticas da hiperpotência dominante do mundo são incompatíveis com as
conquistas iluministas da razão, da liberdade, da igualdade, da tolerância e da
democracia. São políticas antagônicas ao mundo democrático, multipolar,
tolerante e de paz que necessitamos, “não menos real que o mundo que conhecemos
e padecemos”, como afirma Eduardo Galeano. O retrocesso em mais de 200 anos em
relação às conquistas civilizatórias e iluministas da humanidade converte a
“esfinge da esperança” em uma pobre caricatura menor da História que está sendo
escrita como uma farsa.
(*) Foi Coordenador Executivo das edições do Fórum Social Mundial realizadas em
Porto Alegre, Brasil, nos anos de 2001 a 2005.
(**) texto publicado originalmente em Carta Maior
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