Luiz Carlos Azenha,
São Paulo – Correio do Brasil, opinião
O blogueiro
Altamiro Borges costuma falar sobre a capilaridade dos grandes conglomerados de
mídia do Brasil apontando para as agências de distribuição de fotos e notícias,
que espalham o conteúdo gerado no Rio de Janeiro ou em São Paulo mesmo para os
pequenos jornais ou emissoras de rádio do interior de Goiás ou da Amazônia.
Quando a Secom, a
Secretaria de Comunicação ligada à Presidência da República, diz que mudou a
distribuição de verbas publicitárias para fomentar e apoiar órgãos locais e
afirma que isso contribuiu para a democratização de conteúdos, está falando uma
meia verdade: isso pode até resultar na contratação de jornalistas locais, mas
não garante que a pauta seja distinta da dos grandes meios, que ocupam espaço
nas publicações com seus colunistas e ditam o que é ou não pauta nacional.
De minha parte,
tenho escrito sobre o paradoxo da chamada “crise da mídia”. As empresas demitem
jornalistas e reduzem custos ao mesmo tempo em que aumentam sua influência
sobre o público através da apropriação das ferramentas disponíveis aos usuários
das redes sociais.
No passado, o
leitor de Arapiraca, em Alagoas, provavelmente teria de esperar o dia todo até
receber sua edição de O Globo impressa no Rio de Janeiro. Agora, via Facebook,
ele recebe o artigo do Merval Pereira pregando a prisão de José Dirceu
disseminado pelos próprios internautas. Mais que isso, recebe o artigo
recomendado por um parente ou amigo, o que acrescenta um peso — vamos dizer,
“emocional” — ao conteúdo.
O poder dos
conglomerados se ampliou na medida em que eles dispõem de mais recursos para
disputar espaço nas redes sociais.
Surgiu, no entanto,
uma inédita capacidade dos mais jovens, antenados e digitalizados, de influir
na pauta nacional através da formação de redes de opinião múltiplas e não
necessariamente ligadas a partidos políticos.
Como tenho dito
desde o primeiro Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, a disputa agora
já não é apenas pelo controle dos meios de produção de notícias, que de fato se
democratizaram pelos padrões capitalistas (montar um blog e comprar uma câmera
digital exige muito menos capital que o que Roberto Marinho usou para montar
uma rede de TV). A disputa hoje é também sobre a capacidade de disseminar em
rede conteúdos de seu interesse.
O erro do Partido
dos Trabalhadores em geral e do governo Dilma em particular foi
descuidar da informação na era da informação.
Lembro-me de quando
Ronald Reagan, o Grande Comunicador, estava em minoria no Congresso dos Estados
Unidos e decidiu falar diretamente aos eleitores, por cima dos mandatos
distritais, usando para isso a visibilidade garantida ao púlpito presidencial.
Donald Regan,
assessor de imagem do presidente norte-americano, bolava os eventos. Reagan
desembarcava no interior do Texas e, ao lado de fardos de feno, falava sobre a
política agrícola, garantindo espaço na mídia local e regional.
A presidente Dilma aparentemente
não gosta de usar o púlpito para fazer política, ou seja, para contestar as
versões sobre os fatos apresentadas como verdades absolutas pela mídia (como o
apagão elétrico que, afinal, nunca aconteceu), para defender suas próprias
ideias e influir na pauta de debates.
Com isso, perante a
opinião pública, está sempre na defensiva. Ainda que o apagão tenha, afinal, se
mostrado uma ficção midiática, a nova dinâmica das redes sociais disseminou
fortemente a impressão de um governo acuado, sem respostas, vacilante — com
implicações para a imagem deDilma que podem ter tido algum impacto
inclusive nas pesquisas de opinião.
Ossificado, o PT
parece não ter entendido até agora a importância da batalha da comunicação. Em
desvantagem nos espaços da grande mídia, o partido já deveria ter desenvolvido
uma estrutura para produzir e disseminar conteúdos nas redes sociais.
Falo de discursos,
notas oficiais e posicionamentos individuais dos parlamentares do PT, partido
que dispõe ainda de um amplo corpo de técnicos e intelectuais que poderiam
influir nos debates nacionais e se contrapor à pauta proposta pelas grandes
redações.
É irônico que Dilma
tenha sido vaiada justamente no estádio mais bonito dos que foram construídos
para a Copa das Confederações e que, dizem os que estiveram lá, deveria servir
de orgulho para a engenharia nacional.
O que me leva ao
segundo ponto. Não se trata apenas de um problema de comunicação, mas também e
principalmente de prioridades políticas.
Ao abraçar as
empresas de telefonia — sejam quais forem os motivos para isso — e engavetar um
Plano Nacional de Banda Larga baseado na universalidade, no investimento
público e no livre acesso em praças ou pontos de encontro de jovens, o governo
Dilma fechou as portas para que milhões de seus apoiadores ingressassem no
mundo digital, disseminando suas ideias e opiniões nas redes sociais. A culpa é
de Paulo Bernardo?
Ao abraçar os
ruralistas — sejam quais forem os motivos para isso — e demolir a Funai, o
governo Dilma se afastou dos indígenas, causando o desgosto de centenas de
milhares de jovens internautas com grande capacidade de mobilização nas redes.
A ironia suprema é que hoje a direita usa a causa indígena… para atacar um
governo cujo partido principal de sustentação sempre teve compromisso histórico
com os indígenas. Culpa da Gleisi Hoffmann?
Ao abraçar os
fundamentalistas — sejam quais forem os motivos para isso — e cancelar
campanhas de esclarecimento sobre a AIDS, além de demonstrar ambiguidade na
questão do Estatuto do Nascituro, o governo Dilma perde o apoio de outro tanto
de jovens militantes políticos que também são militantes digitais capazes,
articulados e influentes. Culpa do Alexandre Padilha?
Ao abraçar Gulherme
Afif Domingos, o vice-governador de Geraldo Alckmin, e torná-lo ministro —
sejam quais forem as justificativas para isso –, além de prometer apoio federal
para a repressão a um movimento social em São Paulo, o governo Dilma se
distancia profundamente de sua própria base (a Juventude do PT, saibam, faz
parte das manifestações). Culpa de José Eduardo Cardozo?
Notem, portanto,
que não se trata apenas de um problema de comunicação.
O fato é que existe uma nova dinâmica da
informação, comandada em parte por jovens inconformados, que querem
mudanças.
Porém, os
compromissos do governo Dilma contribuiram para alijar das redes sociais uma
parcela significativa de seus apoiadores, que se encontram entre os excluídos
digitais.
Além disso, deram
motivo para que militantes com poder de influência multiplicassem as críticas
aos rumos da coalizão cada vez mais conservadora liderada pelo PT.
É como se houvesse
um choque geracional entre o mundo digital e o mundo analógico (na observação
de gente como Marcelo Branco e Sergio Amadeu) — com o PT encarnando, sem
reação, o papel de um governismo conservador e desatento às pressões sociais
que, lá atrás, estiveram na origem do próprio partido.
Luiz Carlos Azenha é
jornalista, editor do site Viomundo.
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